2011-MAIO-07-O que se faz
Aquilo que se pergunta delimita as respostas possíveis. Aquilo que imunologistas observam e descrevem como fenômenos imunológicos, resulta de suas intervenções sobre a dinâmica do organismo e/ou componentes do organismo, orientadas por um modo de ver. A busca e caracterização de atividades específicas em imunoglobulinas as transforma em anticorpos. Mas o organismo não produz, originalmente, anticorpos. Ao surgirem no organismo, as imunoglobulinas carecem da direcionalidade implícita na busca e caracterização dos anticorpos. Levado a sério, este entendimento leva a uma revisão radical dos objetivos da pequisa imunológica e do ensino da Imunologia.
Um aspecto importante das últimas décadas de pesquisa em imunologia foi seu afastamento gradual dos conceitos de “tolerância natural” e “doenças autoimunes” que surgiram com a teoria de Seleção Clonal (Burnet, 1959). Não existe uma “auto”-reatividade que possa ser destacada da atividade imunológica como um todo, portanto, o prefixo “auto” deverá ser extinto na imunologia. São abundantes as imunoglobulinas reativas entre si mesmas (Jerne, 1974) e com componentes do organismo (Avrameas, 1991), assim como linfócitos T ativados reativos com peptídeos autólogos (Pereira et. al, 1986). E se todos os anticorpos são anti-idiotípicos, como Jerne propôs (Jerne, 1974), então, os “auto”-anticorpos deixam de ser uma categoria especial e perdem seu sentido.
É impossível ver e compreender este enredamento global de moléculas e células voltado sobre si mesmo, enquanto se busca e caracteriza atividades específicas em imunoglobulinas as transformamos em anticorpos com alvos individualizados (específicos). Por outro lado, quando as imunoglobulinas “naturais” presentes em organismos sadios não imunizados são testadas frente a misturas complexas de ligantes (Nóbrega et al., 2002) ou sobre micro-array de centenas de proteinas (Madi et al., 2011), surgem padrões definidos e robustamente estáveis, fruto da conectividade interna do organismo. Mesmo com esta metodologia ainda tosca de análise do reconhecomento de padrões, já foi possível correlacionar mudanças definidas (não aleatórias) em diversos estados patológicos, como doenças autoimunes (Ferreira et al., 1997) e parasitoses crônicas (Vaz et al., 2001; Fesel et al., 2005).
A fisiologia imunológica nunca poderá ser descrita em termos de anticorpos específicos ou clones de linfócitos individualizados porque ela não se realiza assim, não está desmembrada em elementos moleculares e celulares, embora seja composta pelos mesmos. É necessário adotar uma maneira de ver onde seja possível decompor um “sistema imune” em uma hierarquia de subsistemas (Madi et al., 2011) e definir suas relações relação com outros sistemas orgânicos,para depois analisar como tudo isto colabora na construção do organismo como um sistema dinâmico maior.
A “defesa” imunológica, aquilo que se reforça por meio de vacinas e soros anti-infecciosos, é um resultado do que se passa e não o mecanismo do que se passa. A “defesa” imunológica é uma decorrência do fluir de processos fisiológicos e não deveria ser atribuída a uma divisão especial do organismo. Quando este fluir do viver resulta na continuidade do viver, podemos legitimamente comentar que o organismo “se defendeu”, mas esta é uma parte de nossos comentários, não uma parte deste fluir do viver.
Avrameas, S. (1991) Natural antibodies: from 'horror autotoxicus' to 'gnothi seauton'.
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Burnet, F.M. (1959) The Clonal selection theory of acquired immunity.
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Vaz, N.M., C., F., Nóbrega, A., Silva Neto, A.F., Secor, W.E. and Colley, D.G. (2001) Severity of schistosomiasis mansoni in male CBA mice is related to IgG profiles reacting with mouse liver extracts in Panama-blots. In: XVI Reunião Annual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FESBE), Caxambu MG, p. 136 (24.003)
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