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domingo, 29 de dezembro de 2013

Bactérias comensais da microbiota intestinal auxiliam no combater ao câncer




E a microbiota, personagem principal de diversos posts ao longo de todo o ano, aparece com mais uma nova e importantíssima função...
Dois estudos independentes publicados no mês passado na Science demonstram que bactérias comensais residentes no intestino- ou a falta delas- pode afetar significativamente a eficácia de certas terapias anti-tumorais em outras partes do corpo, além do próprio intestino.
O tratamento com ciclofosfamida, um dos quimioterápicos mais amplamente utilizados, envolve os efeitos secundários, como inflamação das mucosas, permitindo que alguns tipos de bactérias possam translocar para a barreira intestinal atingindo a corrente sanguínea e os órgãos linfoides secundários. Surpreendentemente, este aumento da permeabilidade intestinal, que a princípio poderia ser considerado um efeito colateral, parece ser o responsável pela efetividade da terapia. O grupo de Viaud e colaboradores revelou que a ciclofosfamida altera a composição da microbiota intestinal de camundongos com tumor subcutâneo, provocando a translocação de subtipos específicos de bactérias Gram-positivas para os órgãos linfoides secundários. Uma vez nesses órgãos, estas bactérias induzem a geração de células Th17 patogênicas (pTh17), bem como células  Th1 de memória, que auxiliam na eliminação das células tumorais. Como esperado, quando a ciclofosfamida foi administrada em animais germ-free ou previamente tratados com antibióticos, os resultados do tratamento foram inexpressivos, sugerindo que a microbiota é de fato a principal responsável por modular a resposta anti-tumoral induzida pela fármaco.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Lida et al. sugerem uma hipótese bastante semelhante, na qual a microbiota intestinal é responsável pela indução da inflamação no microambiente tumoral. Os pesquisadores descobriram que animais germ-free ou tratados com antibióticos reagiram mal à imunoterapia com oxaliplatina e cisplatina, importantes agentes anti-neoplásicos. Esses camundongos com microbiota depletada apresentaram expressão reduzida de genes envolvidos no processo inflamatório, como TNF e ROS, no microambiente tumoral, permitindo a progressão normal do tumor.
Estes resultados demonstram que as perturbações induzidas por antibióticos na composição bacteriana intestinal, que pode ser de longa duração, têm efeitos significativos (e indesejáveis!) sobre a eficácia de tratamentos anti-neoplásicos. Como próximo passo, os autores pretendem estender esses estudos para os pacientes, a fim de compreender a relevância clínica destes achados.


Post de Marcela Davoli (doutoranda, FMRP-USP/IBA)

sábado, 28 de dezembro de 2013

Qual o seu plano para as férias?





Ebaaa! Enfim, o recesso de final de ano chegou. Tem uma hora que a cabeça não funciona mais e o corpo para de responder. A minha, por exemplo, já pifou! O nível de stress fica lá em cima pra poder deixar tudo em ordem antes que as “férias” cheguem. Que atire a primeira pedra aquele que nunca chegou em casa querendo ter o descanso MERECIDO e continuou  pensando nos experimentos. Epa... é hora de renovar as energias e desligar. Mas calma, checar o email pode né? Ai, que medo. Que frio na barriga. Vai que tem um email do chefe dizendo: “Caros, não vejo ninguém por aqui. Algo aconteceu?” Até me arrepia! Tomara a Deus que eu já tenha voltado antes de ler isso.

Boas festas e um ótimo 2014 pra todos!

Natália Ketelut – doutoranda FMRP/IBA

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Estudo (pseudo) científico comprova: Obedecer à mulher causa infelicidade!


O British Medical Journal tradicionalmente publica um "trabalho científico" humorístico na época de Natal e é sempre um excelente exemplo de humor britânico (embora nem sempre os autores sejam britânicos).
Este ano o trabalho é:


Comentários de amigos no Facebook sobre o artigo:
"Concordar com tudo que a esposa fala pode ser uma causa geradora de imensa infelicidade segundo ensaio clínico (com algumas várias muitas limitações) natalino do BMJ." André Siqueira

"marido concordar com tudo o que a esposa fala pode ser uma causa geradora de imensa infelicidade. O "ensaio clínico" foi interrompido prematuramente pela incidência de efeitos adversos..." Joaquim Custódio.

Ainda não foi esclarecido o papel do sistema imune nos achados do ensaio.

Veja o artigo completo (aqui).
BMJ 2013;347:f7398 doi: 10.1136/bmj.f7398 (Published 17 December 2013) 


segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

iCARs: Saindo da translação para a translação?

Figura do artigo citado, com legenda no final do post.
Tanto em inglês quanto em português a palavra translação significa "Movimento de um sólido cujas partes conservam todas uma direção constante” (segundo o Aulete) ou "Motion of a body in which every point of the body moves parallel to and the same distance as every other point of the body” (segundo o The Free Dictionary). Como na translação da Terra em torno do sol, os dois nunca se encontram. Como então chamar de ciência translacional ou medicina translacional a passagem do conhecimento básico para o aplicado? Isto se deve a outro significado de translação em ambas as línguas: "Tradução, mudança de sentido, ação de trasladar: Translação é figura quando passamos as palavras de uma coisa a outra, porém com uma semelhança conveniente.” e "The act or process of translating, especially from one language into another.” (segundo as fontes já citadas). 
Victor D. Fedorov, Maria Themele e Michel Sadelain publicaram na Science Translational Medicine um artigo interessante (PD-1– and CTLA-4–Based Inhibitory Chimeric Antigen Receptors (iCARs) Divert Off-Target Immunotherapy Responses) no qual desenvolvem receptores antigênicos quiméricos com atividade inibitória antígeno-específica iCARs (de inhibitory chimeric antigen receptors). A idéia é utilizar o conceito de receptores inibitórios imunes para inibir respostas de linfócitos T antígeno específicas de forma reversível. Isto evitaria os problemas com terapia de células T inespecíficas e irreversíveis, tais como o dano colateral a outras células presentes na abordagens anteriores e o comprometimento de atividade T não relacionada ao antígeno de interesse. 
O uso de iCARs baseados em CTLA-4 ou PD-1 levaram à redução seletiva de secreção de citocinas, da citotoxicidade e da proliferação.  Adicionalmente o efeito foi temporário, o que representa uma vantagem adicional no tratamento
Veja o artigo (aqui).

O desafio da ciência translacional é passar da acepção da física (de movimento que se move paralelo e sem jamais se aproximar) para a acepção mais geral de passar de uma linguagem para outra "porém com uma semelhança conveniente.” Será que os iCARs conseguirão  verdadeiramente fazer a passagem do básico para o aplicado?

Artigo:  Sci. Transl. Med. Vol. 5, Issue 215, p. 215ra172 DOI: 10.1126/scitranslmed.3006597

(A) T cells with specificity for both tumor and off-target tissues can be restricted to tumor only by using an antigen-specific iCAR introduced into the T cells to protect the off-target tissue. (B) Schematic diagram of the bicistronic vectors used for iCARs and Pdel. iCAR-P: a spacer, transmembrane, and intracellular tail of each inhibitory receptor were cloned into a previously described retroviral vector having a CD8 leader sequence (LS). IRES, internal ribosomal entry site; hrGFP, humanized Renilla green fluorescent protein reporter. A Pdel control vector was designed with a spacer and CD8 transmembrane (TM) domain, and lacking an intracellular tail. (C) Cell surface expression of the iCARs was assessed by flow cytometry in transduced primary human T cells. Dot plots are representative of eight different donors. GAM, goat anti-mouse immunoglobulin G F(ab′)2 antibody that binds to the murine-derived extracellular domain of the CAR.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Querido papai Noel

Queridos colegas,

Tenho lido muito, aqui, sobre o que nós cientistas queremos como presente de Natal, que caminhos a ciência brasileira deve tomar, qual o seu papel na ciência mundial, dificuldades enfrentadas, etc. Certamente, se formos listar tudo o que gostaríamos (e merecemos) ganhar precisaríamos de um dia inteiro para isto. Mais financiamentos, menos burocracia, menos numerologia (só para começar). Alguns destes desejos são, sem dúvida nenhuma, bastante complicados. Outros porém poderiam ser resolvidos. Quem aqui nunca passou uma semana tentando liberar reagentes junto à ANVISA? Ligando diariamente para a Fedex implorando por reposição diária de gelo seco? A pergunta que me vem imediatamente à cabeça é: por que não podemos importar um anticorpo sem burocracia? Será que nossas autoridades não podem criar um mecanismo que isente de impostos e de toda aquela  papelada os produtos para pesquisa dentro das universidades e institutos? E por que cobrar impostos sobre produtos que serão comprados com dinheiro proveniente do próprio governo? É isso, meus amigos...Nesse post/desabafo/pedido de Natal, eu 2014 eu peço um pouco mais de inteligência e boa vontade dos burocratas com a pesquisa brasileira. Não cu$ta nada...

Feliz Natal e um 2014 repleto de realizações para todos!

Leo

Ser ou não ser HES a questão



          Após ler o livro básico, fiquei intrigada com os mecanismos que regulam a linfopoiese. Como uma célula sabe se será Linfócito T? Muitos fatores de transcrição que induzem a linhagem de células T estão definidos, porém, como os destinos alternativos são reprimidos durante este período de instabilidade ainda é obscuro.
Os primeiros modelos de hematopoiese, sem plasticidade, mostrava que uma população daria origem a uma célula T, enquanto outra população promoveria a origem das demais células imunes. No entanto, nas duas últimas décadas, estudos mostraram que o timo contém células progenitoras que retêm tanto o potencial de células mieloides quanto o potencial linfoides. Tais resultados indicam que os genes associados a células T são necessárias não apenas para transmitir um programa específico de linhagem da expressão do gene, mas talvez igualmente, ou até mais, para reprimir os destinos celulares conflitantes. O gene Hes1 (supressor induzido por Notch) representava um candidato forte para tal função, uma vez que células progenitoras deficientes de Hes1 falham em completar a diferenciação de linfócitos T no timo. O trabalho de Obaldia et al., 2013 mostra que a principal função de Hes1 é reprimir o gene envolvido com a linhagem mieloide C/EBP-α, mais que promover a proliferação  e sobrevivência dos timócitos.
O elegante trabalho publicado no mês de novembro na Nature immunology estabeleceu que existe uma alta expressão de Hes1 em linhagens comprometidas com células T, entretanto o referido gene é indetectável nas células pluripotentes da medula. Além disso, foi observado que a quantidade de C/EBP-α é alta na medula óssea e, menor em células progenitoras linfoides, e quase ausentes nas células T duplo negativas. Em conjunto esses resultados mostram uma forte correlação entre Hes1 e C/EBP-α. De maneira curiosa, a diferenciação das células mieloides, na ausência de ligantes de Notch, não é comprometida pela deficiência de Hes-1. Em contrapartida, se o supressor Hes1 não é expresso, mesmo em condições que favorecem o comprometimento com as células T, resulta em uma carência extrema na diferenciação de célula T. Estudos mostrando a perda de função elucida um antagonismo entre Hes1 e C/EBP-α. De fato, a repressão gênica de C/EBP-α em células progenitoras knockout para Hes1 resulta em um significativo aumento de células T, similar a quantidade presente em um camundongo selvagem.  Simplificando as novidades trazidas por esse trabalho um comentário na mesma edição traz uma figura esquemática e também mostra em detalhes o impacto desses novos estudos para a área da linfopoiese (Bortinick and Murre. 2013).

Post de Grace Kelly Silva (Pós-doutoranda do laboratório de Imunoparasitologia) FMRP-USP.
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