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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Ativação sistêmica do Inflamosomo induz a liberação de lipídios fatais


Peço desculpas, pois estou em viagem e com pouco acesso a internet, por isso meu post será muito breve.

Acaba de ser publicado na Nature esse interessante trabalho mostrando que a ativação sistêmica do inflammasome resulta em uma forte  liberação de lipídios sinalizadores eicosanoides conhecida como “eicosanoit storm”. Essas moléculas são altamente pirogênicas e fatais, resultando na rápida morte (menos de 30 min) de camundongos desafiados com flagelina.
Os autores ficaram curiosos ao ver que a ativação do inflamosomo por flagelina induzia uma forte liberação de fluidos vasculares no intestino e na cavidade peritoneal dos camundongos desafiados e que isso acontecia de forma dependente de NAIP5, NLRC4 e Caspase-1, mas não da produção de IL-1ß e IL-18. Surpreendentemente, a ativação do inflamosoma resulta dentro de poucos minutos na liberação de lipídeos sinalizadores tais como prostaglandinas e leucotriênos que rapidamente iniciam a inflamação e a liberação de fluidos vasculares (eicozanoid storm). Em concordância com estes achados, camundongos deficientes na enzima ciclooxigenase-1, crítica para a biossíntese de prostaglandinas foram resistentes aos efeitos patológicos da ativação sistêmica do inflamosomo por flagelina ou antrax.
 Este trabalho identifica um novo e ainda não conhecido efeito da ativação do inflamosomo com importantes consequências in vivo.

 Recomendo a leitura. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/m/pubmed/22902502/

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O apoio à ciência aplicada e o abandono da ciência básica

É antiga a discussão entre ciência básica e ciência aplicada em termos de importância, prioridades etc. No Brasil muito se tem falado sobre o aumento da produção científica não acompanhado de aumento de patentes ou de outros indicadores de impacto da ciência em termos econômicos.  A nossa economia tem crescido, porém continua baseada em produtos não resultantes de tecnologia ou de inovação. Não somos uma economia de conhecimento. Reflexo disto é que somos a sexta economia mundial mas o 13o. país em número de publicações científicas. Quando a produção de conhecimento científico é avaliada pelo impacto das publicações a nossa posição decresce razoavelmente. O conhecimento que chega ao mercado é o conhecimento de maior impacto. 
A ênfase em inovação deriva da necessidade de se observar um impacto da ciência na economia. Sem criação de riqueza baseada em conhecimento, o apoio da população (e dos políticos) para ciência tende a se reduzir. O gasto governamental em ciência é mais fácil de ser explicado para a sociedade quando a ciência contribui para a geração de riqueza.  O problema, em grande parte, é que muitos não entendem que é necessário um tempo razoavelmente longo para que a ciência gere impacto econômico. A comunidade científica contribui, por vezes, para aumentar a confusão. São feitas promessas irresponsáveis sobre a possibilidade de resultados rápidos. Não é possível prometer resultados tecnológicos rápidos quando os problemas científicos do tema não estão resolvidos. O não cumprimento dos prazos leva ao desgaste e à descrença na ciência - quando deveria ser apenas em alguns cientistas.  
A preocupação com a falta de apoio à ciência básica não é restrito ao Brasil. Em abril último um editorial do The Lancet (Catastrophic neglect of the basic sciences in medicine; Vol 379: 1273; April 7, 2012) tratou do tema do abandono da ciência básica na área médica de forma muito enfática: “The basic medical sciences are not only being neglected, they are being systematically eroded.”  O texto mistura um pouco de fatores como a revisão de projetos com críticas que me parecem atingir tanto a ciência básica quanto a aplicada. Além do tom exageradamente dramático para um texto britânico: “Patient care will be harmed by the prevailing short- sighted and expedient approach to discovery science.” ou “Not the least of which is the excision of investment into future generations of young medical researchers. Such a perilous policy, pursued by some research councils and larger charities alike, is being driven by a political environment that emphasises big science and aggresive commercial returns on research investments.” Apesar de tudo isto, o texto recomenda um necessário repensar da situação de investimento:
The basic science of medicine, and the future of safe and effective patient care, relies on smart people working in laboratories to answer questions about which they are passionate. We seem to have forgotten that lesson. We need to relearn it quickly.”
Uma outra forte mensagem de apoio à ciência básica veio do relatório “Research Universities and the Future of America: Ten Breakthrough Actions Vital to Our Nation’s Prosperity and Security” e que foi motivo de texto na Science (22 June 2012 Vol 336) com o título de “Universities, Key to Prosperity” assinado por Charles O. Holliday, que foi CEO da I. du Pont de Nemours and Company e coordenou o comitê do NRC que elaborou o relatório. Alguns trechos são bem ilustrativos:
“U.S. universities have been the incubators of the nation's prosperity.”
“… especially in these tough times, the United States cannot afford to defer investment in research universities. ... It is critical to revitalize the partnership between our research universities, government, and industry.”
U.S. businesses, which depend on universities for technology and talent, must also provide long-term financial support and regionally build strong, enduring partnerships.”

Um dos problemas no Brasil que acirra a disputa dos recursos governamentais entre ênfase na pesquisa mais fundamental, de descoberta, e a pesquisa mais aplicada de resultados práticos é o baixo investimento do setor privado.  O gráfico acima do post, compara os investimentos (como percentagem do PIB) dos setores governamental ou privado em diversos países. No caso do Brasil, embora ainda deva ainda ocorrer um aumento percentual de investimento governamental, o que realmente precisa ser incrementado em grande medida é o investimento privado em ciência e tecnologia.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Primeiro secretoma de células humanas é publicado




Fonte: Jeremy C. Simpson, UCD.

Por cerca de 20 anos, o pesquisador Jeremy C. Simpson, Professor de Biologia celular da University College Dublin na Irlanda estudou secreção, o processo pelo qual as células liberam hormônios, enzimas, moléculas de sinalização, dentre outros, para o meio extracelular.

Durante a maior parte desse tempo, segundo o pesquisador, eles conseguiram analisar algumas poucas moléculas, mas nos últimos cinco anos, a tecnologia que usaram tornou-se disponível para a análise da secreção celular de uma forma verdadeiramente sistemática. Dois estudos do genoma da Drosophila, em 2006 e 2010, identificaram numerosos genes de secreção, mas aproximadamente 40% deles não tinham equivalentes no genoma humano, permanecendo ainda o mistério sobre o secretoma humano.

O resultado da análise de células humanas foi publicado on-line em junho deste ano na revista Nature Cell Biology. Simpson e colaboradores sistematicamente bloquearam cada um dos 22,000 genes do genoma humano, utilizando RNA de interferência. O grupo examinou mais de oito milhões de células de mais de 700.000 imagens microscópicas para identificar 3.629 proteínas que parecem contribuir para secreção celular (equivalente a 15% do genoma humano).

A partir dessa triagem, o grupo selecionou 554 proteínas que promoviam efeitos importantes na secreção. O propósito era investigar qual o papel dessas proteínas nos eventos iniciais da secreção, que ocorrem no retículo endoplasmático (RE), onde proteínas secretórias são sintetizadas e modificadas no complexo de Golgi. A clonagem e análise da localização subcelular de 179 dessas proteínas revelou que mais do que dois terços estava localizada no citoplasma e membranas das vias endocíticas e secretórias. A depleção de 143 dessas proteínas resultou em perturbações na organização dos complexos vesiculares COPI e COPII da via secretora inicial ou na morfologia do complexo de Golgi.

Das proteínas identificadas na triagem, algumas são conhecidas pelo envolvimento na secreção celular, outras são proteínas não previamente associadas com secreção e outras são moléculas que nunca tinham sido caracterizas anteriormente. 

Um total de 59 proteínas principais da via secretória foram identificadas, mas surpreendentemente, várias proteínas envolvidas em sinalização na superfície celular e organização do citoesqueleto também foram detectadas. Esses dados sugerem que células humanas tenham uma sinalização sofisticada e um sistema de feedback entre RE, Golgi e a superfície celular, permitindo-os modular a atividade secretora, baseado no ambiente externo. Investigações futuras irão dizer se essa hipótese está realmente correta.

Referências:
- Simpson, J.C., et al. 2012. Genome-wide RNAi screening identifies human proteins with a regulatory function in the early secretory pathway. Nat Cell Biol. doi: 10.1038/ncb2510.
- Wendler, F., et al. 2010. A genome-wide RNA interference screen identifies two novel components of the metazoan secretory pathway. EMBO J 29(2):304-14.
- Bard, F., et al. 2006. Functional genomics reveals genes involved in protein secretion and Golgi organization. Nature 439(7076):604-7.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

IL-1b promotes pathogenic type 17 responses from both innate and adaptive leukocytes in the gut


Este post foi escrito pelo Dr. Kevin Maloy, pesquisador e professor da Universidade de Oxford. O Dr. Maloy trabalhou com grandes cientistas como Dr. Rolf Zinkernagel e Dr. Fiona Powrie, e hoje lidera seu próprio grupo no estudo das interações patógeno-hospedeiro na doença crônica intestinal. Ele visitou o Brasil no começo deste ano, esteve na Fiocruz e UFMG, onde apresentou seus dados mais recentes, que foram publicados este mês no Journal of Experimental Medicine. Para os que não tiveram a oportunidade de assistir ao seminário, ou ler o artigo, aqui está o comentário escrito por ele para o nosso SBlogI. Dr. Kevin tem a intenção de voltar ao Brasil mais vezes para a realização de colaborações e quem sabe contribuir mais vezes para o nosso blog.
Boa leitura!



Inflammatory bowel diseases (IBD) are chronic inflammatory diseases of the intestine that are associated with aberrant immune responses to the intestinal bacterial microflora. Better characterization of pathogenic pathways involved in IBD has led to the development of novel biological therapies, such as reagents that target TNF. Studies in IBD patients have associated high IL-1b levels with intestinal pathology, but the mechanisms through which IL-1b might drive intestinal inflammation were not known.

In this study, we employed mouse models of IBD to better define the role of IL-1b in intestinal inflammation. Using a model in which intestinal pathology is mediated by innate immune responses to an intestinal bacterial infection we found that treatment with an anti-IL-1b antibody led to significant attenuation of intestinal inflammation. We found that IL-1b blockade resulted in decreased granulocyte recruitment to the intestine and also reduced the accumulation and activation of innate lymphoid cells (ILC), a recently discovered type of innate leukocyte that can contribute to inflammation in the gut. Using a different IBD model in which disease is driven by CD4+ T cells we found that IL-1R signalling in T cells played a key role in T-cell mediated intestinal pathology by promoting their accumulation and survival in the gut. Our experiments also revealed synergies between IL-1b and IL-23 in driving pathogenic type 17 cytokine responses. We found that IL-1b potentiated IL-17 secretion by intestinal ILC by enhancing their expression of IL-23R. In contrast, IL-23 signals led to increased expression of IL-1R by CD4+ Th17 cells.

Taken together, our studies show that IL-1b promotes intestinal inflammation by acting together with IL-23 to drive innate and adaptive inflammatory responses in the gut (Figure1).  They suggest that targeting of the IL-1b pathway may be a useful therapeutic approach in IBD and in other immune pathologies associated with the IL-23/Th17 axis.

Ref: Coccia, M. et al. J. Exp. Med. (2012) DOI: 10.1084/jem.20111453.



O estroboloma




Um sintoma claro do progresso da imunologia é que abandonamos (espero de uma vez por todas) o narcisimo celular. Nos últimos anos estudamos muito as divas imunológicas falando entre si. No centro do palco estavam as células T, que governavam olimpicamente a imunologia. Hoje começamos a olhar pro resto do organismo e a entender que não estamos sós. Começamos a tirar o olho do umbigo, a entender melhor como, e com quem,  vivemos.

A cada dia que passa fazemos avanços consideráveis nesse entendimento. Abra qualquer revista ultimamente que voce vai encontrar o tal do microbioma. O microbioma é o nosso Bóson de Higgs. E, sinal claro de que o microbioma está virando moda, já comecou a aparecer subset. Agora o subset, literalmente, de merda, se chama o estroboloma.

Sério.

Eu não tinha ouvido falar nisso até semana passada. Dei uma revisão de Martin Blaser sobre microbioma e cancer pra Thais Herrero discutir no nosso JC. Fomos ler o artigo e descobrimos o tal do estroboloma.

A reza é mais ou menos assim. Os hormonios sexuais que nos dão as características sexuais que nos encantam, e escravizam, acabam dando um certo preju, uma vez que contribuem descaradamente pra aumentar o risco de cancer. Isso porque in the long run, eles favorecem a proliferação celular, e como tal aumentam o risco de malignidade. Como a gente não esta programado pra viver tanto, bote estrago nisso.  Veja a estória: o estrógeno, hormonios sexual que existe em abundancia nas mulheres é produzido primariamente pelos ovários. Dá graça e fertilidade as mulheres. Na menopausa, a sua produção cai muito, o que leva a vários transtornos. Num passado recente, muitos médicos faziam reposição hormonal pra tratar esses transtornos, mas isso foi discontinuado quando se descobriu que isso aumentava o risco de cancer de mama. Tambem se descobriu que muitos tumores eram dependente de estrógeno (daí o uso de antagonistas de estrógeno, como tamoxifen). Como tudo na vida, o estrógeno tem seu lado bom e seu lado não tão bom. O que acontece é que a fisiologia esta aí para manter os níveis de estrógeno in check. E como é que esses níveis ficam em check? Ora, o hormonio é excretado pela urina e pelas fezes. Pra ser excretado o estrógeno precisa ser conjugado. Isso acontece primariamente no fígado, onde ele pode ser metilado, sulfonado, etc. Daí, ou volta pra circulação e é excretado pela urina, ou é excretado na bile. Isso daria um fim beleza pro estrógeno, só que existem umas bactérias no intestino que são capazes de desconjugar o estrógeno. E aí já viu: o troço volta pra circulação. Moral da estória: esse conjunto de bactérias que tem a propriedade de desconjugar o estrógeno se chama estroboloma. Quando li, imediatamente gostei. Claro. O nome em si so já é estrambótico. Blaser não sabe que estroboloma é um troço engracado em portugues. Não sei porque, mas que é engracado é. Fiquei o dia todo com a palavra na cabeça.

A atividade dessas bactérias, do tal estroboloma,  poderia em tese, influenciar os níveis de estrógeno na circulação, e, esticando, esticando, influenciar o desenvolvimento de cancer… E talvez autoimunidade. Veja, estamos carecas de saber que certas doenças autoimmunes como tireoidite, lupus, etc são muito mais frequentes em mulheres que em homens. Será o estroboloma? Digo, seriam essas doencas influenciadas pelo microbioma? E se tal, seriam essas doenças influenciadas por bactérias capazes de afetar os níveis de hormonios, em vez de resultarem de cambios em subsets imunologicos, como o Th17 (até ontem a célula du jour?). Ou seria tudo junto?

Talvez com esse negócio de estroboloma Blaser esteja certo. Vamos ter que testar o tal do estroboloma. E provar que tá errado. Mas que a idéia é provocativa é. E se for certa, e tiver importancia, volta a provar, estramboticamente, o que Humboldt dizia: tudo é interconectado…

domingo, 26 de agosto de 2012

Journal Club Iba: Complicações Imunológicas da Obesidade



Uma das maiores preocupações atualmente, principalmente das mulheres, é manter a silhueta. Sempre temos algum amigo (a) que está constantemente lutando contra a balança e fazendo dietas intermináveis. E não é para menos, pois a obesidade tem sido tratada com grande destaque nos últimos anos, devido ao fato de ser uma doença bastante frequente no mundo ocidental. Na verdade essa doença já está sendo considerada uma epidemia e um fator de grande preocupação dos órgãos reguladores de saúde em todo o mundo. O que sabemos é que a obesidade é uma das complicações da síndrome metabólica, e, claro, está intimamente relacionada ao sistema imune. Esse mês, um comentário publicado na Nature Immunology (Kanneganti& Dixit, 2012) discute as complicações imunológicas da obesidade. O tipo de reposta imune e as moléculas responsáveis por induzir a obesidade ainda se mantêm um assunto bastante controverso. A revisão apresenta diversos trabalhos que demonstram diferentes tipos celulares como sendo os mais importantes para indução do processo inflamatório capaz de desencadear a obesidade, dentre eles linfócitos T, linfócitos B e macrófagos. Abaixo seguem alguns dos tópicos discutidos:

-Alguns grupos demonstraram que a leucocitose do tecido adiposo, caraterizada pelo aumento de linfócitos nesse microambiente, é o principal responsável pelo desenvolvimento do fenótipo de obesidade;

-Outros trabalhos mostram que o acúmulo de macrófagos no tecido adiposo é o principal responsável pela obesidade. A polarização de macrófagos para os subtipos M1 (classicamente ativados) ou M2 (alternativamente ativados) dentro do tecido adiposo determina o aumento do mesmo em modelos de obesidade. Nesse contexto, o macrófago M1, inflamatório, é capaz de induzir a obesidade enquanto o macrófago do tipo M2 é considerado um regulador negativo desse processo;

-DAMPs como ceramidas, palmitatos, polipeptídios amiloides (IAPP – isletamyloidpolypeptide) ou até fragmentos de adipócitos foram descritos como agonistas da molécula NLRP3. Camundongos nocautes para moléculas do inflamassoma são protegidos da obesidade após a alimentação com dieta rica em gordura.

Dessa forma o tecido adiposo pode ser considerado um grande órgão imune que possui populações alteradas de células responsáveis por induzir inflamação.

Relacionando algumas dessas complicações, o artigo de Henao-Mejia e colaboradores (Nature, março de 2012) traz o papel da disbiose (condição de desequilíbrio da microbiota) mediada por inflamassoma regulando a progressão da doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD - Non-alcoholicfattyliverdisease) e da obesidade. O grupo mostra que camundongos nocautes para o inflamassoma (Asc-/-) desenvolvem um pior quadro de NAFLD ou obesidade (dependendo da dieta administrada) em relação ao camundongo WT. Isso se deve ao aumento da inflamação e a alteração da microbiota, que se torna transmissível para os animais WT quando estes estão alojados na mesma caixa que o animal Asc-/-. Mas como um camundongo nocaute para inflamassoma apresenta mais inflamação que o animal WT?

A inflamação nesse caso é induzida pela ativação de TLR4 e TLR9, pois uma vez que a microbiota está alterada, ocorre um aumento da permeabilidade intestinal, permitindo que as bactérias presentes no intestino ou seus produtos sejam translocados para a lâmina própria ou para o fígado, respectivamente. Esse mecanismo leva a uma sinalização capaz de produzir TNF-α e inflamação.
Adaptado de Elinavet al. 2012. Cell
Realmente, são diversas vias metabólicas e imunológicas que integradas promovem a inflamação capaz de desencadear a obesidade. Muitas perguntas ficam no ar. Afinal NLPR3 é uma molécula protetora ou indutora de obesidade? Quais seriam os mecanismos capazes de alterar a microbiota em humanos? Uma coisa todos nós concordamos, controlar a alimentação e fazer exercícios ainda é uma das melhores receitas para manter a forma e ficar longe das complicações da obesidade.
Post de Aline Sardinha e Jonilson Berlink.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Wii-munologia


Wii-munologia

 

Pedi para uma aluna minha escrever um texto para o blog da SBI. Parece que ela resolveu dar sequência à minha série de postagens "menos científicas"...

Por Sylvia Stella Amaral
ICB/UFMG


Sempre associei os neutrófilos ao jogo de video-games Pacman. Essas células possuem a capacidade de fagocitar patógenos, expondo-os a espécies reativas e oxigênio e produtos antimicrobianos, ajudando na eliminação desses organismos. Seu papel primordial no sistema imune inato é há muito estabelecido e ensinado nas escolas. Ainda no ensino médio, é ensinado que são células capazes de realizar a diapedese, transmigrando para sítios de infecção, processo esse mediado por integrinas e selectinas.


Fagocitose?

Na graduação, a idéia de Pacman permaneceu, mas com um cenário um pouco mais complexo. Conforme é ensinado, os neutrófilos são células de vida curta, circulando por pouco tempo antes de migrarem para os tecidos alvos, sendo esse processo dividido nas etapas de rolamento, adesão, crawling e transmigração, com os neutrófilos passando por entre as células endoteliais (via paracelular).

Outra idéia interessante, relacionando neutrófilos a jogos de video-games, é sua associação ao personagem Bomberman, uma vez que com a explosão respiratória durante um processo infecioso, essas células são capazes de eliminar patógenos.




Explosão respiratória?

Tal visão começou a ser modificada com a vivência de laboratório, estando defasada a mais de 50 anos, devido a estudos de Marchesi e colaboradores (~1960) que apontavam para uma nova via de migração, a transcelular. Através dela, os neutrófilos, não encontrando espaço entre duas células endoteliais durante o crawling, passam através das mesmas. Uma nova imagem me veio em mente, a da personagem Fanático, dos Xmen, invulnerável e de incrível força, capaz de atravessar paredes de concreto.



Transcelular?

Entretanto, essa visão começou a ser alterada novamente, com a publicação de estudos mais recentes de Brinkmann e colaboradores  (Science; 2004), que demonstraram que os neutrófilos têm capacidade antimicrobiana dissociada de sua habilidade como fagócito profissional. Essas células têm a habilidade de, mediante estímulos, liberar uma estrutura semelhante a uma teia formada por DNA e proteínas, como histonas (NETs – neutrophil extracellular traps), prendendo e matando patógenos extracelularmente.


Nets?


Outos detalhes foram adicionados, como os achados de Paul Kubes e colaboradores (Nature Immunology, 2008), que dotaram o "Homem-Aranha" de um sistema de GPS. Através da distribuição dinâmica da fosfatase da proteína PI3-K (PTEN – phosphatase and tensin homolog), os neutrófilos não se perdem com outras distrações durante o processo de transmigração, seguindo um gradiente quimiotático preferencial. Além disso, Mc Donald e colaboradores (Science, 2010) mostraram que tal direcionamento prioritário ocorre também durante lesões estéreis, com o direcionamento para os focos de injúria mediado por um gradiente necrotáxico. Por fim, uma nova habilidade foi descrita: a de manter o processo de rolamento e adesão mesmo em meio a um rápido fluxo sanguíneo graças aos “slings”. Em artigo publicado na Nature 2012 (comentado aqui no Blog também), Snudd e colaboradores demostraram que os neutrófilos conseguem rolar de forma resistente ao fluxo graças à utilização de projeções membranosas, lançadas à frente da célula, fornecendo um substrato adesivo. Ao assistir os vídeos do paper, a comparação imediata foi com o eterno Indiana Jones




Slings?

Fico curiosa para saber que rumos minha visão sobre essas incríveis células tomará com os avanços dos estudos sobre sistema imune inato...


quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Regulação negativa dos TLRs

Colegas,
indico aqui uma ótima revisão para quem gosta de imunidade inata - regulação negativa dos TLRs, na última edição da Trends in Immunology
Abraços, Tiago.


Trends in Immunology, Volume 33, Issue 9, 449-458, 20 June 2012
doi:10.1016/j.it.2012.05.002
Review

Dissecting negative regulation of Toll-like receptor signaling

Takeshi Kondo12Taro Kawai12 and Shizuo Akira12 
1 Laboratory of Host Defense, WPI Immunology Frontier Research Center, Osaka University, 3-1 Yamada-oka, Suita, Osaka 565-0871, Japan
2 Research Institute for Microbial Diseases, Osaka University, 3-1 Yamada-oka, Suita, Osaka 565-0871, Japan

Abstract

Toll-like receptors (TLRs) sense invading microbial pathogens and play crucial roles in the activation of innate and adaptive immunity. However, excessive TLR activation can disrupt immune homeostasis, and may be responsible for the development of autoimmune and inflammatory diseases. As such, the molecules and pathways that negatively control TLR signaling have been intensively investigated. Here, we discuss recent insights into the negative regulation of TLR signaling, with focus on three major mechanisms: (i) dissociation of adaptor complexes; (ii) degradation of signal proteins; and (iii) transcriptional regulation. We also highlight how pathogens negatively target TLR signaling as a strategy to evade the host immune response.



terça-feira, 21 de agosto de 2012

Pontos quânticos: aplicações em imunologia e relevância para uso clínico


Phileno Pinge-Filho – Universidade Estadual de Londrina


A emissão de luz fria e de baixo consumo de energia é uma das mais promissoras áreas da nanotecnologia, podendo ter aplicações em um grande número de áreas do conhecimento, tais como telecomunicações, chips óticos, iluminação em geral e nanomedicina.

Os pontos quânticos ("quantum dots") são definidos como minúsculos buracos em nanocristais semicondutores emissores de luz branca de estado sólido, quando estimulados por fótons ou elétrons. QD-LED é a abreviação de “Quantum Dots - Light Emitting Diodes”. Eu prefiro o termo “quantum dots” (QDs), parece mais próximo do nosso universo imunológico (citometria de fluxo, fenotipagem, laser, etc e tal).

O entendimento da física da luminescência em nanoescala e a aplicação desse conhecimento para o desenvolvimento de fontes de luz baseadas nos QDs é o foco de muitas pesquisas de laboratórios espalhados pelo mundo. Com base em ensaios que permitiram o encapsulamento de QDs e no polimento eficiente de suas superfícies, eles passaram a emitir luz visível quando excitados por radiação emitida por LEDs que operam na faixa próxima do infravermelho.

É assim, os QDs absorvem a luz na faixa do infravermelho, reemitindo luz visível. A cor da luz emitida varia em função da dimensão dos QDs e da composição química de sua superfície. Este novo dispositivo à base de materiais luminescentes é radicalmente diferente daqueles fabricados a partir de elementos emissores de luz azul, verde e vermelha. Esses componentes híbridos requerem uma mistura cuidadosa das cores primárias para se produzir luz branca, o que dificulta e encarece sobremaneira sua produção. Extrair de forma eficiente todas as três cores de um dispositivo único requer um design mais caro do chip, o que poderá não torná-lo competitivo com a iluminação fluorescente convencional, mas poderá ser atrativo para aplicações mais especializadas.

Devido a suas características físico-químicas inovadoras, os QDs fornecem uma perspectiva vantajosa para inúmeras aplicações médicas. A mais notável aplicação dos QDs é a sua utilização como ferramenta de diagnóstico e terapêutica em nanomedicina. Apesar dos muitos benefícios decorrentes da tecnologia dos QDs, a exposição intencional de seres humanos aos QDs tem levantado preocupações no sentido de seu impacto sobre a saúde humana. Estas preocupações baseiam-se predominantemente com a composição heterogênea de QDs, que geralmente é composta por cádmio e sulfato de zinco. Portanto, é imperativo que realizar ensaios que tragam uma melhor compreensão da atuação dos QDs em sistemas biológicos, entre eles, o sistema imunológico e o desenvolvimento de tumores. Felizmente, materiais luminescentes de pontos quânticos podem ser construídos de outros tipos de material, incluindo silício ou germânio nanoparticulados, semicondutores não tóxicos, utilizando íons de manganês como emissores de luz. O silício, que é abundante, barato e não tóxico, deverá ser o material ideal para a construção de QDs com aplicação em sistemas biológicos. Vamos esperar para ver! 



Referências bibliográficas

1-      Martin J. D. Clift, Vicki Stone. Quantum Dots: An Insight and Perspective of Their Biological Interaction and How This Relates to Their Relevance for Clinical Use. Theranostics 2012; 2(7):668-680. doi:10.7150/thno.4545.

2-      Drummen, G.P.C. Quantum Dots—From Synthesis to Applications in Biomedicine and Life SciencesInt. J. Mol. Sci. 2010, 11(1), 154-163; doi:10.3390/ijms11010154

Post 1000 do SBlogI



Colegas,

o post do Nelson abaixo é o de número 1000 deste blog.

Parabéns a todos os colaboradores (atuais e anteriores), que recheiam estas páginas com textos de qualidade. Parabéns a todos os leitores, que justificam a atualização diária deste espaço. Parabéns a Imunologia brasileira, que tem um espaço de discussão como este.


Atualizando os números do SBlogI:
(Fontes: Blogger e Google Analytics)

- Idade: 30 meses;

- Postagens publicadas: 1001 (contando esta);

- Comentários: 1712;

- Visualizações de página: 405.530;

- Abrangência: Acessos de 2110 cidades, espalhadas por 123 países diferentes.

> 10 países com maior número de acessos:
1. Brasil
2. Estados Unidos
3. Portugal
4. Alemanha
5. Canadá
6. França
7. Colômbia
8. Reino Unido
9. Espanha
10. Bélgica

> 10 cidades com maior número de acessos:
1. Ribeirão Preto
2. São Paulo
3. Rio de Janeiro
4. Belo Horizonte
5. Salvador
6. Uberlândia
7. Porto Alegre
8. Brasília
9. New York
10. Goiânia

Abraços, Tiago.


12-08-19-BLOG
Uma nova teoria nos espera
Certamente  é problemático afirmar que a imunologia é eficaz em explicar a atividade imunológica em condições patológicas, mas não a atividade imunológica normal. Como entender doenças sem entender a fisiologia é uma questão difícil, principalmente para aqueles ligados à medicina. Na imunologia tradicional, assim como na visão leiga da imunidade, (folk-immunology), o reconhecimento de materiais estranhos (antígenos), o papel protetor dos anticorpos e a memória imunológica, são tacitamente aceitos, embora não sejam vistos como propriedades cognitivas; estes conceitos também se encaixam bem na linguagem existente. Mesmo atualmente, a imunologia tradicional é dominada por um “cripto-Cartesianismo” que beira um franco animismo, quando atribui propriedades “cognitivas” a células isoladas (por exemplo: células de memória; linfócitos reguladores; etc.). Na melhor das hipóteses, estas propriedades só se aplicariam ao organismo inteiro e não a seus componentes - um equívoco conhecido em filosofia como a falácia mereológica.(1)  

É muito difícil para os imunologistas de ontem e de hoje aceitar afirmações (e experimentos) contrários ao seu “representacionismo”, segundo o qual antígenos externos estão “representados” no organismo, têm uma correspondência interna com clones linfocitários e anticorpos. Isto permanece assim embora a essência do conceito de “especificidade” imunológica tenha sido literalmente destruído pela demonstração de uma enorme degeneração (poliespecificidade) de linfócitos e anticorpos.

É compreensível que os imunologistas insistam em ver aquilo que se passa com linfócitos e anticorpos como um “reconhecimento de materiais estranhos”. O senso comum da ciência atribui funções especializadas às estruturas biológicas e este “reconhecimento” tem sido enacarado como a “razão de ser” dos linfócitos. Mas há experimentos publicados em periódicos de prestígio que certamente não se encaixam nesta maneira de ver.

Em seu famoso livro sobre a “Estrutura das Revoluções Científicas” (1962) (vale pelo menos uma ida ao Wikipedia), Thomas Kuhn afirma que teorias científicas não são refutadas por fatos científicos que as contradigam: para que isto ocorra elas precisam colidir com teorias rivais mais adequadas.
 Embora respeite muito esta ideia, é surpreendente que os adeptos da teoria de Seleção Clonal convivam com tantas contradições flagrantes a seus princípios e prossigam em uma conduta que é quase “behaviorista” ao estudar “respostas imunes espeçíficas” a “estímulos antigênicos”, atualmente alegando que estudam sua “regulação”

Uma destas contradições foi sumarizada em uma pequena nota por Jan Cerny & Garnet Kelsoe (1984) na Immunology Today (2). Nessa nota, eles mostram que após a injeção de um antígeno X, como esperado, surgem anticorpos anti-X e anticorpos anti-anti-X  (isto é, anti-idiotípicos). O que não se espera é que a primeira leva de anticorpos anti-anti-X surge antes dos anti-X. Como pode isto ocorrer?

Uma outra evidência difícil de engolir em uma visão “clonal” está descrita em Forni et al., 1980, onde se mostra que a injeção de certas IgM resulta no aparecimento de (centenas de vezes mais) IgM com a mesma especificidade (3).

Ou, ainda, nos experimentos de Coutinho e colaboradores que geraram centenas de imunoglobulinas monoclonais do baço de Balb/c acabados de nascer (Dighiero et al., 1985) (4). Nestes experimentos o universo dos imunologistas é virado pelo avesso. Os experimentos podem mostrar quais são os imunoglobulinas formadas pelo organismo antes de nascer - mas como caracteriza-los? Em geral, monoclonais são produzidos com uma direcionalidade pois se pretende utiliza-los como reagentes bioquímicos específicos. Mas os Balb/c recém nascidos, assim como todos os organismos em todas as idades, não têm esta direcionalidade: ela pertence aos interesses dos imunologistas, não aos organismos vivos.

Enfim, há muita coisa interssante já demonstrada que serviria para a construção de uma teoria que substituísse a teoria clonal. Algo interessante é perguntar por que esta outra teoria não apareceu ainda? A resposta está na simplicidade da teoria clonal, produzida em 1957, quando sequer se reconhecia a existência de linfócitos T, e parecia fácil distinguir self de nonself (uma distinção que é fácil para nós, mas impossível pra os linfócitos). Mais de meio século se passou desde então e neste intervalo aprendemos muito mais, não apenas sobre imunologia, mas principalmente sobre a Biologia, em geral. Uma nova teoria precisa incorporar estes novos conhecimentos e esta é uma tarefa gigantesca. Mas o cenário está mais do que maduro. Certamente, trata-se de uma teoria sistêmica que implica um outra maneira de ver que inclui  a nós mesmos, que somos quem vê (os observadores) (Maturana, 2008) (5).
Nelson Vaz

(1) BENNET, M R & HACKER P M Sr(2003) Philosophical Foundations of Neuroscience.  Blackwell Publishing.
(2) CERNY, J. & KELSOE, G. 1984. Priority of the anti-idiotypic response after antigen administration: artifact or intriguing network mechanism? Immunol.Today, 5, 61-63.
(3) FORNI, L., COUTINHO, A., KOHLER, G. & JERNE, N. K. 1980. IgM antibodies induce the production of antibodies of the same specificity. Proc.Natl.Acad.Sci.USA, 77, 1125-1128.
(4) DIGHIERO, G., LYMBERI, P., HOLMBERG, D., LUNDQUIST, I., COUTINHO, A. & AVRAMEAS, S. 1985. High frequency of natural autoantibodies in normal newborn mice. J. Immunol., 134, 765-771.
(5) MATURANA, H. R. 2008. Anticipation and Self-consciousness.Are these Functions of the Brain? Constructivist Foundations, 4 18-20.





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