Eu ia escrever (aliás, até escrevi) um blog sobre problemas
na ciência (falta de reprodução, etc), mas depois achei que estava tudo muito
negativo e resolvi comentar sobre algo positivo.
Em abril esteve aqui em Stanford o Anthony Fauci, diretor do
National Institute of Allergy and Infectious Diseases, e deu uma palestra sobre
o que ele chamou de ‘fim da Aids’, ou melhor, de que, na opinião dele, o fim da
epidemia de Aids está à vista. Claro que o papel dele é vender o seu peixe da
melhor maneira possível, mas tem sido uma jornada impressionante, e aqueles que
como eu estavam
na faculdade durante os anos 80 provavelmente não imaginariam que poderíamos
escrever hoje sobre este tema. Ainda lembro do clima ‘peste medieval’ quando se
falava em Aids, e de ver um anúncio sobre uma palestra na USP, sobre a
possibilidade do final de humanidade devido à Aids.
Os primeiros relatos sobre pneumonia em homosexuais
apareceram em 1981, e o resto é história. Fauci lembrou que no início da
epidemia, os pacientes nao viviam mais do que 6 ou 8 meses após o diagnóstico
inicial. Mas hoje, um paciente HIV-positivo de 25 anos pode ser tratado com uma
pílula por dia e ter uma expectativa de vida de 50+ anos de vida. Segundo
Fauci, há poucas histórias de sucesso como
esta (pelo menos recentemente), e representa um sucesso dos investimentos na
pesquisa biomédica. Progresso feito tanto na pesquisa básica e também na
‘aplicada’ (não gosto muito desta separação). Claro que
com umas brigas homéricas no meio…Fauci acredita que chegaremos a uma geração
livre do HIV em um futuro não muito distante.
Hoje em dia, 34 milhões de pessoas estão infectadas com HIV
no mundo. Nos EUA, em torno de 1.2 milhões de pessoas são HIV positivas, com
50.000 novos casos por ano – ‘vergonhoso’ segundo Fauci. Os homosexuais
masculinos continuam sendo o mais importante grupo de risco.
Segundo Fauci, nos EUA estimam-se que 20% das pessoas
infectadas com HIV não sabem que estão doentes, e o desafio é não só tratar os
casos novos mas também identificar e tratar estes casos que estão escapando
detecção. Ele estima que para cada pessoa que recebeu tratamento antiretroviral
em 2010, 2 outras pessoas foram infectadas pelo vírus.
Ele descreveu entusiasmado um estudo que segundo ele pode
mudar este quadro, publicado ano passado no New England Journal of Medicine e
que mostrou que o tratamento antiretroviral diminuiu a transmissão heterosexual
em 96% (Cohen et al, 2011). Este estudo foi selecionado pela Science como o “scientific
breakthrough of the year” em 2011.
Outra área de progresso notável é na transmissão do vírus da
mãe HIV-positiva para o bêbe. Nos EUA, com tratamento o índice é quase zero.
Outras medidas importantes para mulheres podem vir a ser o gel vaginal, ou um
anel vaginal, contendo antiretrovirais, mas ainda em desenvolvimento.
Para
os homens, a circuncisão, que reduziu o risco de infecção em até 60% em estudos
iniciais. Os últimos resultados indicam que em 5 anos houve uma prevenção de
até 73% da infecção por HIV.
Claro que ele comentou que na vida real a coisa não é sempre
tão simples. O primeiro desafio é o diagnóstico, depois o acesso ao tratamento
e a continuidade deste tratamento. E aí, claro, não é só a pesquisa biomédica
que está em jogo. Muito da palestra foi sobre a África, onde mesmo em países
pobres como Ruanda se encontram histórias positivas.
Tem até mesmo um caso do primeiro paciente ‘curado’ de Aids.
Um americano (que agora mora aqui em San
Francisco) sofria de Aids e leucemia (desgraça pouca é
bobagem…) e recebeu um transplante de medula óssea na Alemanha (Allers et al,
2011). O HIV está sumido até agora. O truque foi um transplante com células CCR5∆32/∆32,
que são naturalmente resistentes ao HIV CCR5-trófico. Não é uma estratégia
viável de tratamento em massa, mas como demonstração de que o vírus pode vir a ser
eliminado. E não vamos esquecer de que a história da Aids no Brasil também tem
muitos aspectos positivos.
Ainda não temos uma cura definitiva para Aids, e o alcance
do tratamento ainda deixa a desejar, mas considerando onde estavámos 30 anos
atrás, o progresso tem sido realmente impressionante, graças, em grande parte,
ao trabalho de muita gente nos laboratórios do mundo.
Cohen et al
Prevention of HIV-1 Infection with Early Antiretroviral
Therapy. N Engl J Med 365:493.
Allers et al
Evidence for the cure of HIV infection by CCR5∆32/∆32 stem
cell transplantation. Blood 117: 2791-2799.
Que interessante esse paciente americano, apesar de todas as coisas ruins ele acabou por fornecer um auxílio à ciência. Outra coisa que eu nunca tinha lido a respeito era a taxa percentual da prevenção da aids por meio de circuncisão e aliás não é pequena né? Muito bom post!
ResponderExcluirMuito bom post. Acredito que não somente nesse aspecto científico se tem melhorado. A questão do preconceito também tem diminuído, embora ainda exista muita gente que é preconceituosa com o tema.
ResponderExcluirAcredito na cura do HIV, mas acho que ainda estamos distante.
Outra coisa importante é o aspecto positivo da mutação, veja que a resistência do paciente é justamente porque recebeu células com uma mutação no CCR5.
Parabéns pelo post