Um simples método para responder uma boa
pergunta: neutrófilo no canudinho.
Pessoalmente, eu sou um admirador do
neutrófilo. Talvez pela minha personalidade ansiosa, eu tenha me identificado
com esse leucócito. Os
mecanismos que regem a migração de neutrófilos para os locais de inflamação e
infecção estão em constante descoberta, e com os novos métodos de marcação
celular e de visualização da microcirculação in vivo (microscopia intravital), grandes avanços têm sido feito.
Hoje podemos observar de maneira muito precisa o relacionamento desses leucócitos
com o endotélio, o rolamento, a transmigração, o “crawling” e por último, o
extravasamento destas células para o meio extravascular. Esse processo, conhecido
como diapedese, envolve grande gasto energético e modificações drásticas no
citoesqueleto. Sendo assim, os neutrófilos migram sempre seguindo um gradiente
quimiotático (geralmente formado por quimiocinas e produtos bacterianos e/ou
necróticos). Entretanto, se estes produtos e mediadores – outrora presentes nos
tecidos - se disseminam também pela
circulação sistêmica, o tal “gradiente quimiotático” se extingue : o neutrófilo
não sai mais do vaso e se acumula em órgãos remotos ao sítio de inflamação (como
pulmão, fígado, cérebro). De fato, quando um neutrófilo é exposto a grandes
concentrações de agentes quimiotáticos, há uma polimerização aguda e geral do
citoesqueleto, levando a um quadro de paralisia celular ou de movimentos
errantes (quimiocinese), justificando em parte a retenção destas células na
microcirculação.
Os neutrófilos, por circularem por todo o
organismo, encontram as mais diversas formas de microcirculação pelo trajeto. Alguns
capilares (pulmonares, por exemplo) têm o lúmen bem menor (5um, em média) do
que o diâmetro do neutrófilo (em torno de 9-10 um). Assim, em condições
normais, os neutrófilos passam “espremidos” pelos capilares pulmonares. Essa observação, em conjunto com o exposto
acima, levou a seguinte pergunta: “seria o mecanismo de retenção de neutrófilos
em capilares de lúmen reduzido um ato meramente mecânico?”
Agora que vem a parte que eu considero
brilhante: como responder isso com um
método simples?
Para responder essa pergunta, o grupo do Dr
Downey usou ferramentas simples: neutrófilos e um tubinho de vidro.
Resumindo a história: o grupo purificou neutrófilos
e os forçou a passar por um tubinho de vidro (capilar) com a mesma espessura de
um capilar pulmonar. No trajeto, essas células eram acompanhadas e o tempo decorrido marcado. Em situações normais, os neutrófilos passaram numa boa pelo tubinho.
Entretanto, quando estas células foram pré-incubadas com um peptídeo
bacteriano (fMLP), elas não mais se “espremiam” no tubinho: elas ficaram presas dentro dele. Daí,
foi só confirmar que o movimento era independente de moléculas de adesão (CD11b) e
dependente de citoesqueleto (bloqueio de actina com citocalasina).
Pronto: Aceito na Science em 1989. Eu tinha 8 anos nesta época e nem imaginava que um dia eu iria trocar meu Atari por um microscópio...
Claro que não deve ter sido tão simples, e que
vários papers depois desse mostraram que moléculas de adesão podem sim, em
certas situações, participar do recrutamento de neutrófilos mesmo em capilares
muito finos. O que fica de brilhante, na minha opinião, é a ideia e a
capacidade de usar métodos não ortodoxos para explicar fenômenos biológicos. A
avalanche de anticorpos e animais geneticamente modificados é sensacional – mas
não deve minar a criatividade do cientista.
Referência: Mechanics of stimulated neutrophils: cell stiffening induces retention in capillaries.
Science. 1989 Jul 14;245(4914):183-6.
Gustavo, interessante a sua comparação com o canudo! :) Também gosto de observar e me impressiono com os métodos simples e criativos...
ResponderExcluirOi Cris: obrigado pelo post! Esses métodos me fascinam tb... Abraços!!!
ExcluirGustavo, cada vez que vejo, ouço e leio coisas deste gênero lembro de uma frase que traduz a minha paixão pela ciência: "A coisa mais bela que o homem pode experimentar é o mistério. É essa emoção fundamental que está na raíz de toda ciência e toda arte". Albert Einstein.
ResponderExcluirParabéns pelo post.
Gislaine
Oi Gislaine! obrigado pelo interesse. Compartilho de sua paixão pela ciência! Abraços!! Gustavo
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