Durante décadas, o DNA foi matéria de discussão exclusiva dos grandes centros acadêmicos, estando longe de fazer parte de conversas corriqueiras de amigos e familiares em bares ou em mesas de jantar. Essa realidade mudara em 1995 quando a mídia, ao mostrar para o mundo o julgamento, por assassinato, de JO Simpson, trouxera o DNA Finger printing para lares de todo o mundo. Desde então o termo biologia molecular tornou-se vocábulo comum. Nenhuma disciplina da área biológica jamais experimentou nem a explosão em crescimento nem a popularidade vivenciada hoje pela biologia molecular. O termo biologia molecular parece ter sido utilizado pela primeira vez por Waren Waver em um relatório que escrevera para a fundação Rockfeller em 1938, que salientava “ entre os estudos para os quais esta fundação dá suporte há uma série em um campo relativamente novo, a que se pode chamar biologia molecular”. Astbury, que utilizou o termo pela segunda vez em 1939, frizou que biologia molecular “não é bem uma técnica, mas uma abordagem, uma abordagem do ponto de vista das chamadas ciências básicas, com a idéia predominante de buscar, abaixo das grandes manifestações da biologia clássica, o plano molecular correspondente. Para Astbury, esta nova abordagem estaria particularmente interessada com a forma das moléculas biológicas, sendo predominantemente estrutural e tridimensional, sem resumir-se, no entanto, a um mero refinamento da morfologia.
O ritmo acelerado da investigação biológica com as ferramentas oferecidas pela biologia molecular moderna tem atiçado a curiosidade intelectual e provocado mudanças na maneira pela qual entendemos processos biológicos complexos. Um exemplo notável de tais mudanças está acontecendo agora no entendimento das bases moleculares que dão sustentação ao processo de rejeição humoral no contexto do transplante renal. De fato, uma nova visão da interação HLA-anticorpo no contexto do transplante tem emergido dos trabalhos de Rene Duquesnoy. Para este pesquisador epitopos funcionais de moléculas HLA estão representados por “placas” de aminoácidos não próprios expostos na superfície da molécula, rodeados por outros resíduos de aminoácidos dentro de um raio de 3-Å. A estes resíduos Duquenoy denominou eplets. O raciocínio por trás da rejeição baseada no reconhecimento de eplets é que, diferentes moléculas HLA serão reconhecidas pelo mesmo anticorpo se tais moléculas HLA compartilharem um ou mais eplets que sejam reconhecidos por tal anticorpo. O impacto imediato resultante dessa hipótese é que a caracterização de anticorpos Eplet específicos é útil para identificar incompatibilidades aceitáveis (AMM, acceptable mismatch). Nesse sentido, AMM são antígenos HLA que diferem de antígenos HLA do próprio paciente, mas que não possuem eplets reconhecidos por anticorpos pré formados presentes no receptor. Percebendo que o estabelecimento AMM aumenta as chances de transplante em pacientes altamente sensibilizados, Duquesnoy e colaboradores desenvolveram HLAMatchmaker, um algoritmo de compatibilidade doador-receptor capaz de identificar tanto os eplets reconhecidos por anticorpos do receptor, quanto as moléculas HLA em que tais eplets estão presentes. Este algoritmo, que foi validado pelo grupo Eurotransplante, permite uma melhor alocação de órgãos (rins) para receptores altamente sensibilizados aumentando a taxa de transplante e diminuindo o tempo em lista de espera para estes pacientes.
Estamos vivenciando uma mudança de paradigma na imunologia do transpalnte onde as moléculas HLA (Human Leukocyte Antigens) passam a ter papéis coadjuvantes em detrimento dos atores principais, os eplets? Devemos considerar ambos HLA e HLE (Human Leukocyte Eplets) quando da avaliação dos riscos de rejeição mediada por anticorpo?
Adalberto Socorro da Silva
Professor adjunto da Universidade Federal do Piauí (UFPI)
Subcoordenador do Laboratório de Imunogenética e Biologia Molecular da UFPI
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