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sexta-feira, 14 de junho de 2013

Por que pesquisar malária por Plasmodium vivax?


Vitor R R de Mendonça
Recentemente aconteceu a conferência “Advances in P. vivax Malaria Research” em Barcelona nos dias 28 e 29 de maio (2013). Com o apoio de grandes nomes da pesquisa mundial em malária vivax, o evento trouxe uma atmosfera científica de altíssima qualidade ao clima mediterrâneo. Visto que a distribuição mundial da malária por P. vivax encontra-se principalmente na Região Amazônica, Índia, Sudeste Asiático e países da Oceania, o encontro contou com pesquisadores, em grande parte, provenientes desses países endêmicos. Do Brasil, destacou-se a presença de muitos cientistas de Manaus e da FIOCRUZ (Centro de Pesquisas René Rachou), de Belo Horizonte.
Diversos foram os temas abordados durante a conferência, porém considero alguns mais importantes/polêmicos e que nortearam as discussões e a sessão de workshops específicos no dia seguinte. Começando pela Biologia de Sistemas, não posso deixar de comentar sobre o projeto MaHPIC (Malaria Host-Pathogen Interaction Center) coordenado pela Dra Mary Galinski, com múltiplas colaborações nos EUA e internacionalmente e grande financiamento, tentando entender a malária vivax em modelos de primatas e por uma análise integrada por sistemas.  Um dos grandes desafios na infecção por P. vivax é estudar a sua forma quiescente hepática hipnozoíta, responsável pelas recidivas da doença. Já que fazer uma biópsia hepática humana em indivíduos infectados não seria um estudo viável, descobriu-se um modelo de camundongo humanizado knockout para algumas moléculas do sistema imune que consegue expressar até 90% de hepatócitos humanos. Este modelo experimental está sendo usado para tentar desvendar mais sobre a biologia do hipnozoíta, com destaque para testes terapêuticos. 
No que se refere ao tratamento, um dos grandes debates do evento foi sobre a resistência medicamentosa. Apesar de muito eficaz contra as formas sanguíneas do plasmódio, estão aumentando os casos de resistência à cloroquina com documentação de 10% na Região Amazônica Brasileira. A primaquina, por sua vez, responsável por evitar as recidivas da malária vivax, permanece como única droga disponível para este papel. Mesmo sendo uma medicação imperfeita pois apresenta muitos casos de recidiva e morbidade em pacientes com deficiência de G6PD, ainda é a melhor opção disponível. Um grande estudo clínico multicêntrico (incluindo o Brasil, em Manaus) financiado pela empresa GSK está sendo desenvolvido com a tafenoquina, como alternativa à primaquina. Sabe-se que o uso da primaquina em indivíduos com deficiência de G6PD pode causar intensa hemólise e levar a casos graves com óbito, sendo assim a identificação antes do início do tratamento desses pacientes é um relevante problema. Belos estudos epidemiológicos foram apresentados sobre a distribuição mundial de G6PD no mundo e no Brasil. Pouco se comentou sobre vacinas, o único estudo clínico em andamento com P. vivax a formulação já demonstrou não ser eficaz.
A malária grave por P. vivax no Brasil foi um tema importante no evento. Dr Marcus Lacerda apresentou um interessante trabalho com autópsias de pacientes que morreram por malária vivax e identificou-se a ruptura esplênica e insuficiência respiratória aguda como importantes causas de óbito. Dr Quique Bassat apresentou dados preliminares de um grande estudo clínico-epidemiológico com casos de malária vivax grave do Brasil e Índia, comparando as formas da doença em diferentes etnias. Dr. Kochar da Índia mostrou seu importante trabalho clínico com malária grave por P. vivax. Na discussão sobre gravidade na infecção pelo P. vivax, destacou-se a bacteremia, desnutrição e presença de coinfecções como fatores confundidores no diagnóstico da malária vivax grave.  Em relação à biomarcadores de gravidade na doença, tive a oportunidade de apresentar alguns dados do grupo. Comentei sobre os estudos mostrando a importância do TNF-alfa, IFN-gama e IL-10 na imunopatogênese e resposta ao tratamento, o papel da SOD-1 (superóxido dismutase-1) como confiável biomarcador de gravidade, e alterações genéticas na via de regulação sistêmica do heme e susceptibilidade à sintomatologia da doença. Destaquei o recente trabalho com a análise da resposta imune dos pacientes com malária através da análise por networks, em que observamos um padrão de interação entre moléculas do sistema imune de acordo com o grupo clínico (figura abaixo). Encontramos que a IL-4 é uma importante citocina nos casos de malária assintomática e que a SOD-1, HO-1 (heme-oxigenase 1), TNF-alfa e IFN-gama estão altamente associadas nos casos de malária grave que evoluíram para óbito. 
Na mesa de encerramento da conferência com representantes de países endêmicos, alem do debate sobre os tópicos acima mencionados, teve uma fervorosa discussão sobre a importância da identificação dos casos de malária assintomática já que têm parasitemia baixa e são reservatórios na manutenção da doença, e a validez da polêmica terapia medicamentosa em massa.
Respondendo a pergunta do titulo, percebe-se que a malária por P. vivax permanece com muitos tópicos obscuros e negligenciados, visto que foi considerada até poucos anos atrás apenas uma doença benigna, e que a patologia em que 2,3 bilhões de pessoas do mundo estão sob risco de transmissão possui muitos campos para pesquisa científica e desenvolvimento terapêutico e tecnológico. 

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Um comentário:

  1. Beleeeeza Barral,

    Eu estava mesmo super curioso sobre como foi esse evento. Parabéns pelo excelente trabalho apresentado. São realmente descobertas relevantes as das citocinas associadas com gravidade e a IL-4.

    Será que alguém poderia postar algo sobre o Keystone Meeting que ocorreu em Ouro Preto em Maio? Tb queria saber quais foram os highlights.

    Grande abraço.

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