Eu lembro
quando comecei a estudar imunologia tumoral, como fiquei fascinada pelos tumor
infiltrating lymphocytes, os TILs. Essas células eram identificadas em todos os
tumores mostrando uma interação intima entre a resposta imune e o tumor que crescia.
Contudo, todos os patologistas com quem eu conversava sobre isso eram unânimes
– o infiltrado tumoral, como eles chamavam, não servia para predizer
prognóstico, não tinha nenhuma utilidade prática no acompanhamento dos
pacientes de câncer. Um desapontamento, concluíam. Para eles, o imunoediting –
o estudo de como os tumores se reinventam para escapar da resposta imune – é
uma hipótese. Eu continuava acompanhando a literatura e os
imunologistas continuavam estudando o infiltrado, e tentando desenvolver
imunoterapia para tumores. Como estavam afastadas, pensei eu, a academia e a vida
real.
O
acompanhamento dos pacientes usa classificações conhecidas como estadiamentos,
I, II, III e IV, do sistema TNM – que considera Tamanho, Número de linfonodos
comprometidos, e existência de Metástases. Não se considera o infiltrado. Contudo,
em 2006 foi publicado na Science um artigo por Galon et al, analisando mais de 500 tumores de
intestino mostrando que a densidade de células T de memória infiltrando o tumor
era o único fator preditivo independente para o prognóstico do paciente, superior
ao sistema TNM. Mostraram também que a assinatura TH1 essas células era
protetora nos pacientes. Depois disso, o boom do tratamento de tumores com
anticorpos monoclonais – como a herceptina e o rituximab, e mais recentemente,
o anti-CTLA-4, do Jim Allison, sobre o qual postei antes, não apenas deixou a
imunoterapia mais próxima da clinica, mas mostrou que a infiltração de tumores
por células T regulatórias era um ponto crucial no tratamento de câncer.
Aprendemos ainda sobre os macrófagos M1 e M2, estes últimos que ajudam a semear
as metástases, e mas recentemente, os neutrófilos N1 e N2, os “2” sendo
produtores de TGF-beta e arginase, inibindo a função de linfócitos T CD8+. Nós chegamos a publicar uma revisão de
mecanismos imunossupressores dos tumores – gente, não acaba nunca! É impossível
que tantas estratégias tumorais sejam empregadas, contra um fator que não seja
importante na modulação do crescimento tumoral.
Estudos do
mesmo Galon, poblicados em 2011 no Journal of Clinical Oncology, faz novamente
analise em duas coortes independentes de pacientes de tumor de intestino, considerando
agora o infiltrado de células T reg, mostrando a força preditiva dessa analise,
que chamam de immune score. Como, eu
pergunto, isso não está incorporado ao acompanhamento de pacientes na clinica?
No final de
2011, o Pawelec, que veio no congresso de 2010 e é editor da Cancer Immunology
Immunotherapy me colocou em contato com um grupo que estava preparando uma
declaração de princípios sobre os principais problemas enfrentados atualmente
para traduzir a pesquisa em imunologia tumoral para o dia-a-dia do tratamento
de pacientes de câncer. O grupo incluía o próprio Pawelec, o Galon, o Fridman
(que esteve em 2009 no congresso da SBI em Salvador, a convite do Kalil), o Jim
Allison, o Trinchieri (o
descobridor da IL-12 e hoje diretor do National Cancer Institute), entre
outros. Essa declaração era chamada por eles “ the hurdles manuscript”, agora
publicado no Journal of Translational Medicine. Hurdle quer dizer obstáculo ou
barreira, tipo na corrida com obstáculos. Entre eles, o tempo enorme entre o
desenvolvimento de uma terapia e
seu uso efetivo na clinica. A limitação dos modelos animais e sua
efetiva similaridade com o que ocorre em humanos. O fato de os critérios
convencionais de clinica não levarem em conta os padrões de resposta a
tratamento citotóxico versus os observados com imunoterapia. A falta de
interação real entre grupos de pesquisa e clinica buscando efetivamente
traduzir os marcos obtidos no laboratório, para a vida real. A limitação de
recursos para manter esses grupos.
Enfim.
Existe uma sociedade internacional de imunoterapia de câncer – a SICT (http://www.sitcancer.org) – que quer organizar sociedades
nacionais desse assunto – num esforço mundial de mudar esse panorama. Vamos trazer esse pessoal aqui pro
Brasil, talvez numa ESCI do congresso, e integrar essa mudança de paradigma.
Vamos nos informar mais sobre isso, informar nossos colegas clínicos, chamar a
atenção do Ministério da Saúde, contar que isso existe, colocar o INCT do
Câncer a participar disso. Eles querem nos conhecer. Nós, que temos conhecimento do quanto isso pode modificar
vidas, temos que ajudar a eliminar esses obstáculos, antes que eles eliminem a
gente.
Leituras
Galon J, et al:Science 313:1960-1964,
2006
de Souza AP, Bonorino C. Expert Rev Anticancer Ther. 2009 Sep;9(9):1317-32
Fox et al, Journal of Translational Medicine 2011, 9:214








