O Diabetes Mellitus (DM) compreende uma doença milenar
que acompanha a humanidade até os dias de hoje. As primeiras referências datam
aproximadamente do ano 1500 a.C., há mais de 3000 anos, registradas pelos
antigos egípcios nos Papiros de Ebers. A primeira descrição clínica sobre a
doença foi realizada por volta do ano 1000 a.C., pelos gregos Celsus, Galen e
Aretaeus da Capadócia, sendo o último quem introduziu o termo Diabetes (do
grego dia = através / betes = passagem; ou simplesmente sifão) para designar a
doença, uma vez que a eliminação excessiva de água pelos pacientes
recordava-lhe a passagem de água através de um sifão. O adjetivo mellitus (do
latim, mel) foi acrescentado por Cullen no século XVIII, em função do sabor
adocicado da urina (Aita,
2002). Eu sei exatamente o que você deve estar pensando e
já adianto que não, eles não bebiam a urina para saber se ela era adocicada.
Eles atribuíram um sabor adocicado devido aos insetos que ficavam rondando a
urina desses pacientes.
Agora
falemos sobre a pimenta. Pimenta corresponde à nomenclatura comum dada a várias
plantas, seus frutos e condimentos deles obtidos, de sabor geralmente picante.Já o composto químico capsaicina (8-metil-N-vanilil 1-6-nonamida) é o
componente ativo das pimentas conhecidas internacionalmente como pimentas
chili, que são plantas que pertencem ao gênero Capsicum. É irritante para os
mamíferos, incluindo os humanos, e produz uma sensação de queimação em qualquer
tecido que entre em contato (Fonte: Wikipedia).
Mas
então, qual seria a possível relação entre esses termos aparentemente tão
divergentes? Até janeiro de 2012, praticamente nenhuma. No entanto, em janeiro
deste ano, Nevius e colaboradores (ref.) publicaram um artigo
interessantíssimo na Mucosal Immunology em que eles mostram de maneira bastante
elegante que a administração oral dessa substância da pimenta que causa a
tradicional queimação, a capsaicina, está relacionada com a diminuição da
ativação e proliferação de linfócitos T auto-reativos, exclusivamente em
linfonodos pancreáticos (e não nos demais), e protege animais suscetíveis (Nonobese diabetic - NOD mice) de desenvolverem o diabetes
auto-imune (tipo 1). Em outras palavras, capsaicina seria extremamente eficaz
na prevenção do DM1 e também na resolução da insulite em camundongos com
diabetes já estabelecido. O que chama a atenção no trabalho é que os autores
não poupam esforços para sanarem as dúvidas e para isso utilizam diversos
modelos experimentais, como por exemplo: camundongos NOD, camundongos BDC2.5
que possuem o TCR transgênico específico para antígenos da ilhota pancreática;
o modelo RIP-OVA, cujos animais expressam OVA como um auto-antígeno nas células
- beta das ilhotas de Langerhans. Além disso, utilizam linhagens como Balb/c e
C57BL/6 para provar que a administração de capsaicina teria um efeito
imunosupressor em linhagens diferentes, não se restringindo a uma ou outra
linhagem em específico; e por fim utilizam camundongos CD11b.DTR/NOD, em que a
administração de 25 ng de toxina diftérica faz com que haja a depleção de
células CD11b+. Este último modelo, por exemplo, é utilizado para
fechar o raciocínio de que macrófagos CD11bHi (mais especificamente,
CD11bHiF4/80+) são as células supressoras em questão no
linfonodo pancreático desses animais alimentados com capsaicina, uma vez que a
depleção dessa população CD11bHiF4/80+acabou
completamente com o efeito supressor observado com a administração oral de
capsaicina. Em suma, o modelo que os autores propõem é o de que a interação da
capsaicina com seu receptor, o vanilloid
receptor 1 (VR1) leva ao aumento de uma população CD11bHiF4/80+nos
linfonodos pancreáticos, que por sua vez irá passar a produzir mediadores
anti-inflamatórios, em especial, IL-10 e PD-L1. Esta população é essencial para
a supressão observada em camundongos NOD e essa supressão é dependente de
IL-10. Além disso, este é um fenômeno geral, uma vez que a adminitração oral de
capsaicina em diversas linhagens de camundongos levou ao aumento de uma
população CD11b+. Portanto, será que estamos apostando nossas fichas
no caminho errado? Ou seja, será que nossos olhos estão muito voltados paratrials de prevenção para o DM1 em
indivíduos de risco (positivos para auto-anticorpos como Anti-GAD e Anti-IA2,
sem sintomas da doença) que não tem dado resultados tão animadores quanto o
esperado, como é o caso do Diabetes
prevention trial, Nicotinamide prevention trial, trials com administração
oral de insulina (Fonte: Instituto Hermes
Pardini - Belo Horizonte) sendo que o caminho certo para a prevenção eficaz da
doença estaria localizado num aconchegante restaurante mexicano lotado de suas
comidas apimentadas, recheadas de capsaicina? Fica aqui a dúvida.
Post por Frederico Ribeiro - Mestrando FMRP-USP.
Mto bom o post.
ResponderExcluirParabéns, Frederico e João.
Há uma escuridão que parece tomar conta do mundo, onde explicações pseudocientíficas ocupam cada vez os espaços do meio de comunicação. Parabéns Frederico e João pelo "post" de hoje; o conhecimento científico feito uma vela que ilumina os dias de hoje e faz refletir sobre a os valores da racionalidade.
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