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quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Seria a inflamação parte da solução, e não do problema?

Ao longo dos últimos anos vem ficando cada vez mais claro que um estado de inflamação crônico de baixa intensidade é crucial para a patogênese da obesidade e de várias desordens metabólicas como a resistência a insulina. Humanos e camundongos obesos apresentam inflamação crônica, e o bloqueio de diversas vias inflamatórias gera uma melhora funcional da insulina e reduz a patogênese metabólica.

Já foi demonstrado que o aumento da extensão do tecido adiposo promove este estado de inflamação crônica de baixa intensidade na obesidade (Hotamisligil & Erbay 2008, Nature Rev Immunol). Além disso, já se sabe que esta expansão do tecido adiposo, caracterizada pelo aumento dos adipócitos, é quem comanda a grande infiltração de macrófagos no tecido adiposo (Odegaard & Chawla 2008, Nature Clin Prct Endocr Met). Assim, o aumento desse ambiente inflamatório contribui para a produção de citocinas pró-inflamatórias como IL-1 beta e IL-18. Vários ótimos artigos tem sido publicados demonstrando que o inflamasoma é um fator crucial na indução e manutenção de doenças como diabetes tipo 2 (Master et al. 2011, Science Transl Med), obesidade (Horng & Hotamisligil 2011, Nature Med) e resistência a insulina (Stienstra et al 2011, PNAS).

Entretanto, indo contra a esta visão compartilhada por vários grupos por longa data, pesquisadores da Harvard Medical School reportaram 2 novas proteínas ativadas pela inflamação, que são na verdade cruciais para a manutenção dos níveis de açúcar no sangue, e além disso a indução do aumento da atividade destas proteínas pode normalizar os níveis de açúcar sanguíneo em camundongos obesos com obesidade severa. O estudo foi publicado na Nature Medicine deste mês de Setembro. O pesquisador que comandou o estudo, Dr. Umut Ozcan, disse em entrevista que este achado é completamente contrário ao dogma geral no estudo da diabetes em que se acreditava que o estado de inflamação crônica de baixa intensidade na obesidade causa a resistência a insulina e a diabetes tipo 2. O pesquisador finaliza dizendo que por 20 anos a inflamação tem sido considerada prejudicial neste contexto, mas na verdade ela é benéfica.

O grupo do Dr. Ozcan tem demonstrado previamente que a obesidade gera estresse no retículo endoplasmático, e assim prejudica a resposta à insulina na manutenção apropriada dos níveis de glicose e se torna fator chave que liga a obesidade e diabetes tipo 2. De fato, a descoberta do estresse do retículo endoplasmático como um mecanismo central que liga o estresse metabólico à resistência a insulina/diabetes tipo 2, bem como os mecanismos envolvidos neste processo, é foco de estudo de outro grupo de pesquisadores da Harvard liderado pelo Dr. Gokhan Hotamisligil, que é mundialmente conhecido pelas suas contribuições neste tema.

A nova e controversa visão de que a inflamação pode ser benéfica neste contexto de obesidade/resistência a insulina/diabetes tipo2 veio com a publicação de alguns artigos pelo grupo do Dr. Ozcan que demonstrou que uma proteínas chamada XBP1 que diminui o estresse no retículo endoplasmático, não está funcional em camundongos obesos. Em seguida, eles demonstraram que a ativação artificial da XBP1 no fígado normaliza os níveis de açúcar sanguíneos em camundongos obesos, resistentes à insulina e com diabetes tipo 2, bem como em camundongos magros deficientes em insulina, com diabetes tipo 1). O último artigo do grupo mostra que uma segunda proteína ativada por sinais inflamatórios, a p38MAPK, quimicamente altera a XBP1 aumentando a sua atividade, e que sem tais alterações XBP1 não pode ajudar a manter os níveis de açúcar no sangue normais. O estudo mostra ainda que camundongos obesos apresentam uma redução da atividade da p38MAPK, e que a re-ativação da p38MAPK no fígado reduz o estresse no rretículo endoplasmático, aumenta a sensibilidade à insulina e a tolerância a glicose, e significativamente reduz os níveis de glicose sanguíneos.

Este estudo sugere um novo modelo para o entendimento da diabetes tipo 2, no qual a obesidade poderia interferir na habilidade das células em responder aos sinais inflamatórios, ou seja, a inflamação, neste caso, seria benéfica.

Fica aí o que pode ser mais uma importante mudança de paradigma no estudo do papel da inflamação na obesidade, resistência a insulina e diabetes tipo 2.


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