A doença enxerto
versus hospedeiro (GVHD) é uma complicação frequente em pacientes, de alta
morbidade e letalidade, representando a principal barreira para o transplante
de medula óssea ou de células-tronco hematopoiéticas. A doença resulta da
atividade de células T do enxerto,
que passam a ser estimuladas de forma contínua por antígenos do hospedeiro. Mesmo quando as moléculas
MHC de enxerto e hospedeiro são idênticas, a doença é induzida pela
apresentação de peptídeos do hospedeiro (conhecidos como antígenos menores de histocompatibilidade). A doença aparece como
uma inflamação difusa e agressiva no sistema digestivo, pele e pulmões. As
células T CD4 do enxerto são responsáveis pelo ataque à mucosa
gastro-intestinal e pela letalidade que resulta deste ataque.
Esquerda: histologia da mucosa normal do colon. Aparência normal das criptas e lâmina própria com áreas focais de celularidade aumentada. Direita: Histologia de GVHD gastrointestinal severa, com quase completa destruição das criptas e exposição da mucosa do colon. Foto: Dr. Joel Greenson, University of Michigan.
A célula
apresentadora de antígenos (APC) do hospedeiro
é que mantem a doença em atividade, estimulando as células T do enxerto. No
entanto, a sua identidade nunca foi esclarecida. Por muito tempo, foi inferido
que esta célula deveria ser uma célula dendrítica (DC), e portanto, ser de
origem hematopoiética. No entanto, um estudo detalhado mostrou que os antígenos
menores responsáveis pela GVHD aguda eram derivados de tecidos
não-hematopoiéticos (Jones SC, Murphy GF, Friedman TM, Korngold R. Importance
of minor histocompatibility antigen expression by nonhematopoietic tissues in a
CD4+ T cell-mediated graft-versus-host disease model. J Clin Invest. 112:1880-1886,
2003). Neste estudo, a APC responsável não foi caracterizada, restando a
possibilidade de que os antígenos menores não-hematopoiéticos fossem liberados
e, de alguma forma, capturados e apresentados por DCs.
No entanto, um novo
estudo, de Motoko Koyama e colaboradores, demonstrou claramente que as DCs do hospedeiro
não são responsáveis pela GVHD
aguda. As APCs do hospedeiro que são as responsáveis são mesmo de origem não-hematopoiética, e
correspondem a fibroblastos, podócitos e miofibroblastos do tubo digestivo (Koyama
M, Kuns RD, Olver SD, Raffelt NC, Wilson YA, Don AL, Lineburg KE, Cheong M,
Robb RJ, Markey KA, Varelias A, Malissen B, Hämmerling GJ, Clouston AD,
Engwerda CR, Bhat P, Macdonald KP, Hill GR. Recipient nonhematopoietic
antigen-presenting cells are sufficient to induce lethal acute
graft-versus-host disease. Nat.
Med. 18; 135-142, 2012).
Infelizmente, a
indução da GVHD depende de uma série de eventos, que são também necessários
para realizar o transplante de medula óssea. Primeiro, a irradiação letal,que irá
destruir o compartimento linfóide do hospedeiro, é altamente pró-inflamatória, devido à liberação de
alarminas e adjuvantes endógenos derivados das células em necrose. As alarminas
induzem a liberação de citocinas pró-inflamatórias por fagócitos. Segundo, esta
inflamação sistêmica, por sua vez, induz expressão
aberrante de MHC de classe II em vários tipos de células que são
imunologicamente “amadoras”, como queratinócitos, epitélios e as células
mesenquimais não-hematopoiéticas do intestino. Terceiro, após o transplante, as
células T virgens do enxerto migram para os órgãos linfóides, que agora estão
“vazios”. No órgão linfoide “vazio”, estas células T sofrem um processo
vigoroso de proliferação homeostática,
que é independente de antígeno, e
que levará à diferenciação de células de memória. Existem trabalhos mostrando
que as células T virgens é que são as mais importantes na GVHD devido à sua
capacidade de entrar em órgãos linfoides. E existem trabalhos mostrando que a
existência dos órgãos linfoides secundários é necessária para desenvolver GVHD.
Quarto, estas células de memória do enxerto saem do órgão linfóide e entram nos
tecidos-alvo, aonde irão interagir com as APCs amadoras (como fibroblastos) que
estão expressando moléculas de MHC classe II de forma aberrante e apresentando
peptídeos derivados do hospedeiro. Quinto, esta reatividade reforça e perpetua a
expressão aberrante de MHC classe II nas APCs e leva à formação
de células T CD4 efetoras no local, que lesionam o tecido.
Por quê as DCs, que
são as APCs mais potentes, não são capazes de mediar este processo ? O mais
provável é que as DCs do hospedeiro estimulem tão fortemente células T do
enxerto, que ràpidamente levem à apoptose destas (morte induzida por ativação).
Em concordância com esta idéia, o estudo de Koyama e colaboradores mostrou que
a depleção de DCs na verdade, piora e
acelera o curso da GVHD, sugerindo que DCs até mesmo protegem o recipiente,
possìvelmente por deletar uma proporção das células T efetoras.
Estes resultados
acabam de ser confirmados por um estudo independente feito pelo grupo de Warren
Shlomchik. A depleção radical de células dendríticas convencionais e
plasmocitóides do hospedeiro não impediu o desenvolvimento de GVHD. Os autores também
atribuem o fato à natureza dos aloantígenos em questão, que estão expressos em
todas as células do hospedeiro, e que potencialmente poderiam atuar como APCs (Li
H, Demetris AJ, McNiff J, Matte-Martone C, Tan HS, Rothstein DM, Lakkis FG,
Shlomchik WD. Profound Depletion of Host Conventional Dendritic Cells,
Plasmacytoid Dendritic Cells, and B Cells Does Not Prevent Graft-versus-Host
Disease Induction. J Immunol. 2012
Mar 14. [Epub ahead of print])
Os vilões seriam as
células amadoras, justamente por estimular células T, sem matá-las. Este estudo
revela um conceito inesperado da reação enxerto versus hospedeiro, que
precisará ser equacionado à procura de procedimentos preventivos mais eficazes
para este grande desafio da medicina.
Post de George A.
DosReis. UFRJ.
Puxa que aula! Adorei os recursos didáticos (figuras e fonte negrito). Obrigada professor!
ResponderExcluir