O fim dos meus 3 meses
de doutorado sanduíche estão se aproximando e tive uma excelente oportunidade
de descobrir que tipo de ciência é feita aqui no IPMC (Institut de
Pharmacologie Moléculaire et Cellulaire – Valbonne, Sophia-Antipolis) com o
“Retraite Scientifique” antes de retornar ao Brasil. Basicamente, todo o
instituto se reúne num congresso onde seus estudos são apresentados de forma
oral ou em pôster. Tudo se assemelha muito a um “meeting” oficial, com
avaliação dos trabalhos e premiação.
A primeira coisa que me chamou
atenção foi a quantidade de laboratórios envolvidos em estudos neurológicos.
Desde evolução do cérebro humano até neuropatias, como autismo, epilepsia,
depressão e Alzheimer, passando por interações entre sistema nervoso e imune.
Nesta última área, está inserido meu orientador daqui, Nicolas Glaichenhaus:
Acredito que os cânceres eram o
segundo tema mais comum, porém alguns poucos se aventuravam na biologia da
divisão celular, reciclagem de receptor e doenças renais. Sim, é um instituto
com temas diversos, mas praticamente nenhum com estudos em humanos. Em quase todas
as apresentações apareciam os “knockouts”, quimeras e linhagens possíveis.
Uma das primeiras apresentações
que se aproximam de uma das áreas de estudos do LIMI-LIP, leishmaniose,
envolvia cicatrização. Roger Rezzonico, pesquisador do grupo de Pascal Barbry,
estuda o perfil e função de microRNAs na cicatrização da pele. Eles observaram
um acúmulo de miR-483-3p em culturas de queratinócitos humanos danificados por
arranhão e também em camundongos com feridas excisionais, na fase final de
fechamento da lesão. A expressão de miR-483-3p impede a proliferação de
queratinócitos danificados e seu
bloqueio mantém a progressão do ciclo celular, com atraso na expressão de
marcadores de diferenciação. Em modelo murino de câncer de pele, o grupo
detectou 47 miRNAs com expressão alterada durante a carcinogênese. Focando em
clusters significativamente reduzidos, eles mostraram que apenas 3 (miR-193b,
miR-365a e miR-708) inibiam crescimento celular, migração e sobrevivência de
células tumorais, reforçando sua função potencial como supressor tumoral.
No segundo dia, a
primeira palestra sobre como o cérebro e o sistema imune se regulam foi
ministrada por Nicolas Glaichenhaus. Sua introdução relembra que as respostas
imunes são reguladas por microorganismos, morte celular, mas também por sinais
dos sistemas nervoso e endócrino. Por outro lado, o sistema imune produz
citocinas que regulam a função do sistema nervoso central (SNC), que tem
efeitos no comportamento. Estes sinais compõem um circuito regulador que une
fisiologia com condições sociais e ambientais, percebidos pelo SNC e com papel
na “tomada de decisão” pelos leucócitos. Esta regulação do sistema imune
mediada pelo CNS otimiza o “fitness” total do organismo e aponta novas
oportunidades terapêuticas no controle de doenças infecciosas, inflamatórias e
neuropsiquiátricas. Ele cita, então, um estudo muito interessante de Cao e
colaboradores (DOI 10.1016/j.cell.2010.05.029),
onde os camundongos são mantidos em 2 tipos diferentes de gaiolas (Fig. 1):
·
Ambiente padrão: composto por maravalha, água e
ração (SE).
·
Ambiente enriquecido: com estímulos sensoriais,
cognitivos, motores e sociais (EE – Fig. 1 A).
Após 3 ou 6 semanas, células de
linhagem de melanoma (B16F10) foram implantadas por via subcutânea no flanco
dos camundongos. 2 semanas depois, foi observada redução significativa no
volume do tumor em camundongos provenientes do EE (Fig. 1 B). Além disso, a
taxa de crescimento do tumor ao longo do tempo e a presença de tumor sólido
visível foram reduzidas nos animais do EE.
Esta resistência ao tumor nos
animais EE estava associada com alterações no eixo endócrino e resposta imune
aumentada. As vias envolvidas servem como componentes de uma rede reguladora
maior que influencia a resposta do hospedeiro. Não é provável que apenas uma
única variável seja responsável por todos os efeitos do EE, mas é plausível que
alterações no cérebro tenham um papel central em vias periféricas como efetores
secundários.
Mas, como relacionar isso com o
ambiente em que nós, humanos, vivemos e qual sua influência no sistema imune? E
como estas vias podem ser alvos terapêuticos eficientes contra doenças
infecciosas em circunstâncias tão complexas? É importante ressaltar que são
descritos tipos diferentes de estresse: o “eustrese,” ou o que seria estresse
positivo e o “distresse”, ou estresse negativo, associado a ambientes
adversos/hostis. Este último já relacionado à disfunção de órgãos e supressão
do sistema imune (McEwen et al., 2007).
Referências:
Cao, Liu, Lin, Wang, Choi, Riban,
Lin and During; 2010. Environmental and genetic activation of a brain-adipocyte
BDNF/Leptin axis causes câncer remission and inhibition. Cell 142, 52-64.
McEwen; 2007. Physiology and
neurobiology of stress and adaptation: central role of the brain. Physiol. Rev.
87, 873-904.
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