A imuno -
endócrino virou assunto de moda há certo tempo, e fez com que novas questões
tenham se levantado sobre os mecanismos de resposta ao estresse, e como estes
afetam o sistema imune.
Esses dias
estava lendo um pouco sobre modelos de indução de estresse, e me deparei com um
artigo sobre o comportamento de camundongos sob condições diferentes de
temperatura e quantidade da maravalha, que mostrou que os animais de diferentes
linhagens parecem achar mais confortável a temperatura entre os 26 e 29 ºC (e
não os costumados 19-22 º C) [1]. Isso necessariamente nos leva a uma pergunta:
será que a resposta fisiológica de camundongos usados como modelos
experimentais é um artifício?
Aí encontrei
outro artigo de perspectiva publicado na JEM acerca do potencial efeito
negativo das condições de temperatura normalmente usadas em biotérios, sobre a
fisiologia de camundongos pretendidos como modelo experimental de algumas
condições fisiopatológicas, e que poderia ajudar a entender por que o
camundongo parece não ser um bom modelo às vezes [2].
Quem disse que
19-22º C é uma temperatura “normal”?
Não que pense
que o fato que as condições “padrão” de manutenção de camundongos nos biotérios
mantenham os animais estressados por frio seja suficiente para rejeitar o
camundongo como um excelente modelo experimental de diversas patologias. Ou que
as inúmeras descobertas sobre os mecanismos imunológicos realizadas em modelos
experimentais em camundongos e depois extrapoladas para seres humanos estejam
erradas.
Mas,
considerando que os animais parecem estar mais confortáveis em ambientes mais
aquecidos do que a Temperatura Ambiente (camundongos mantidos em temperaturas
mais cálidas apresentam uma redução importante da frequência cardíaca quando
comparados a aqueles mantidos em condições de "Temperatura Ambiente"
[3]), tal vez vale a pena considerar
acertar o termostato do biotério. Isso poderia ter um impacto
importante nas nossas observações em resposta a infecções. E na indução de
febre então? [4, 5, 6].
Camundongos
mantidos em condições “padrão” apresentam um metabolismo elevado em resposta a
essas baixas temperaturas, o que poderia levar a uma resposta de base
totalmente alterada. Particularmente importante em estudos sobre o metabolismo
energético e resposta a fármacos, por exemplo.
Os efeitos das
baixas temperaturas na resposta imune frente a diversas infeções têm sido
abordados em alguns estudos [7, 8]. Por exemplo, camundongos BALB/c
submetidos a estresse por frio (4º C por 4 h durante 7d ), apresentam
macrófagos com capacidade fagocítica diminuída, baixa produção de citocinas
TNF-alfa e IL-6 e aumento da produção de IL-10. Ainda, os macrófagos destes animais
levam à produção de citocinas reguladoras e favorecimento da proliferação de T.
cruzi quando cultivados com células do baço e infectadas. Estes efeitos
reguladores estavam correlacionados com um aumento na expressão de
11β-hidroxiesteróide-desidrogenase, (um enzima que converte a inativa
glucocorticóide na sua forma ativa) nos macrófagos. (Prata da casa, [9]).
E se os animais fossem mantidos em condições de temperatura mais “fisiológicas”? Qual
seria o efeito dos neurotransmissores envolvidos na resposta metabólica ao
frio, sobre as diversas células da resposta imune?
Estudos
anteriores mostraram que a exposição a baixas temperaturas induz “ativação
alternativa” em macrófagos, caraterizada entre outras coisas pela produção de
noradrenalina [10] (discutido aqui no
blog, repetidamente [11, 12, 13]).
No final de
contas, a "Temperatura Ambiente" no biotério é para conforto do
pesquisador, ou para manter condições fisiológicas dos animais?
Fantástico! ótimo levantamento!
ResponderExcluirAfinal, quem determinou essa temperatura ambiente "padrão"? foi um numero cabalistico ou resultado de estudo da biologia do camundongo? Pelo post, parece que baseado em estudo é que não foi rs
Temos que fazer a lição de casa e acertar os pormenores para fazermos um trabalho bem feito. Muito útil esta informação do post Fredy, parabéns
Olá Gabi,
ExcluirObrigado pelo comentário.
Além da temperatura temos que lembrar outras caracteristicas do animal, se colocando no lugar dele mesmo. Imagine o stress desses animais ao sentir com seu incrível olfato a cheiro de sangue de outros animais sacrificados no mesmo local. A manipulação por vários tratadores e compartilhamento do biotério com animais de especies diferentes também é um grade problema
Excluirrecomendo a leitura desses incríveis artigos:
http://www.slate.com/articles/health_and_science/the_mouse_trap/2011/11/lab_mice_are_they_limiting_our_understanding_of_human_disease_.html
Olá Rafael,
Excluirobrigado pelo comentário. E pelo interessante link. Já conhecia esses artigos, mas acredito que outras pessoas aqui no blog nao.
O assunto do post era centrado na temperatura de manutencao do bioterio, considerando que o sistema imune pode ser modulado (de uma forma que está comecando a ser entendida) pela exposicao a temperaturas baixas (e quem sabe altas também).
Certamente tem mutos outros aspectos que podem e devem ser consideradas. Nao so como uma questao de "humanismo" (termo que pode ser interpretado de diversas maneiras) ao se colocar no lugar do camundongo, mas também como cientistas, no sentido de melhorar os protocolos, em pró do melhor entendimento de processos (fisio)patológicos.
Abs
F
Muito bom mesmo!!!!! As condições do biotério, incluindo a temperatura com toda absoluta certeza influencia drasticamente nos nossos resultados. Para aperfeiçoar os estudos é necessário adequar melhor o ambiente dos nossos camundongos.
ResponderExcluirOlá Fredy,
ResponderExcluirjá tinha ouvido esta história, mas continuo achando isso estranho. Camundongos selvagens vivem na zona temperada do hemisfério norte em temperaturas abaixo de 20C de setembro a maio (3/4 do ano)e bem abaixo disto nos meses de inverno...
Nao estou conseguindo ver o artigo do JEM no link.
Vc pode mandar a ref?
obrigada.
abs
Maria.
Olá Maria,
ResponderExcluirObrigado pelo comentário.
Certamente os camundongos selvagens estao expostos a condicoes extremas onde existem estacoes. Ja os camundongos dos bioterios tem sido submetidos por geracoes a estas condicoes de temperatura e outras condicoes deos bioterios.
Sem sugerir que isso inabilita o camundongo como modelo experimental (ate os seres humanos estamos sujeitos a diferentes condicoes climaticas), acho que, a luz dos estudos que mostram que a exposicao ao frio modula a resposta imunologica, a gente deveria considerar essa variavel o máximo possível.
O link para o artigo de perspectiva da JEM http://jem.rupress.org/content/209/6/1069
Abs
Sensacional!!! Acho que temos a obrigação de pensar em nossos experimentos com o todo... avaliando (como a Gabi disse) os pormenores que podem fazer toda a diferença! Vamos acertar esses termômetros minha gente...
ResponderExcluirAté concordo com essa questão da temperatura do ambiente onde camundongos selvagens vivem, bem como nós seres humanos. Mas, volto a dizer o mesmo que sempre digo aos meus colegas de Ribeirão Preto quando eu reclamo de estar com frio (seja por causa do ar condicionado ou do clima mesmo) e eles me diz: "Mas bah gaúcha, nem parece que é do sul tche!", minha resposta é: No sul é frio sim, mas eu nao passo frio lá, tenho agasalho apropriado e dentre de casa tem lareira e fogao a lenha pra tornar o ambiente agradável. Assim, como bióloga, acredito que mesmo os camundongos selvagens não vivem o tempo todo ao ar livre. Pelo contrário, ficam em tocas, quentinhas, e todos amontoadinhos para se aquecerem e aí sim ficarem em condições agradáveis. Pinguins tbm fazem isso. Temperatura ambiente é uma coisa, temperatura corporal é outra. E o mais agradável e fisiológico é uma temperatura ambiente que favoreça a manutenção natural da melhor temperatura corporal, ou nao? Sem passar calor nem frio, né?
ResponderExcluirEu adorei esse post! Ele veio num momento muito certo!
ResponderExcluirE realmente, concordo com o que foi dito aqui em cima: temperatura ambiente é uma coisa, temperatura corporal é outra. Até porque, nós precisamos produzir calor né...?