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sexta-feira, 27 de abril de 2012

Anthony Fauci – 30 anos de Aids


Eu ia escrever (aliás, até escrevi) um blog sobre problemas na ciência (falta de reprodução, etc), mas depois achei que estava tudo muito negativo e resolvi comentar sobre algo positivo.

Em abril esteve aqui em Stanford o Anthony Fauci, diretor do National Institute of Allergy and Infectious Diseases, e deu uma palestra sobre o que ele chamou de ‘fim da Aids’, ou melhor, de que, na opinião dele, o fim da epidemia de Aids está à vista. Claro que o papel dele é vender o seu peixe da melhor maneira possível, mas tem sido uma jornada impressionante, e aqueles que como eu estavam na faculdade durante os anos 80 provavelmente não imaginariam que poderíamos escrever hoje sobre este tema. Ainda lembro do clima ‘peste medieval’ quando se falava em Aids, e de ver um anúncio sobre uma palestra na USP, sobre a possibilidade do final de humanidade devido à Aids.

Os primeiros relatos sobre pneumonia em homosexuais apareceram em 1981, e o resto é história. Fauci lembrou que no início da epidemia, os pacientes nao viviam mais do que 6 ou 8 meses após o diagnóstico inicial. Mas hoje, um paciente HIV-positivo de 25 anos pode ser tratado com uma pílula por dia e ter uma expectativa de vida de 50+ anos de vida. Segundo Fauci, há poucas histórias de sucesso como esta (pelo menos recentemente), e representa um sucesso dos investimentos na pesquisa biomédica. Progresso feito tanto na pesquisa básica e também na ‘aplicada’ (não gosto muito desta separação). Claro que com umas brigas homéricas no meio…Fauci acredita que chegaremos a uma geração livre do HIV em um futuro não muito distante.

Hoje em dia, 34 milhões de pessoas estão infectadas com HIV no mundo. Nos EUA, em torno de 1.2 milhões de pessoas são HIV positivas, com 50.000 novos casos por ano – ‘vergonhoso’ segundo Fauci. Os homosexuais masculinos continuam sendo o mais importante grupo de risco.

Segundo Fauci, nos EUA estimam-se que 20% das pessoas infectadas com HIV não sabem que estão doentes, e o desafio é não só tratar os casos novos mas também identificar e tratar estes casos que estão escapando detecção. Ele estima que para cada pessoa que recebeu tratamento antiretroviral em 2010, 2 outras pessoas foram infectadas pelo vírus.

Ele descreveu entusiasmado um estudo que segundo ele pode mudar este quadro, publicado ano passado no New England Journal of Medicine e que mostrou que o tratamento antiretroviral diminuiu a transmissão heterosexual em 96% (Cohen et al, 2011). Este estudo foi selecionado pela Science como o “scientific breakthrough of the year” em 2011.

Outra área de progresso notável é na transmissão do vírus da mãe HIV-positiva para o bêbe. Nos EUA, com tratamento o índice é quase zero. Outras medidas importantes para mulheres podem vir a ser o gel vaginal, ou um anel vaginal, contendo antiretrovirais, mas ainda em desenvolvimento.

Para os homens, a circuncisão, que reduziu o risco de infecção em até 60% em estudos iniciais. Os últimos resultados indicam que em 5 anos houve uma prevenção de até 73% da infecção por HIV.

Claro que ele comentou que na vida real a coisa não é sempre tão simples. O primeiro desafio é o diagnóstico, depois o acesso ao tratamento e a continuidade deste tratamento. E aí, claro, não é só a pesquisa biomédica que está em jogo. Muito da palestra foi sobre a África, onde mesmo em países pobres como Ruanda se encontram histórias positivas.

Tem até mesmo um caso do primeiro paciente ‘curado’ de Aids. Um americano (que agora mora aqui em San Francisco) sofria de Aids e leucemia (desgraça pouca é bobagem…) e recebeu um transplante de medula óssea na Alemanha (Allers et al, 2011). O HIV está sumido até agora. O truque foi um transplante com células CCR5∆32/∆32, que são naturalmente resistentes ao HIV CCR5-trófico. Não é uma estratégia viável de tratamento em massa, mas como demonstração de que o vírus pode vir a ser eliminado. E não vamos esquecer de que a história da Aids no Brasil também tem muitos aspectos positivos.

Ainda não temos uma cura definitiva para Aids, e o alcance do tratamento ainda deixa a desejar, mas considerando onde estavámos 30 anos atrás, o progresso tem sido realmente impressionante, graças, em grande parte, ao trabalho de muita gente nos laboratórios do mundo.


Cohen et al
Prevention of HIV-1 Infection with Early Antiretroviral Therapy. N Engl J Med 365:493.

Allers  et al
Evidence for the cure of HIV infection by CCR5∆32/∆32 stem cell transplantation. Blood 117: 2791-2799.

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2 comentários:

  1. Que interessante esse paciente americano, apesar de todas as coisas ruins ele acabou por fornecer um auxílio à ciência. Outra coisa que eu nunca tinha lido a respeito era a taxa percentual da prevenção da aids por meio de circuncisão e aliás não é pequena né? Muito bom post!

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  2. Muito bom post. Acredito que não somente nesse aspecto científico se tem melhorado. A questão do preconceito também tem diminuído, embora ainda exista muita gente que é preconceituosa com o tema.
    Acredito na cura do HIV, mas acho que ainda estamos distante.
    Outra coisa importante é o aspecto positivo da mutação, veja que a resistência do paciente é justamente porque recebeu células com uma mutação no CCR5.
    Parabéns pelo post

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