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terça-feira, 24 de abril de 2012

Como escrever como um cientista

Figura do post original. CREDIT: Hal Mayforth


Por Adam Ruben
23 de março de 2012
Traduzido por Fabiano Oliveira
Eu não sabia se deveria tomar o conselho do meu orientador de Doutorado como um elogio ou não: "Você não escreve como um cientista", disse ele, entregando-me o relatório de progresso para uma bolsa que eu havia escrito. No meu mundo fantasioso, lágrimas vieram aos seus olhos, e ele disse: "Você é um poeta”! Na realidade, porém, ele quis dizer isto como uma crítica. Eu não escrevo como um cientista, e aparentemente isso é ruim.
Eu pedi um exemplo, e ele apontou para uma frase na primeira página. Veja aqui a palavra "Solitária". Isso não é linguagem cientifica. 
A palavra "solitária", como em "PvPlm é uma plasmepsin solitária no vacúolo alimentar do Plasmodium vivax." Era uma palavra proibida. Uma palavra não-científica. Uma palavra rebuscada, uma palavra lírica, uma palavra digna de - ugh - um estudante de letras.
Eu não queria ser poético. Eu tinha acabado de usar a palavra "somente" cinco ou seis vezes, e eu não queria usá-la novamente. Mas em sua mente, "solitária" deve ter conjurado imagens do PvPlm na borda de um penhasco, olhando para o abismo vazio, chorando suavemente para seus companheiros de protease aspártico. Ah, os bons momentos que compartilhávamos. Tardes passadas clivando proteínas. Manhãs preguiçosas decompondo proteínas nos seus aminoácidos constituintes num agradável pH acido. Infelizmente, solitária plasmepsin, esses dias acabaram.
Então eu mudei a palavra "somente". E doeu. Não porque "solitária" foi alguma vez uma frase mais bela, mas por causa da lição que aprendi: Qualquer palavra além do conjunto esperado - até mesmo uma palavra tão inofensiva como "solitária" - aparentemente não pertence à ciência.
Eu ainda sou bastante novo nesta coisa da ciência. Eu terminei o doutorado a menos de quatro anos, após os dias sombrios de pós-graduação e do orientador que não tolerou a palavra “solitária”.  Portanto, perdoe minha ingenuidade quando eu pergunto: Por que diabos não usar "solitária"?
Por que não podemos escrever como as outras pessoas escrevem? Por que não podemos contar a nossa ciência em histórias interessantes, dinâmicas? Por que devemos escrever friamente? (Ou, para reformular a última frase na voz passiva, como parece ser a moda científica, por que friamente deve ser escrito por nós?)
Certa vez, ensinei a duas classes de escrita cientifica em diferentes semestres. A primeira foi escrevendo sobre ciência onde os estudantes tinham se divertido encontrando projetos de pesquisa interessantes e escrevendo sobre eles. Um estudante visitou um laboratório onde os cientistas estavam construindo um mecanismo novo de direção de submarinos, inclusive deixando-a testar a nova direção em torno de um pequeno tanque. Outra submeteu-se a uma ressonância magnética e escreveu sobre a experiência.
Mas o segundo semestre era a escrevendo ciência para cientistas, em que eles aprenderam a escrever artigos para revistas científicas - e foi muito menos divertido. "Mantenha-o interessante!" Eu disse aos meus alunos durante o primeiro semestre. Para o meu segundo semestre, eu disse: "Bem, você não deve realmente mantê-lo interessante."
Nós somos ensinados que os artigos de revistas científicas são simplesmente diferente de todos outros escritos. Eles não estão escritos em Inglês, por si só, eles são escritos em Inglês minimalista destinado apenas para transmitir números e gráficos. Como tal, eles têm suas próprias regras. Por exemplo:
1. Os artigos científicos devem começar com um aceno obrigatório a sua própria relevância, geralmente citando figuras exageradas sobre a prevalência da doença ou outros desastres iminentes. Se sua pesquisa não realmente resolver um destes problemas, você tem que fingir que faz, porque afinal isso não impediu que você solicite verbas. Por exemplo, você pode escrever, "Vinte milhões de crianças morrem de sarna todos os dias. Por este motivo nós construímos um canguru robô! "
2. Usando a primeira pessoa em sua escrita humaniza seu trabalho. Se possível, portanto, você deve evitar usar a primeira pessoa na sua escrita. Ciência consegue avançar, apesar dos seres humanos e não por nossa causa, assim que você tem que fazer parecer que os resultados apareceram magicamente.
3. Algumas revistas, como a “Science”, oficialmente evitam a voz passiva. Outros imprimem apenas na voz passiva. Então, encontre um meio termo saudável, escrevendo na voz semi-passiva.
Exemplos:
Voz Ativa: Nós fizemos este experimento.
VOZ PASSIVA: Este experimento foi feito por nós.
SEMI-voz passiva: Feito por nós, esta experimento foi.
Sim, pois usando a voz semi-passiva, você vai querer imitar o Yoda. O Yoda, você vai querer imitar.
4. Quanto mais referências você incluir, mais erudito o leitor assumirá que você é. Assim, se você escrever uma frase como: "Muito trabalho tem sido feito nesta área", você deve planejar passar as próximas nove horas rastreando documentos, para que o seu artigo em última análise, leia: "Muito trabalho tem sido feito neste campo 1, 3,6-27 ,29-50 ,58,61,62-65 ,78-315 ,952-Avogadro. " Atenção, se você escrever um artigo de revisão, EndNote pode explodir.
5. Livros de gramática contém regras elaboradas sobre quando escrever números literalmente ou quando usar algarismos. Mas os números são realmente a única razão pela qual você está escrevendo o seu manuscrito, e você não quer que os leitores pensem que você está em algo tão pobre como palavras. Então certifique-se cada número é escrito unicamente em sua forma numeral - caso contrário, “1 day, you’ll awake 2 find that you’re 4got10”.
6. A maioria das revistas usar o verbo no passado. Para adicionar estilo à sua escrita, tente escrever o seu artigo inteiro no tempo verbal “condicional futurista interrogativo da terceira pessoa”. Em vez de: "Fizemos este experimento", você escreveria: "Será que estávamos fazendo este experimento?" Isso pode parecer mais complicado do que a escrita simples, mas o seu artigo não será provavelmente nem um pouco menos compreensível do que a maioria dos outros artigos em revistas científicas.
7. Sempre escreva "nós" em vez de "eu", mesmo se você executou a pesquisa você mesmo, o plural garante que nenhum sentimento será ferido quando o crédito é atribuído. Por exemplo, "Nós investigamos estes resultados, mas depois tivemos que usar o banheiro, que é onde nós nos sentamos quando nossos cônjuges sempre reclamam."
8. Lembre-se do seu público. É constituído principalmente por alunos de graduação que, daqui a 10 anos, irão incluir o seu manuscrito na sua própria coleção volumosa de referências sobrescritas. Então lembre-se deles, e faca seu nome fácil de soletrar.
9. Frases que começam com "obviamente" ou "como todo mundo sabe" demonstra a sua superioridade intelectual. Se possível, começar parágrafos com: ", como seres super-inteligentes como eu sabemos", ou "Abrace sua estupidez, aqui é um fato-bomba para você."
10. Seu manuscrito será revisado por pares, portanto inclua descrições lisonjeiras de todos os seus pares. 
11. Se você é co-autor do manuscrito, a sua notoriedade deriva da ordem de autores e não do conteúdo do seu trabalho - por isso certifique-se de ter debates veementes e mesquinhos sobre qual nome vai primeiro. Aqui estão as regras gerais para a autoria:
Primeiro autor: Exausto estudante de doutorado que passou horas fazendo o trabalho.
Segundo Autor: estudante de mestrado ressentido que pensa que ele ou ela passou horas fazendo o trabalho.
Terceiro Autor: Estudante de iniciação e portanto feliz por ser nomeado.
Quarto autor: Colaborador que ninguém jamais viu, cujo nome está incluído apenas por razões políticas.
Quinto autor: Pós-doutorando que uma vez fez uma observação casual sobre o assunto.
Sexto autor: por algum motivo, Vladimir Putin.
Último Autor: investigador principal, cujo laboratório financiou o projeto, mas que não passa por uma bancada de laboratório faz décadas, exceto para aquela sessão de fotos para algum tipo de propaganda, e até então fica óbvio que ele ou ela não sabiam onde encontrar as coisas básicas (luvas) no laboratório.
Muitos cientistas veem a escrita como meios para alcançar um objetivo, o plástico bolha da embalagem necessário para assegurar os dados a serem dispersados no mundo. Eles odeiam frases de estruturadas tanto quanto eles odeiam, digamos, metáforas sobre  embalagens com plástico bolha.
Mas se há uma razão por que artigos de revistas científicas tendem a ser secos, é porque nós os escrevemos dessa forma. Esperamos que os dados constituam uma história interessante por si só, mas todos nós sabemos que normalmente não é assim. Eles precisam de nós, as pessoas que entendem a sua profundidade e charme, para enquadrá-los e explicá-los de maneiras interessantes.
Este é, de fato, um dos aspectos mais atraentes da ciência: Nós somos mais do que apenas as pessoas que pipetam. Somos defensores “solitários”, que construimos e contamos histórias sobre a nossa ciência. Eu não consigo pensar em uma nenhuma carreira “solitária” melhor.

Adam Ruben, Ph.D., is a practicing scientist and the author of Surviving Your Stupid, Stupid Decision to Go to Grad School.
10.1126/science.caredit.a1200033
http://sciencecareers.sciencemag.org/career_magazine/previous_issues/articles/2012_03_23/caredit.a1200033

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4 comentários:

  1. Fantástico!!!! tem que rir pra não chorar. Se analisado friamente, retrata tão bem a realidade que dá náuseas. Aí entra o bom humor pra dar uma amenizada nos fatos, rs.

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  2. Temos que ter cautela nessa crítica. Nem todo paper é chato desse jeito. Já li inúmeros papers em que a escrita é fascinante. Ser fascinante é uma coisa, ser poético é outra coisa. O uso de escrita poética, com metáforas e onomatopeias não é estimulado por ter um potencial de gerar várias interpretações. Imaginem que os números por si só às vezes são confusos, e poderiam ser incompreensíveis se o autor os tratasse de maneira "poética". A mensagem de um trabalho científico deve ser mesmo direta e evitar deixar dúvidas sobre os dados e interpretações. Uma vez os estudantes entendam isso, serão mais bem sucedidos na escrita de papers. O cara pode até se dar o luxo de ser poético, mas em um paper de opinião, ensaio editorial ou revisão. Mas trabalho original exige objetividade mesmo. E isso é pro bem da ciência, mesmo que cause ataques conversivos nos linguísticos.
    Boa questão para se discutir no blog.
    Abraço

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  3. Concordo que sem objetividade nenhum paper chega sequer a ser publicado. Um fato muito importante e muitas vezes esquecido pelos alunos é que os dados não existem por acaso. Uma hipótese foi gerada para que os experimentos fossem realizados. Muitas vezes a explicação da hipotese ou da pergunta que se pretende responder é mais fascinante do que os resultados obtidos. Sendo as vezes até poética....Mas é fato que um paper deve, no final, refletir a mensagem dos resultados obtidos, e de maneira clara, sem devaneios. E para conseguir isto é necessário um treinamento sério em escrever, submeter, re-escrever, re-corrigir, re-aprender e por fim publicar.

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  4. Eu adorei o post e eu ri bastante disso aqui: ""Muito trabalho tem sido feito neste campo 1, 3,6-27 ,29-50 ,58,61,62-65 ,78-315 ,952-Avogadro. " Atenção, se você escrever um artigo de revisão, EndNote pode explodir" pelo "avogadro" no meio. E quem não iria querer imitar o Yoda? Fala sério.

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