A hipótese da higiene, originalmente proposta por Strachan em 1989, se baseava em estudos epidemiológicos que mostravam a relação inversamente proporcional entre sanitização e desenvolvimento de doenças atópicas. Seu conceito principal era que o indivíduo nascia predisposto a desenvolver um padrão Th2 de resposta, e a exposição a microorganismos na infância seria necessária para o desenvolvimento do padrão Th1, que contrabalancearia a tal resposta Th2 e impediria o desenvolvimento de doenças alérgicas. No entanto, estudos epidemiológicos também mostravam que a prevalência de doenças autoimunes e inflamatórias aumentava em países mais urbanizados e com melhores condições de sanitização, fazendo o conceito original da hipótese cair por terra, já que estas doenças são mediadas por padrões Th1/Th17 de resposta. A explicação alternativa para este fenômeno foi, durante muito tempo, o desenvolvimento deficiente das Tregs em indivíduos criados em melhores condições de higiene. Experimentos em camundongos germ-free (GF) corroboraram esta observação, já que vários trabalhos demonstram que estes animais têm menor número de Tregs e defeitos funcionais das mesmas. No entanto, a principal característica destes animais é a ausência da microbiota, e o foco da atenção nesta linha de pesquisa mudou novamente; o objetivo agora é determinar quais alterações ocorreriam no intestino, mediadas pela presença da microflora, ou seja, qual o efeito desta “infecção persistente” no desenvolvimento do sistema imune. Diversos trabalhos mostram a participação da microbiota no desenvolvimento das Tregs e na inibição da resposta inflamatória (não mediada por Tregs). No entanto, diversos outros estudos mostram que a participação da microbiota acarreta no desenvolvimento de doenças inflamatórias, e estes trabalhos contraditórios acabaram por colocar em xeque a hipótese da higiene. Agora, os trabalhos publicados recentemente na Nature Medicine e Science mostram como a microbiota influenciaria de maneira positiva no desenvolvimento da resposta imune, e fornecem mais evidências experimentais a favor da hipótese da higiene.
No estudo publicado na Science por Olszak et al., e que foi assunto de um post neste blog em 27.03.12, os autores demonstraram que células iNKT estão aumentadas no cólon e no pulmão de animais GF quando comparados com animais specific pathogen free (SPF). No estudo, animais GF foram mais susceptíveis para modelos de colite (induzido por oxazolona) e asma (induzido por OVA) e, de maneira interessante, o aumento da suscetibilidade de animais GF foi bloqueado quando os animais foram tratados com anticorpo contra a molécula CD1d, demonstrando a atuação determinante de células iNKT. Além disso, quando a microbiota foi reestabelecida em animais GF neonatos, a proporção de células iNKT diminuiu e o animal demonstrou melhora nos modelos de colite e asma. Entretanto, quando a microbiota foi reestabelecida em animais GF adultos a proporção de células iNKT não se alterou e os animais permaneceram susceptíveis. Assim, a ausência da microbiota estaria influenciando essa população específica de células de maneira estável e persistente, situação que levou os pesquisadores a procurarem qual seria o fator relacionado com esse aumento de iNKT específico no pulmão e cólon. Então, os autores observaram que a quimiocina CXCL16, a qual atrai células iNKT, está em maior quantidade no pulmão, cólon e inclusive no soro de animais GF, sem que o receptor para CXCL16 (CXCR6) esteja mais expresso nas células iNKT. Enfim, para sacramentar a importância da microbiota nesse contexto, os pesquisadores demonstraram que a ausência da mesma está relacionada ao aumento de hipermetilação de sítios CpG no gene para CXCL16, permitindo-se assim um aumento da expressão dessa quimiocina. Esse trabalho dá suporte à hipótese da higiene e demonstra a influência que a microbiota pode exercer sobre o funcionamento normal do sistema imune. Um dos próximos passos seria entendermos quais habitantes intestinais específicos que beneficiariam nosso sistema imune.
Nesta mesma linha de raciocínio, o trabalho publicado mais recentemente na Nature Medicine por Hill et al. e que foi assunto de um comentário desta mesma edição (Khosravi & Mazmanian, 2012), também corrobora a idéia de que a microbiota comensal ao influenciar no desenvolvimento da resposta imune, diminui a susceptibilidade à ocorrência de doenças alérgicas e demonstra possíveis mecanismos envolvidos nessa modulação pela microbiota. A partir de experimentos utilizando camundongos GF e tratados com antibiótico quando comparados a animais controles, sugere-se o seguinte modelo (Figura): na ausência da microbiota comensal não haveria reconhecimento pelos receptores de reconhecimento padrão e consequente sinalização via MyD88, o que especificamente na célula B levaria ao aumento da produção de IgE, que, por sua vez, atuaria indiretamente aumentando a proliferação de basófilos. Desta forma, a microbiota comensal limitaria a ocorrência de doenças alérgicas. No entanto, os mecanismos envolvidos neste fenômeno ainda precisam ser totalmente desvendados, lembrando-se também que existem outros fatores associados, como os genéticos e ambientais (dieta, exposição a agentes infecciosos), que tornam o assunto mais complexo e ainda mais interessante para nós imunologistas.
Post de Jaqueline Raymond, Luana Soares e Felipe da Silva.
Adorei esse post!
ResponderExcluirQuais foram as referências utilizadas para escrever esse artigo?
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