A leishmaniose mucosa (LM) nas Américas está principalmente associada com a L. (V.) braziliensis, espécie reconhecida como o mais importante agente etiológico da doença. L. (V.) panamensis, L. (V.) guyanensis L. (L.) amazonensis também têm sido associadas com o LM. LM se desenvolve como uma complicação da Leishmaniose cutânea (CL) em cerca de 5% dos pacientes, por metástasis dos parasitas pelo sistema linfático para colonizar o mucosas. Pacientes com LM apresentam úlceras destrutivas da mucosa, deixando os indivíduos afetados desfigurados e propensos a infecções bacterianas secundárias do aparelho respiratório, e desnutrição. A LM é mais resiistente ao tratamento com antimonial. Em áreas endêmicas, a maioria dos indivíduos expostos são capazes de controlar a infecção. Como uma doença de herança complexa, a leishmaniose varia e é determinada por fatores ambientais, pelo inseto vetor e fatores genéticos do parasita e do hospedeiro (1-2).
A resposta imune do hospedeiro ao parasito difere de acordo com a forma clínica da doença em relação à resposta celular a antígenos de Leishmania sp. A LM está associada a uma persistente resposta imune com elevados níveis de mediadores inflamatórios como TNF-α, CXCL10, e CCL4, e uma elevada atividade citotóxica mediada por célula T(3-4). Pacientes com LM tendem a ter uma resposta de DTH maior do que pacientes LC, bem como maiores concentrações séricas de IFNγ, IL-2, IL-5 e TNF-α (3). Os indivíduos com LM têm menor produção de IL-10 e menor resposta moduladora à adição desta citocina do que aqueles com LC (6). Adicionalmente, as lesões de indivíduos com LM apresentam quantidade maior de linfócitos T CD4+ e T CD8+ produtores de IFN-γ do que as lesões de LC, além de apresentarem menor número de células e menor intensidade de expressão de receptor de IL-10. Os indivíduos com LM apresentam também maior expressão de marcadores de ativação e memória (CD62L low, CD69+, CD45 RO+) no sangue periférico ex vivo do que indivíduos com LC, sendo demonstrada uma maior dificuldade de suprimir a produção de IFN-γ destes indivíduos com LM com bloqueio de diversas citocinas (7). Recentemente, foi descrito que a IL-17 pode estar associada à patogênese da LM, uma vez que, linfócitos de indivíduos com LM produzem maiores quantidades de IL-17 que linfócitos de controle não infectados (8) e a presença das células Th17 na lesão foi associada aos neutrófilos e a destruição tecidual (9).
A resposta imune pode ser influenciada por fatores genéticos do hospedeiro. Neste contexto, estudos mais recentes descrevem a influência de fatores genéticos nas Leishmanioses Visceral e Tegumentar, com relatos de agregação familial na Leishmaniose Mucosa (LM) (10). Na leishmaniose tegumentar, foram descritos polimorfismos na região codificante do gene de TNF-β e associação entre o alelo 2 do polimorfismo -308 bp do TNF-α relacionados com a Leishmaniose Mucocutânea na Venezuela (11). Estudo do polimorfismo na posição -819C/T na região promotora do gene de IL-10 em infectados por L. brasiliensis, mostrou que o alelo C está relacionado com o risco aumentado de leishmaniose cutânea (LC) na Bahia, além de demonstrar que o genótipo CC está associado com maior produção de IL-10 do que os outros genótipos CT e TT (12). Castellucci et al, 2006, através de estudo caso-controle e de análise baseada em famílias (FBAT), demonstraram uma associação entre o alelo C do polimorfismo -174 G/C do gene de IL-6 com LM, além de documentar uma menor produção desta citocina pelos indivíduos com o genótipo CC baixo produtor da citocina (13). Em outro estudo, foi demonstrada uma associação entre o alelo comum C de CXCR1 com LC e do alelo mais raro G deste polimorfismo com LM, além do polimorfismo de inserção/deleção 3´ em SLC11A1 com LC (14). Foi também observada uma associação entre LM e o genótipo recessivo GG do polimorfismo de CCL2/MCP-1 na posição -2518, sendo também dosados maiores níveis de MCP-1 no plasma e em macrófagos de indivíduos com este genótipo, comparados com aqueles com o genótipo AA (15). Estes dados sugerem a importância de elementos da resposta imune inata, que influenciam a migração e ativação de fagócitos e os primeiros eventos da resposta à infecção por Leishmania na definição das formas clínicas da doença.
Por outro lado, fatores do parasita contribuem para o pleomorfismo clínico das leishmanioses. Diversos estudos mostram uma correlação entre os genótipos do parasita e formas clínicas (3). Questionamentos sobre como uma lesão de LC primária leva a metástases e evolui para LM e que fatores devem estar envolvidos no direcionamento do parasito para o nasofaringe foram investigados por Ives et al(16) em um artigo publicado na Science (http://www.sciencemag.org/content/331/6018/775.full). Eles demonstraram que os clones de L. guyanensis (L.g.M+), que desencadeiam lesões secundárias mucosas, são parasitados por um arbovírus chamado Leishmania RNA virus 1(LRV1). O parasitismo de Leishmania por essse vírus de RNA fita dupla foi primeiramente descrito há 20 anos (17). Os clones L.g.M+ ou o LVR1, isoladamente, induzem concentrações elevadas de citocinas e quimiocinas inflamatórias (TNF-α, IL-6, CXCL10 e CCL5) em macrófagos mediados por via TLR3 e TRIF. Na metástase a presença do LVR1 é responsável pela ativação de macrófagos e amplificação da resposta inflamatória aos antígenos de leishmania (5). http://www.nature.com/nature/journal/v471/n7337/full/471173a.html).
Esse trabalho foi publicado em fevereiro recentemente comentado por Phillip Scott e Martin Olivier, no New England Journal of Medicine e na Nature, respectivamente. Esses autores, a partir desse trabalho sugerem alguns questionamentos sobre a LM, repoduzo-os a seguir para pensarmos um pouco:
Leishmania — A Parasitized Parasite
Scott, Phillip Ph.D.
“However, the data presented in this study suggest that LRV1 may greatly amplify the responses of macrophages after interaction with leishmania parasites. How this effect on macrophages promotes metastasis has yet to be determined.”(18)
“Moreover, it will be important to determine whether the virus influences primary leishmania infection. For example, early after infection with L. braziliensis, some patients have an exaggerated immune response that is manifested by dramatic lymphadenopathy before the development of a cutaneous lesion.5 Could this exaggerated response be due to the presence of the LRV1, and could it promote early dissemination of the parasite? Finally, if the presence of LRV1 is indeed linked to an increased incidence of severe leishmania-induced disease, screening for the virus could become an important part of diagnosis.”(18)
“ If the authors' hypothesis is borne out, patients infected with strains of leishmania containing LRV1 might be treated more aggressively at the time of diagnosis to prevent the development of mucocutaneous disease.”(18)
Host–pathogen interaction: Culprit within a culprit
Martin Olivier
“Ives et al. hypothesize that, early in the course of an infection, LRV1 dsRNA is released from dead parasites that could not survive within macrophages. Could this be so? The same team reported previously that L.g.M+ parasites are more resistant to reactive oxygen species and nitric oxide, which would make them better at resisting the harsh environment inside macrophage phagosomes compared with parasites that are not infected with viruses. This could be why, despite L.g.M+ parasites inducing a stronger immune response, L.g.M+-infected animals develop greater footpad swelling and a higher parasite burden.
Another question is whether the aflagellate intracellular form of the Leishmania parasite, which can migrate to the host's nasopharyngeal tissues, is as effective at inducing an inflammatory response as its predecessor flagellate form, which is inoculated into the host by the sand-fly vector. Without knowledge of the cellular and molecular mechanisms underlying the tropism of L.g.M+ parasites, how mucocutaneous leishmaniasis progresses remains a mystery. Nevertheless, Ives and co-workers' paper1 is important for providing the first evidence of how a 'pathogen' within a pathogen can modify the course of an infection.”
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2. Sakthianandeswaren A, Foote SJ, Handman E. The role of host genetics in leishmaniasis. Trends Parasitol. 2009 Aug;25(8):383-91.
3. Reithinger R, Dujardin JC, Louzir H, Pirmez C, Alexander B, Brooker S. Cutaneous leishmaniasis. Lancet Infect Dis. 2007 Sep;7(9):581-96.
4. Faria DR, Gollob KJ, Barbosa J, Jr., Schriefer A, Machado PR, Lessa H, et al. Decreased in situ expression of interleukin-10 receptor is correlated with the exacerbated inflammatory and cytotoxic responses observed in mucosal leishmaniasis. Infect Immun. 2005 Dec;73(12):7853-9.
5. Olivier M. Host-pathogen interaction: Culprit within a culprit. Nature. 2011 Mar 10;471(7337):173-4.
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16. Ives A, Ronet C, Prevel F, Ruzzante G, Fuertes-Marraco S, Schutz F, et al. Leishmania RNA virus controls the severity of mucocutaneous leishmaniasis. Science. 2011 Feb 11;331(6018):775-8.
17. Stuart KD, Weeks R, Guilbride L, Myler PJ. Molecular organization of Leishmania RNA virus 1. Proc Natl Acad Sci U S A. 1992 Sep 15;89(18):8596-600.
18. Scott P. Leishmania--a parasitized parasite. N Engl J Med. 2011 May 5;364(18):1773-4.
Tatiana Moura, Joyce Oliveira, Roque Almeida e Amelia de Jesus
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