PD-1 é uma molécula inibidora da atividade de linfócitos T, que inicialmente foi envolvida com exaustão celular durante a resposta mediada por células T CD8 1,2. Exerce um papel central na indução de tolerância imunológica, e por conseguinte sua deficiência leva a indução de autoimunidade, o qual é influenciado por fatores genéticos do hospedeiro 3,4,5. Mais recentemente, essa molécula foi descrita como um dos marcadores das células T CD4 helper foliculares (TFH), que auxiliam as células B para maturação da resposta mediada por anticorpos. Essas células TFH são cruciais para a manutenção do centro germinativo e consequentemente para a maturação de afinidade dos anticorpos, e são reguladas por PD-1 9. O assunto tem sido comentado aqui no blog 6.
Como esperado, esses achados convertem estas células PD-1+ em um ponto de controle da resposta mediada por imunoglobulinas. O trabalho que quero comentar hoje aqui, mostra avanços no entendimento do papel de PD-1 nesse aspecto. Inicialmente, o fato dos camundongos deficientes de PD-1 apresentarem uma flora bacteriana diferente (mais rica em bactérias potencialmente patogenicas) chamou a atenção dos pesquisadores do laboratório de imunidade de mucosa do centro de pesquisa em alergia e imunologia em Yokohama, no Japão, autores de um artigo publicado na sexta-feira na Science 7.
Visto que a frequência de bactérias com IgA ligada na sua superfície era menor em camundongos PD-1-/-, e que eles também apresentavam maior concentração de IgA solúvel nas fezes do que os animais wt, eles abordaram como ponto central o estudo do repertório de IgA em camundongos deficientes de PD-1, comparando-o com o repertório de IgA em camundongos wt. Para isso, sequenciaram os genes das cadeias pesadas de IgA após realizar single-cell sorting de células produtoras desta imunoglobulina. O resultado foi que tanto PD-1-/- como wt tinham diversidade razoável na composicao de sua IgA. No entanto, havia uma maior representacao de genes pertencentes aos segmentos VH2-14, com diminuída utilização do segmento VH1, nas células produtoras de IgA provindas de camundongos PD-1-/-. Isso pode ser devido à seleção antigênica diferencial, visto que os dois tipos de camundongos possuem flora bacteriana diferente. Então, os animais PD-1-/- têm uma flora diferente, e produzem uma IgA com uma boa diversidade, porém com um repertório diferente daquele da IgA vinda do wt.
Entretanto, uma vez que PD-1 regula a formação do centro germinativo e finalmente a produção de anticorpos "de boa qualidade", será que o passo desses anticorpos pelo processo de maturação de afinidade foi diferente? Para responder essa pergunta, os pesquisadores analizaram a razão de substituições na região determinante de complementaridade (RCDR) para mutações silenciosas em ambas as regiões determinantes de complementaridade e de estrutura (Stotal) de acordo com a seguinte equação: RCDR / (Stotal+RCDR). Isso permite avaliar o Índice de Maturação de Afinidade. O resultado mostrou que a deficiência de PD-1 leva à redução deste índice.
Até aqui os experimentos sobre células produtoras de IgA foram feitos em células da lâmina própria (LP). Uma vez que a maioria das células B produtoras de IgA chegam na LP como plasmoblastos (B220-IgA+MHCII+) provenientes das placas de Peyer (PP), os autores foram verificar se estas diferenças na IgA eram produto de alterações nos passos iniciais de indução desses plasmoblastos nas PP. Os autores estudaram então a taxa de recâmbio de células produtoras de IgA na LP. Os camundongos PD-1-/- têm um recâmbio diminuído de plasmoblastos corroborado pela maior persistencia de BrduU nestas células, após sua administração oral. Já os plasmócitos (B220- IgA+/low MHCIIlow CD138+) apresentam uma taxa de renovação similar em animais wt ou PD-1-/-. Essa redução na taxa de recâmbio de plasmoblastos é devida a apoptose aumentada (visto por ativação de caspase), que foi revertida pela administração de antibiótico (fato interessante, pois indica que a flora participa de maneira dinâmica e ativa na geração do repertório de IgA na LP). Ou seja, nas PP de animais PD-1-/-, existem menos células sendo exportadas para a LP, capazes de se transformar posteriormente em plasmócitos produtores de IgA.
Ainda, eles caraterizaram as células TFH (CXCR5hi ICOShi) e verificaram diminuição da produção de IL-21 nas TFH dos camundongos deficientes em PD-1. Esses dados indicam que os GC necessitam do PD-1 para controlar a população de TFH e gerar células produtoras de IgA de boa qualidade. Ainda, isso foi confirmado pela transferência adotiva de TFH de doadores PD-1-/- ou wt, em camundongos CD3E-/-. Como esperado, a produção de IgA foi drásticamente diminuída em animais que recebiam as TFH vindas de camundongos PD-1-/- quando comparados com aqueles recebendo TFH de doadores wt.
Assim, o trabalho corrobora dados de estudos prévios mostrando que PD-1 é necessário para a função das TFH, e descreve como esta molécula também é requerida para a maturação de células B em plasmócitos nos centros germinativos das Placas de Peyer e na maturação de afinidade da IgA. Além disto, ajuda entender um pouco mais como diferentes comunidades bacterianas são selecionadas na flora intestinal, o que tem implicações para a imunidade de mucosa em geral, bem como para a patogênese da doença inflamatória intestinal.
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