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BRASILEIRA DE IMUNOLOGIA
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sábado, 30 de julho de 2011

Congresso SBI 2011



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sexta-feira, 29 de julho de 2011

Lançado o programa Ciencia sem Fronteiras


Até 2014, o governo federal, através do CNPq e da CAPES, concederá 75.000 bolsas para estudantes e pesquisadores.

Faltam 5 dias....

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Metchnikoff e o prazer da descoberta


Ano passado, acossado por um sentimento de culpa por nunca te-lo lido, resolvi mandar lenha em Anna Karenina, de Tolstoi. O livro era muito bom, mas não tinha fim. O livro simplesmente não tinha fim. As vezes imaginava Tolstoi escrevendo, rodeado de montanhas de papel. Imaginava uma sala com vários montinhos de papel, com pedras em cima e...imaginava o rosto dele... Só que nesses devaneios muitas vezes, em vez de ver Tolstoi via ....Metchnikoff. Sempre achei que eles dois fossem gemeos separados ao nascer. Duas figuras gigantescas esses russos. Hoje de manhã procurei saber se eles jamais tinham se encontrado. Google me deu essa foto como a primeira resposta para a pergunta: Tolstoy Metchnikoff? Que descoberta... O encontro aconteceu em 1909. Metchnikoff tinha acabado de ganhar o premio Nobel em 1908, e fez uma peregrinação a Yasnya Polyana, onde vivia Tolstoi. Certamente uma visita de cortesia, pra pedir a benção, etc... Mas sabe lá o que conversaram...Metch tinha levado um sarro de George Bernard Shaw, que o caricaturou impiedosamente numa peça, e talvez tenha chorado pitanga com o velho Tolstoi.
Aqui vai a estória de como eu conheci Metchnikoff e o que eu aprendi com ele.
Quando terminei meu postdoc em 92, consegui um emprego na industria farmaceutica, naquela epoca jorrando dinheiro por tudo quanto era de lado. Consegui um emprego na Bristol-Myers Squibb, em Princeton, no departamento de biologia molecular, que era dirigido por Mariano Barbacid. A BMS tinha resolvido que ia dar um salto de qualidade e deu carta branca pra Mariano estabelecer um departamento onde pudesse implementar os métodos mais avancados, tecnologias de ponta. Mariano era um biólogo molecular que tinha co-descoberto Ras e avançado o conceito de oncogens. A BMS, como de resto toda farma, estava em transe com o projeto genoma, e queria se preparar para colher os frutos desse projeto. Deram 100 pessoas a Mariano e disseram: manda brasa. Ele contratou dois outros investigadores: Joe Bolen, que trabalhava com kinases do sistema imune (lck, fyn, syk, etc) e Rodrigo Bravo, que foi um dos pioneiros na identificacao de immediate early genes e que na epoca trabalhava com NF-kB. Mariano precisava de uma pessoa pra fazer bicho. Fui, entrevistei e consegui a posição que consistia num pequeno laboratorio, um técnico e um postdoc.
Entre uma coisa e outra, tive uma conversa com Rodrigo, que me falou sobre gens que tinha descoberto depois de estimulação de células em cultura com soro, ou PDGF. Ele tinha clonado dois deles N51 e JE. Chuck Stiles em Harvard também, e chamava N51 de KC (hoje em dia conhecido como CXCL1). Esses gens codificavam pequenas proteínas que eram secretadas e que tinham propriedades quimiotáticas in vitro. Pareciam pertencer a uma família de proteínas que incluia IL-8 (hoje CXCL8), e que estava sendo chamada na época de intercrinas, e logo a seguir, quimiocinas.
Eu sempre detestei imunologia. Imunologia e embriologia. Sempre. Na escola de medicina fui péssimo aluno. No doutorado tive aula com Dick Dutton e jurei que nunca na vida ia trabalhar com aquilo. Eu era um endocrinologista, queria casar fisiologia com biologia molecular. Só que ali, na minha frente estava um negócio interessante. E dizia que atraia leucócito. E leucócito tinha a ver com inflamação. E inflamação era o troço que tinha em muita doenca. E eu trabalhava na indústria farmaceutica. E sabia que um dia a mamata ia acabar.
Como acabou. Acabou chorare.
Então, resolvi que ia fazer um bicho expressando aquelas moléculas. Fazer um bicho era melhor que injetar proteína, a agulhada por si só já causava inflamação, e as proteínas ainda tinham muitas impurezas...Pensei: se essas moléculas tiverem a capacidade de regular a migração de leucócitos in vivo elas serão importantíssimas em inflamação. E se funcionarem como tal, talvez tenha em mãos um modelo experimental no qual possa testar drogas.
Bom, o resultado saiu melhor que a encomenda. Fiz dois bichos expressando N51/KC. O primeiro no timo, o segundo na pele. Porque nesses tecidos? Porque pensei que se expressasse no coração, ou no fígado, o bicho ia morrer. Neutrófilo tinha uma fama terrivel, recrutou matou. Bicho sem timo vivia perfeitamente bem.
Levei os primeiros cortes de timo dos transgenicos pro microscópio e vi, em fila indiana nos vasos, e distribuidos no parenquima do cortex, neutrófilos, células as quais me afeiçoei como pai se afeiçoa ao filho que acaba de nascer. Aquele foi um momento muito importante para mim. Aprendi várias coisas. Primeiro que a molécula tinha a capacidade de atrair para aquele órgão, e só para aquele órgão, um grupo específico de células alvo. Segundo, que as células cruzavam a vasculatura, e migravam para a área onde N51/KC estava sendo produzida. Terceiro, que a expressao da quimiocina e a presenca dos neutrofilos não causava necessariamente a destruição do tecido alvo. Em suma, os resultados demonstravam que aquela quimiocina podia coordenar um complexo sistema de recruitamento celular, num bicho vivo, e sugeriam que outras quimiocinas pudessem ter atividades semelhantes. Era a imunologia das quimiocinas dando seus primeiros passos.
E aí entra Metchnikoff na estória...Um dia olhando laminas de timo de animais transgenicos mais velhos descobri a presenca de umas células grandes com citoplasma eosinofílico. Fizemos EM e vi com espanto umas células com inclusoes citoplasmáticas muito interessantes. Como se tivessem engulido agulhas. Dei uma olhada rapida na literatura e descobri que esse tipo de inclusao era frequente em macrófagos de pacientes com eosinofilia. Pensei, essas células sao macrófagos que estão engolfando os neutrófilos....Os neutrófilos não estao ativados, chegam no tecido, morrem, e antes de morrer os macrófagos lhes fagocitam para evitar a liberacao de varias proteases que os neutrofilos carregam. Pensei que tinha descoberto um troço novo, ja imaginava outro paper, etc.
Por essa época, conversando com um colega sobre esses resultados, ele me perguntou se eu já tinha lido algo do velho russo. Disse que não, que nunca tinha lido nada...Ele me emprestou um livrinho (que nunca devolvi) sobre as palestras que Metchnikoff fez no Pasteur em 1891. Uma coisa histórica, comeco da imunologia...... Comeci folheando, e de repente, pumba, tava lá, uma figurinha de um fagócito comendo um fagócito. Isso mesmo, aquela interacao de macrófago c om neutrófilo que pensei que tinha descoberto, ja tinha sido descoberto pelo velho Metchnikoff, 100 anos atrás...Cem anos atrás. Ali descobri o que muitos de nós já descobrimos: que não somos donos dos fatos, que não somos donos da biologia. Mas, curiosamente, isso não diminuiu o que senti, pelo contrário, me deu vontade de aprender mais sobre Metchnikoff, de aprender mais nos livros, e de aprender mais, descobrir mais, nos bichos. E me fez pensar que em ciencia, muito pouco é seu de origem. Seu mesmo só a descoberta que voce faz. E mais, que essa tal descoberta muito provavelmente foi feita tambem por outras pessoas, algumas vendo a conexão e outras não.



Para descobrir a gente sofre e erra, mas quando acerta, quando vê, é paraíso. É inebriante. As vezes penso que nós cientistas estamos perpetuamente caminhando por um corredor infinito onde quase todas as janelas estão fechadas. As vezes uma janela esta aberta, mas a gente não ve porque está olhando pro outro lado, pros nossos botões, pros nossos pés, pra frente. Mas quando está aberta e a gente vê lá fora, é outro mundo. É essa coisa aí de cima, a descoberta.

Fotografei as laminas do timo, juntei com resultados que tinha com expressão de CXCL1 na pele, descrevi o macrófago fagocitando os neutrofilos, dei credito a quem crédito era devido, e submeti pro Cell. Um revisor gostou, outro não (o que não gostou foi uma vaca sagrada da imunologia. Como sei? Isso foi antes de submissão pela web, e a correspondencia dele veio por engano no pacote. Um dia ainda escrevo sobre essa a experiencia de escutar um “quem voce acha que voce é, para vir apitar no meu terreiro?”). Segui então o conselho que eu mesmo dei no meu post “os infortunios”, publicado aqui no blog. Tomei um uisque e mandei o paper pra outra revista, que o publicou em dezembros de 94. Aqui. Tenho muito carinho por esse paper, ele foi minha entrada na imunologia. Lembro que quando saiu um colega me me disse que a estória era interessante, mas que eu tinha escolhido a célula errada, neutrófilo não valia nada...Hoje dá vontade de rir...
E aqui uma consideração final. Apesar do corredor ser longo, e de muitos fatores conspirarem contra, as janelas existem. A vida nos dá o grande privilegio de descobrir. E de ao descobrir, compartilhar. Mas o compartilhar as vezes complica um pouco, porque inevitavelmente compartilhar envolve publicar, documentar o que voce achou. Ora, isso não seria um problema se o foco na publicação dos achados não fosse tão excessivo como é. E se não existisse um foco exagerado "onde" publicar “as estórias”.
Então vou dizer, correndo o risco de levar paulada, que gol da gente não deve ser paper na Nature ou Cell. Paper lá é bom, muito bom, ajuda no emprego, ajuda na promoção. É bom publicar lá, e a gente deve tentar sim. Mas digo que isso não deve ser o gol na vida. Primeiro que a gente não controla se sai lá ou não... a gente não controla a “onda du jour”; poucas pessoas conseguem publicar nestas revistas com frequencia. Segundo, que muita ciencia boa se publica em outras revistas, e que o seu achado não deixará de ser bom se não for publicado lá. Finalmente, que independente de onde se publique, o mundo esquece; rapidinho. Faça voce mesmo um teste.
Portanto, o gol não deve ser publicar em revista xis. Eu diria, até mais radicalmente, que o gol não deve ser publicar.
O gol deve ser descobrir.
E não importa se alguém descobriu o mesmo há cem anos atrás...

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Quando o Baço é Vilão?

O baço é um importante órgão do sistema linfoide, repleto de células B e T e fonte de produção de imunoglobulinas e citocinas. O baço tem uma grande importância nos mecanismos de defesa do hospedeiro, pois encontra-se no circuito da circulação sanguínea, por onde passam vários patógenos e células presentes na circulação.
Cada vez menos, há indicações para retirar o baço (esplenectomia terapêutica). Dentre as situações clínicas com indicação de esplenectomia, destacam-se a esferocitose, anemia hemolítica e púrpura trombocitopênica refratárias ao uso de corticóide, hiperesplenismo associado à condição clínica com risco de sangramento, como acontece em esquistossomose com varizes de esôfago.
A esplenectomia pode levar a complicações infecciosas, como a sepse por bactérias gram positivas, principalmente por estreptococo.
Contudo, na leishmaniose visceral ou calazar, houve 2 situações em que a esplenectomia fez-se necessária e foi benéfica para os pacientes. Foram 2 pacientes com leishmaniose visceral, ambos com baços muito volumosos e que não respondiam à terapêutica específica com antimonial e várias outras drogas, sendo considerados refratários ao tratamento. Optou-se pela retirada do baço, devido também a outras indicações, como hiperesplenismo e investigação de doenças associadas. Ambos os pacientes curaram do calazar após a retirada do baço com apenas um curso de tratamento com antimonial.
Por que estes pacientes melhoraram tão intensamente a resposta ao tratamento da doença com a esplenectomia?
Leishmaniose visceral é caracterizada por uma deficiência na produção de gama-interferon e elevada produção de IL-10 por PBMC estimuladas por antígenos do parasita. Há intensa proliferação de parasitas no baço, fígado e medula óssea. Estas alterações estão associadas à patogênese da doença. Alguns experimentos em animais têm demostrado que o tamanho do baço está associado a gravidade de doença. Nylén e col (JEM, 2007) demonstraram que há células T no baço dos pacientes com calazar produtoras de IL-10 e perfil funcional de células T regulatórias, porém não são CD4+CD25+Foxp3high. Ao contrário, quando as células T CD25+ são depletadas, as células esplênicas produzem grandes quantidades de mRNA para IL-10. Os níveis elevados de IL-10, detectados em pacientes com calazar, explicam o crescimento acelerado da Leishmania nos macrófagos dos tecidos, inclusive no baço.
Seria esta a explicação para a melhora da resposta ao tratamento dos nossos pacientes relatados acima?
Deste modo, a retirada do baço nos nossos pacientes pode ter contribuído para diminuir a quantidade de IL-10, facilitando uma melhor resposta dos linfócitos desses pacientes, aumento da produção de gama interferon e destruição dos parasitas em outros tecidos.
Como saber em que situação o baço é vilão?
Será que os Imunologistas podem responder a esta questão?

Roque Almeida e Amelia de Jesus

terça-feira, 26 de julho de 2011

A descoberta do NFkB completa 25 anos

Em dois artigos seminais publicados na Cell em 1986 por Ranjan Sen e David Baltimore através do uso da então nova técnica de gel shift (EMSA) descreveram o fator nuclear de ligação ao DNA necessário para a transcrição da cadeia leve k de imunoglobulinas em células B ao qual deram o nome de NFkB (1, 2). Já no segundo artigo, caracterizaram que este fator não era restrito a linfócitos B, e se encontrava pré-formado em estado latente em diferentes tipos celulares com sua atividade rapidamente regulada de maneira estímulo dependente (LPS e PMA) capaz de regular a transcrição gênica. Esses artigos estabeleceram novos paradigmas da sinalização celular, da membrana ao núcleo, pela regulação estímulo dependente da transcrição gênica. Vinte e cinco anos, e mais de quarenta mil artigos publicados no assunto, consolidaram o papel do fator de transcrição NFkB como um orquestrador chave em respostas imunes e inflamatórias, com implicações na regulação da expressão de centenas de genes envolvidos tanto em reações fisiológicas quanto em inúmeras condições patológicas incluindo doenças auto-imunes e câncer. A edição de Agosto da Nature Immunology traz uma série de artigos em celebração aos 25 anos da descoberta do fator de transcrição NFkB (Focus).

A série de artigos é aberta por David Baltimore onde através de uma revisão concisa dividida em 5 partes (latência, indução, resposta, resolução e patologia) traz unidade aos avanços obtidos nos últimos 25 anos que estabelecem o controle fino da regulação da atividade de NFkB e as conseqüências patológicas da falha desse controle (3). O segundo artigo traz a visão pessoal de Ranjan Sen sobre o conhecimento e questões da época, bem como do ambiente científico no MIT, que pavimentaram o caminho para a descoberta do NFkB (4). O artigo traz ainda de maneira interessante o racional e making-off dos experimentos chaves, e a percepção, já de início, da importância dos achados. Steve Smale discute o conhecimento atual e o progresso que tem sido feito para desvendar os mecanismos de regulação hierárquica que conferem seletividade de resposta frente a um determinado estímulo indutor de atividade NFkB para garantir que apenas um número limitado de potenciais alvos gênicos sejam ativados na dependência do estímulo e do tipo celular (5). Sankar Ghosh e co-autores discutem a importância da intrincada interação com diferentes vias de sinalização celular para determinar as funções biológicas do NFkB (6). As duas últimas revisões tratam dos mecanismos de regulação negativa e terminação da atividade NFkB e as conseqüências patológicas das falhas nesse controle. Jurgen Ruland discute os diferentes mecanismos de contra-regulação e alças de controle negativo da resposta NFkB (7). Por fim Yinon Ben-Neriah e Michael Karin enfocam os aspectos relacionados a relação entre ativação de NFkB e tumorigênese, e a interação entre funções opostas do NFkB no controle positivo e negativo da inflamação e como essas funções afetam o desenvolvimento e progressão tumoral (8).

A série de artigos comemorativos nos brinda com excelentes revisões dos principais avanços e questões que permanecem em aberto dos diferentes mecanismos de regulação e controle do NFkB pelos principais lideres da área. Vale a leitura!

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Imagens e músicas para diversificar o blog

O nosso blog atualmente conta com a preciosa colaboração de 20 pessoas espalhadas pelo mundo. Agora, queremos que vocês leitores nos ajudem a manter o SBlogI cada vez mais interessante e diversificado.

Para iniciar essa nova etapa de abertura do blog, inauguramos hoje o espaço “imagem/música da semana”, onde pretendemos desvendar habilidades artísticas dos imunologistas e usar outros canais de comunicação para divulgar ciência.

A ideia é soltar a imaginação, usar a criatividade. Quem tiver interesse em participar, basta nos enviar o material a ser divulgado (sblogi@sbi.org.br). Vale quase tudo. Fotos de experimentos, de trabalhos de campo (que tal mostrar como foi a sua última viagem a uma região endêmica?), foto da sua bancada após aquele experimento de 20 horas, e por aí vai... Sérgio Lira, o nosso colaborador que deu a ideia de criação deste espaço, sugere:

- Desenho/charge/cartoon;
- Minha célula inesquecível;
- Foto do tipo “eu também sou artista”;
- Foto do que lhe der no timo.
- Um centerfold de miss Th17;
- Qualquer foto de um cytokine storm;
- Foto de imunologista famoso em situação precária;
- Foto do abominável urso (clique aqui para entender).

Para começar, vejam a foto abaixo. O “garoto” Leandrinho toca bandolim no grupo Haja Fígado, junto com o professor Nelson Vaz, da Universidade Federal de Minas Gerais, e nosso colaborador aqui no blog.



Escutem ao grupo tocando Simplicidade, de Jacob do Bandolim. A música foi gravada na sala da casa do Prof Nelson.


Haja Fígado:
Reunião de amadores e músicos já conhecidos da cena instrumental mineira, centrada na tradição do choro brasileiro, samba e gêneros afins.
Leandrinho (bandolim), Alaídes Severino (pandeirista), Carlos T.Crispim “Marraia” (voz e violão de seis cordas), Cecília Soares (voz), João Carvalho dos Santos “Tryskey” (violão de sete cordas), Luíz de Souza (clarineta), Nelson Vaz (tamborim), Sennem Antunes (surdo), Sidney C. dos Santos (cavaco e voz).

Uma releitura do Arte&Ciências do SBI na Rede, criado quando Ana Caetano e Adriana Bonomo eram as editoras executivas. Há um material riquíssimo por lá, vale a visita (aqui, aqui, aqui, aqui e muito mais).

Espontâneo ou extemporâneo?

Nada é mais difícil de respeitar

do que aquilo que, depois

de ouvido, nos parece óbvio

(H. Maturana).

Espontâneo ou extemporâneo?

Pode parecer extemporânea a preocupação com a espontaneidade do viver. No entanto, a característica fundamental dos seres vivos é que eles são entidades autônomas, entregues a si mesmas, que executam incessantes mudanças internas, mudanças que não podem ser interrompidas sem que o ser vivo se desintegre. A mudança é inerente ao viver. Mas, a despeito dressas mudanças, de uma contínua troca de matéria e energia com um meio, que é também cambiante, as mudanças são cíclicas, voltadas sobre si mesmas (“fechadas”) e, o ser vivo assim se conserva; como no ditado francês: “quantomais muda, mais permanece sendo a mesma coisa.”É esta circularidade que confere aos seres vivos sua auto-suficiência, sua auto-criação/manutenção. Em suma, enquanto vivem e mudam desta forma, os seres vivos estão vivos.

Como disse Archimedes de Castro, posso dizer que o organismo multicelular está vivo; que ele é composto por células que estão vivas; mas, não é adequado dizer, por exemplo, que o sistema nervoso, ou o sistema imune estão vivos. Como componentes de um organismo, estes sistemas participam do viver de um organismo multicelular, surgem com este organismo, mas não têm existência fora deste organismo

Nossas descrições do que se passa com os seres vivos deveriam ter como base este processo espontâneo de auto-criação/manutenção. Esta atitude, porém contrasta com a maneira atual de ver na Biologia, segundo a qual os diversos processos e mecanismos biológicos cumpem funções ou propósitos determinados. Neste modo de ver, pode parecer descabida a preocupação com processos espontâneos, sem função ou propósito. No entanto, este modo de ver se apóia no mais fundamental dos fenômenos biológicos: a espontaneidade do viver.



Espontaneidade na atividade imunológica

Assim sendo, é significativo encontrar na obra de Niels Jerne (1955) e também, na de David Talmage (1957; 1959), propostas sobre uma origem espontânea da atividade imunológica. Jerne e Talmage se notabilizaram nos anos 1950, por propor teorias ditas “seletivas” sobre a formação de anticorpos. Aparentemente, as teorias “seletivas” puseram um ponto final nas propostas de “moldagem” (teorias instrutivas) segundo as quais os anticorpos se formariam sobre moléculas de antígeno, usadas como moldes (Mazumdar, 1996). Estas teorias resgataram a imunologia de interesses bioquímicos (imunoquímica) e a trouxeram para uma arena mais biológica, relacionada à Teoria da Evolução e à Seleção Natural.

Mas, a ênfase no aspecto “seletivo” ocultou um outro aspecto das teorias de Jerne e de Talmage, que é exatamente a origem espontânea da atividade imunológica. Isto é particularmente importante por duas razões.

Em primeiro lugar, tanto Jerne quanto Talmage afirmam que eram motivados pela imensa variedade de imunoglobulins capazes de se ligar ao mesmo antígeno com diferentes graus de afinidade. Em Jerne, isto está presente desde sua tese de outoramento , intitulada: “Um estudo sobre a avidez dos anticorpos”, isto é, a energia de ligação dos anticorpos a seus ligantes específicos (Jerne, 1951). Ele estava impressionado com a imensa variedade de anticorpos que podiam se ligar ao mesmo antígeno, com afinidades diferentes: alguns anticorpos se ligavam fortemente, outros menos fortemente, outros ainda muito levemente. Além disso, ele detectava muitas “reações cruzadas” dos anticorpos com outros antígenos. Tudo isto sugeria que o corpo produzia uma imensa diversidade de globulinas que podem ser detectadas como anticorpos. Muitos anos depois, Jerne disse a seu biógrafo que as diferenças entre “anticorpos específicos” e as globulinas naturalmente produzidas pelo organismo: “...só existe na mente dos imunologistas” (Soderquist, 2003).

Quatro anos depois, na “Teoria da Seleção Natural da Produção dos Anticorpos”, Jerne expandiu esta idéia em um dos conceitos mais importantes da Imunologia. Ele afirmou que os anticorpos são imunoglobulinas naturais, produzidas espontaneamente pelo organismo antes do encontro com os antígenos com os quais elas eventualmente reagirão (Jerne, 1955). Esta idéia contra-intuitiva colidia com as teorias então vigentes sobre a produção dos anticorpos, que propunham que os anticorpos se formavam sobre moléculas do antígeno, usando-as como moldes - pois, de que outra maneira poderiam se formar anticorpos contra tão variadas estruturas? (Mazumdar, 1996). Mas, desta colisão, a teoria de Jerne saiu vencedora e as teorias de moldagem foram abandonadas (Silverstein, 2009).

Quase ao mesmo tempo, conclusões similares foram alcançadas por Talmage , em outra teoria sobre a formação dos anticorpos (Talmage, 1957). Talmage dizia que a especificidade dos anticorpos derivava de “...uma combinação especial de globulinas naturais selecionadas” (Talmage, 1959). Anos depois, Talmage escreveu: “Parecia haver um espectro tão amplo de avidez (afinidade de combinação) que o limite entre globulinas que eram ou não eram anticorpos era definido por uma decisão arbitrária” (ênfase adicionada); e também: “Provavelmente, não foi por coincidência que nós dois (referindo-se a Jerne), depois de estudar o fenômeno da avidez, nos convencemos de que os anticorpos são moléculas de globulinas selecionadas pelo antígeno.” (Talmage, 1995; p. 35).

Em segundo lugar, embora a teoria de Seleção Clonal (Burnet, 1957; 1959) seja vista como um aperfeiçoamento das teorias de Jerne e de Talmage - na verdade, uma fusão das duas teorias em um contexto “clonal” - a teoria Clonal omite exatamente a origem espontânea da atividade imunológica e representa, de certa forma, um retorno às idéias instrutivas do passado. Enquanto Jerne propunha uma origem esponâneade imunoglobulinas (anticorpos naturais) e Talmage afirmava que estas imunoglobulinas deveriam ter uma base celular, na teoria de Burnet, os linfócitos que dão origem aos “clones”, permanecem ociosos (inativos) até que sejam ativados por um antígeno correspondente. Para Jerne, e também para Talmage, o que gera a atividade imunológica é o próprio organismo, em sua espontaneidade criadora; para Burnet, é a chegada dos antígenos, como nas teorias de moldagem. Os antígenos, decerto, não ”moldam” os clones, mas os ativam, os tornam reais. E a espontaneidade presente nas teorias anteriores é saiu definitivamente de cena.

Em resumo, as teorias de Jerne e a de Talmage, embora ditas “seletivas” , não derivaram diretamente das “pressões seletivas” e da “seleção natural” que são essencias em uma descrição neo-Dawinista da Biologia, mas sim de uma atividade plural que tem origem espontânea no organismo. Na teoria de Seleção Clonal, por sua vez, as idéia “instrutivas”, segundo as quais o organismo obedece ao contato com antígenos, retornam pela porta os fundos, camufladas em um mecanismo “seletivo”.

domingo, 24 de julho de 2011

E se as Academias invadissem as escolas?

Por Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro
Membro Titular da Academia Nacional de Medicina
Pesquisador Titular e Ex-Diretor do Instituto Oswaldo Cruz


(publicado originalmente na Folha Dirigida, 21 a 27/07/2011, Caderno de Educação, Seção Sem Censura, pag. 3)

Concluí o discurso de posse e fui-me sentar no lugar reservado ao empossando e família, na primeira fila, frente a frente com os lugares destinados aos membros da Academia Nacional de Medicina (ANM), seleto grupo ao qual eu, emocionado, passava a integrar.

Após a eleição, durante o período preparatório da festa de posse, ouvira de vários futuros confrades: - “Em seu discurso, diga o que quiser e leve o tempo de que necessitar, nós lhe ouviremos”. Assim, já sabia a resposta à pergunta que fiz a minha mulher: - “Foi muito longo?” - 58 minutos, replicou, sem nenhum ar de julgamento.

Os discursos de posse na ANM seguem, como nas outras Academias, um protocolo previamente estabelecido – na nossa, há 181 anos. Assim, saudei o Patrono da cadeira que passava a ocupar, antes de ler o resumo biográfico de cada um dos seis Acadêmicos que nela me precederam, agradeci aos seis outros que integraram a Comissão nomeada para me acompanhar na entrada e saída do Anfiteatro, ao início e fim da cerimônia, homenageei o Presidente, em cuja gestão eu havia sido eleito e estava sendo empossado e disse, por fim, algumas palavras sobre o Acadêmico Paraninfo, que me recebia com o discurso de saudação, e ao Acadêmico e ex-Professor, que me entregara, comovido e orgulhoso, o diploma de Membro Titular.

É tradição que, após as saudações protocolares, o empossado discorra brevemente sobre um tema de sua escolha. Elegi a educação fundamental.

Evoquei a antropologia para dizer que o Homo sapiens é a única espécie de animal inteiramente dependente de sua cultura (ele tem que aprender até a sua humanidade). Citei a comparação / lugar comum entre Brasil e Coréia do Sul, que passou a ser feita a partir de um estudo do Banco Mundial que incluía vários países pobres em 1960. Comparada ao Brasil e Gana no estudo, a Coréia do Sul superou o Brasil, considerado, na época, país do futuro, em diversos indicadores. O Brasil liderava o grupo e tinha o dobro da renda per capita da Coréia. Os números se inverteram e a deles, em 2003, já era três vezes a nossa. Um brutal investimento em educação faz com que um coreano médio passe, hoje, mais tempo na Escola do que um europeu. Lá, cinco universidades nacionais de educação formam professores para o ensino fundamental. Elas têm um vestibular extremamente disputado e recrutam seus estudantes entre os 5% melhores do secundário! Esses vão ser professores no ensino fundamental. O número de vagas abertas nelas corresponde ao planejamento para o número de professores necessários para quatro ou cinco anos depois, e os que conseguem entrar nessas universidades têm emprego com bom salário praticamente assegurado. O ordenado inicial de professores de ensino fundamental é, em geral, superior aos salários iniciais de outras profissões graduadas. Vamos certamente chegar lá, mas por enquanto não parece muito com a nossa realidade. Não por coincidência Obama citou a Coréia, em seu discurso de início de 2011, como uma das metas dos Estados Unidos para Educação.

A essa altura do discurso, eu havia falado de 16 Acadêmicos e iria falar ainda da minha família e proceder aos agradecimentos finais. Palpava a pilha de folhas que restava a ler e, sem ousar olhar o relógio, fiz o que me pareceu possível: não li o texto abaixo, presente no escrito original, que correspondia à proposta que eu faria em público ao Presidente da Academia:

“Pensei, otimistica e ousadamente, Senhor Presidente, que, em um convênio de esforços com outras Academias, como as de Belas Artes, Ciências, Educação, Filosofia e outras, e a composição de duplas de Acadêmicos em cada uma delas, poderíamos vislumbrar a composição de Comitês Acadêmicos de Acompanhamento e Assessoramento de Escolas Municipais que aceitassem a nossa participação, e garantir não só atividades adicionais que os colocassem em contato com essas ciências, como lhes beneficiar com o prestígio dessas Casas para a captação de Recursos financeiros de forma a lhes facultar melhores condições de ensino. Eu sentir-me-ia rejuvenescido se pudesse trabalhar com alguns dos verdadeiramente jovens desta Casa como os Acadêmicos Affonso Tarantino, Helio Aguinaga, Júlio de Moraes, Pedro Sampaio além, naturalmente de Vossa Excelência. Um estudo prospectivo tipo caso / controle de longo termo nos permitiria avaliar o resultado de tal iniciativa”.

Passados 51 dias, a ANM era uma das três Instituições laureadas com o Prêmio Personalidade Educacional oferecido anualmente pela “Folha Dirigida”. Ouvi o discurso dos Diretores das Escolas e dos dez Professores também galhardeados. Impressionou-me, singularmente, o do aplaudido Professor João Pessoa Albuquerque, Membro do Conselho Estadual de Educação e Ex-Presidente da UNE. Em seu jeito descontraído e com a autoridade de seus 80 anos, Pessoa Albuquerque falou de improviso. Para meu deleite citou um artigo de sua autoria “E se invadíssemos as escolas?” em que propunha que profissionais de diferentes formações inserissem em sala de aula a realidade que os estudantes encontram fora dela. Foi a deixa para que me arrependesse de ter privado meus ouvintes de mais três minutos do suplício de minha longa fala. Resgato aqui o texto não lido, para dedicá-lo em público ao Presidente de nossa Academia, Acadêmico Pietro Novellino, e ao Professor Pessoa Albuquerque, na esperança de que a “invasão das Escolas” por Comissões compostas por um ou dois Acadêmicos de diferentes Academias (Nacionais e Estaduais) culturais e científicas do País seja do interesse dos Professores e Diretores de Escolas Municipais e Conselhos de Educação do País. Se partir deles o convite para a “Invasão”, quem sabe podemos usar a expressão “Adoção”. Afeito a siglas, proponho desde já batizá-la de “Programa Acadêmico Pessoa Albuquerque” (o PAPA) de Adoção das Escolas Municipais”.

Publicação aqui no blog foi sugerida por Mauricio Martins Rodrigues, Professor Associado e Livre Docente da UNIFESP.

sábado, 23 de julho de 2011

Congresso SBI 2011



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sexta-feira, 22 de julho de 2011

Vai um paper pro lanche?



Muitos estudantes de pós-graduação acabam na verdade focando a formação no famigeradoABD” (All but dissertation). Isso varia um pouco entre os diversos grupos de pesquisa e depende da filosofia do chefe do laboratório/orientador. Num belo dia, entretanto, o pessoal se toca que tem que começar a escrever “o paper”. Essa sensação comumente surge depois que muitos dados são coletados, analisados e estilizados em tabelas ou gráficos dos mais diversos. É nessa hora que alguns estudantes têm um surto famoso. A galera começa a achar que talvez mais dados são precisos para fechar a história. Algumas vezes, mais análises de diferentes formas e tamanhos usando outras ferramentas deveriam ser aplicadas. Ou ainda será que as tabelas e gráficos precisariam estar com a exata formatação? O que seria uma exata formatação? Dados mais claros? Menos coloridos? Mais fashion? Mais na moda multifunctional? No final, muitos pesquisadores sãoimpedidosde escreverem seus trabalhos por causa de problemas menores, muitas vezes até fúteis. Assim, todos os dias, esses estudantes sentam na frente do computador, prontos para começar enfim a escrever o tal do paper e então aparecem demandas que ficam no caminho e parecem mais importantes do que o que seria o objetivo primário que fez o estudante sentar na sua cadeira naquele dia. O problema é que esse processo improdutivo pode acontecer por meses e anos. vi muito estudante bem desesperado com essas questões. Na era do facebook, Google chat, you tube e etc., é ainda mais difícil focar na escrita quando se está começando. Uma coluna especial na seção Careers da revista Nature aborda esse tema de uma maneira bem interessante. Maria Gardiner e Hugh Kearns, ambos professores de psicologia da Flinders University, Adelaide, Austrália (veja o site deles aqui) exploram esse assunto de maneira bem clara e sem churumelas. No texto, os psicólogos abordam alguns mitos que regem essa improdutividade e sugerem uma dica importante para conseguir chegar (veja a coluna no site da Nature).


Os grandes impedimentos da escrita por estudantes são na maioria das vezes relacionados a mitos que passam de geração em geração de pesquisadores, sem evidência aparente de que funciona. O primeiro mito, segundo os psicólogos, é o “Readiness Myth”, que basicamente significa: “Devo escrever quando eu me sentir pronto, e eu ainda não me sinto pronto ainda”. Por não estar pronto, procura-se outra coisa pra fazer. E num laboratório, isso significa mais experimentos. Esse cenário, ao invés de gerar mais solidez, gera é mais confusão para amarrar os dados, e então a sensação de que não está pronto fica ainda mais forte. O negócio então é sentar e escrever, mesmo sem estar pronto. Até porque completamente pronto provavelmente ninguém nunca vai estar. Esse primeiro mito causa um segundo mito, que é o “Clarity Myth”. Uma frase comum relacionada a esse segundo mito seria: “Eu devo ter tudo muito claro na minha cabeça primeiro, depois eu sento e escrevo”. Na verdade, muitas vezes as idéias ficam mesmo claras quando a gente começa a escrever o paper. É nesse momento que o pesquisador sente qual o resultado não está convincente, qual deve ser retirado, qual deve ser feito e como deve ser feito para responder as questões. Muitas vezes, com um monte de dados na mão, você na verdade começa a notar que várias informações de experimentos valiosos que você fez na verdade de nada contribuem para a sua história e devem ser retirados. Então, o que você tem que fazer mesmo antes de finalizar seus experimentos é sentar e escrever. E escreva mesmo, sem medo. Coloque as palavras na folha, sem se importar se as frases estão mal escritas ou se as idéias estão lineares, pelo menos nesse primeiro momento. A linearidade vai chegar com o trabalho intenso de reestruturação que faz parte da escrita científica.

A coluna então finaliza mostrando a dica do dia: o Snack writing. Escreva de maneira regular, e se acostume em escrever em períodos curtos de tempo, como lanches. Não se iluda de que é necessário um dia inteiro para você escrever uma introdução de um artigo. Muitas vezes, somos mesmo produtivos por curtos períodos e a extensão desse tempo causa mais improdutividade. Eu uso esse método de snack writing desde o meu doutorado e sugiro realmente a técnica. Ela vai te ajudar a ser mais produtivo sem se martirizar.

Fica a dica de leitura do dia.
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