O mais
louco de tudo não foi descobrir a imunologia quase escondida dentro da
medicina, mas é encontrar a imunologia também no teatro. Isso dá mesmo a
sensação de estar pensando na direção certa. Depois, então, você olha para a
sociedade e vê os mesmos problemas que se apresentam de novo: competição,
especialização, atores isolados, destino, história, desenvolvimento, evolução.
Na verdade estamos falando do óbvio, do cotidiano, da visão de mundo de cada
cidadão, seja ele cientista, jornalista, cantor, ator, gari, dona-de-casa,
mendigo, professor. Como é complexo tratar do óbvio, do que é silenciosamente
aceito, questionar o que não devemos, ao menos fomos adestrados para
questionar. “Pára de falar, menino!”, “Não mexe aí, garota!”, “Pára de
incomodar um minuto!”, “Você tem que ser o melhor!”. Daí você vai passando pela
vida, pelas rodas de conversa, pelas salas de aula, como um turista
desinteressado, e vai comendo pelas beiradas, vivendo pela metade, querendo só
se dar bem, olhando as pessoas sem olhar nos olhos, julgando pelas aparências,
deixando se orientar pelo que ouviu dizer, o que você ouve no salão de
cabeleireiro, na fila do banco, ou o que a mamãe falou. Você vai vivendo uma
vida de torpor induzido pela televisão, ou pela pílula de tarja preta que toma
há 30 anos para suportar tanta mediocridade em que está imerso.
Então
fica tão difícil falar do óbvio, que sem conhecer o óbvio, o básico, o
fundamental, desembestamos a contrariar a natureza, a biologia, também
conhecida como Deus segundo Spinoza. Da imunologia passando pelo teatro e nossa
vida em sociedade testemunho a agonia dos sentimentos, a tristeza, a depressão,
a frustração pelos lugares onde ando, a maioria confusos, desmotivados, sem
horizonte, com seus afetos embotados, sem libido para nada que não seja
diversão de massa com apelo sexual estereotipado. Viraram gado. Todos se sentem
aleijados de seus impulsos, desempenhando funções burocráticas de pura
repetição a mando de alguma corporação de comunicações, farmacêutica, bancária.
Foram
colocados para competir uns com os outros, mal sabendo que competir é
anti-humano, destrói toda a poesia que nos faz humanos, que nos faz caminhar
juntos, de mãos dadas, elimina nossa possibilidade de ter uma identidade própria,
pois nada cria mais dependência que competir, faz com que você se paute no
outro para existir. Quem compete na verdade depende. Mas estou aqui para
escrever sobre a possibilidade, sobre a vida, sobre imunologia, medicina,
teatro, saúde, arte, ciência, conhecimento. Conhecimento sobre a vida, por isso
a biologia. E essa anda por um momento histórico interessante, uma grande
transformação conceitual e ideológica, onde as ideias de destinos e talentos
determinados (sejam por genes, ou outras partículas), seleção dos mais aptos,
dos mais adaptados, competição, ameaças, ataques, defesas já são ideias
derrubadas por uma biosfera, um universo, imanentes, interconexos, onde estamos
todos acoplados uns nos outros, de protozoários a grandes primatas conversadeiros,
numa grande deriva sem direções, planos ou objetivos a cumprir, onde a
cooperação, a generosidade, o amor são as palavras chave. Onde o prazer é o
aumento de nossa possibilidade de ação, e que quanto mais conhecermos essa
biologia imanente, distribuída em tudo, mais conheceremos Deus, e viveremos uma
vida de virtude não porque tememos o inferno ou obedecemos cegamente um
mandamento, mas porque conhecemos nossa natureza, e faremos o que ela nos
impele a fazer, que é estar em harmonia, em amor intelectual de Deus.
Essa
vida é uma vida de prazer, de conhecimento, de conexão com a natureza. E para
onde olhamos, da ciência da imunologia à arte do teatro, as mesmas questões
apontam para uma vida muito melhor que essa do Shopping Center e da exclusão
social, para um reencontro com uma coletividade natural, com a tribo, a
comunidade da biosfera, cooperativa e amorosa, como todos nós sentimos que
devia mesmo ser.
Post de Vítor Pordeus
Maravilhoso post, faz um sentido brutal.
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