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quarta-feira, 18 de abril de 2012

ATÉ QUE A MORTE OS SEPARE: Junções comunicantes e hepatotoxicidade





Nos últimos anos, um grande esforço tem sido feito por vários grupos de pesquisa para compreender fatores e mecanismos envolvidos na lesão hepática. Esse grande interesse deve-se, principalmente, ao fato do fígado constituir um órgão essencial à vida do organismo por desempenhar funções como controle metabólico, síntese de proteínas plasmáticas e detoxificação de substâncias endógenas e exógenas. Os fatores que causam lesão no fígado podem ser divididos, de maneira geral, em duas grandes classes: i) agentes infecciosos, como vírus, bactérias, dentre outros, e ii) químicos, como diversas drogas.
Nesse sentido, a causa mais frequente de lesão hepática induzida por drogas é a overdose acidental ou intencional (suicida) com o paracetamol (APAP), um analgésico e antipirético de fácil acesso. A patogênese da lesão hepática causada pelo APAP resulta na morte massiva de hepatócitos por necrose, culminando consequentemente em falência hepática aguda. É interessante ressaltar que os danos causados ao fígado pelo APAP continuam se propagando mesmo quando as concentrações plasmáticas dessa droga atingem níveis próximos ao limiar de detecção. Isso sugere que outros fatores estão associados com a progressão da lesão. Um desses fatores é a inflamação local em resposta à morte dos hepatócitos por necrose, caracterizada pela presença abundante de neutrófilos, que pode amplificar a morte celular do parênquima hepático. No entanto, existe outro modo importante de progressão da lesão: via interação célula-célula no próprio parênquima.
Um componente importante da manutenção da homeostase do fígado é a comunicação direta entre os hepatócitos, mediada pelas junções comunicantes (gap junctions). As junções comunicantes são formadas por proteínas conhecidas como conexinas, sendo que no fígado, a conexina mais amplamente expressa nos hepatócitos é a Cx32. Já é descrito na literatura que diversos fatores que promovem tanto sobrevivência quanto morte celular são compartilhados entre os hepatócitos através de canais formados por Cx32 (Fig. 1) (Vinken, 2011). Essa via também está associada à propagação da inflamação hepática (Patel et al., 2009).

Figura 1: Conexinas e comunicação intercelular em hepatócitos. As conexinas (Cx32, no fígadoafetam a homeostase do órgão ao mediar o fluxo de fatores de sobrevivência e/ou morte celular entre hepatócitos através de juncões comunicantes (1), sinalização por receptores transmembranosos específicos mediado por hemicanais (2-3), ou, ainda, por afetarem o funcionamento de mitocôndrias (4). Baseado em Vinken 2011.

Recentemente, Patel e colaboradores (2012) publicaram um estudo no periódico Nature Biotechnology relacionando a influência de Cx32 e a lesão hepática induzida por drogas. Os autores demonstraram que camundongos knockout para Cx32 (Cx32-/-) são resistentes à lesão hepática induzida por diferentes tipos de drogas (paracetamol e tioacetamida). Análises histopatológicas de animais selvagens revelaram regiões extensas de necrose, com abundante infiltrado de células inflamatórias, que não estava presente nos animais que não expressavam a Cx32. Posteriormente, os autores realizaram experimentos em animais selvagens com o objetivo de estudar o potencial terapêutico da inibição farmacológica das junções comunicantes formadas por Cx32 na prevenção da hepatotoxicidade induzida por drogas. Para essa finalidade, foi utilizado o 2APB (2-aminoetoxi-difenil-borato) para bloquear seletivamente os canais formados por Cx32. Nesse sentido, foi observado que o pré-tratamento com 2APB resultou em proteção à hepatotoxicidade causada por tioacetamida e paracetamol, semelhante ao que já havia sido encontrado em camundongos Cx32-/-. Surpreendentemente, os efeitos protetores do bloqueio de Cx32 não se restringem apenas ao período antes do desafio dos animais com as referidas drogas. Foi demonstrado que tanto a co-administração das drogas com 2APB quanto a administração de 2APB após 6 horas de overdose são estratégias eficazes para proteger os animais da falência hepática aguda. Ainda, essas estratégias reduziram a mortalidade dos animais expostos ao APAP de 80% para 30%, e de 100% para 0% no grupo exposto a tioacetamida, mostrando que de fato a comunicação entre as células (por exemplo, via junções comunicantes) pode distribuir inclusive mensagens relacionadas à morte celular, sendo portanto um mecanismo de amplificação de lesões em órgãos.
Entretanto, o estudo apresenta uma limitação técnica importante. Embora a relação entre canais de Cx32 e lesão hepática induzida por drogas, descrita no trabalho, seja inquestionável nos camundongos deficientes para Cx32, os efeitos do bloqueio dessas conexinas e a proteção contra lesão direta das drogas precisam ser interpretados com cuidado. A droga utilizada como bloqueador de Cx32, o 2APB, é também um bloqueador da via de sinalização de cálcio mediada por IP3 (inositol trifosfato). Sendo assim, o desenho experimental utilizado no presente estudo não nos permite concluir quais efeitos são devidos ao bloqueio das junções comunicantes e quais são influenciados por possíveis alterações na sinalização de cálcio (estas que são muito relevantes para diversos processos celulares). Dessa forma, estudos que continuem a investigar a contribuição das conexinas tanto em condições normais quanto patológicas, ainda são extremamente necessários.

Autores: André Gustavo Oliveira, Pedro Elias Marques e Gustavo Batista de Menezes
Laboratório de Imunobiofotônica, Instituto de Ciências Biológicas - UFMG
Referências Selecionadas:
Suraj J Patel, Jack M Milwid, Kevin R King, Stefan Bohr, Arvin Iracheta-Velle, Matthew Li, Antonia Vitalo, Biju Parekkadan, Rohit Jindal, Martin L Yarmush (2012). Gap junction inhibition prevents drug-induced liver toxicity and fulminant hepatic failure. Nature Biotechnology, 30:179-185.
Mathieu Vinken (2011). Role of connexin-related signalling in hepatic homeostasis and its relevance for liver-based in vitro modeling. World Journal of Gastrointestinal Pathophysiology, 15:82-87.

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