A plataforma Lattes disponibilizada
pelo CNPq é certamente o maior banco de currículos utilizado não só na área
científica, mas em quase todas as áreas do conhecimento. Absolutamente todas as
pessoas envolvidas em atividades científicas, desde a graduação até o diretor
de um instituto de pesquisa ou reitor de universidade, utilizam o currículo
lattes. E quem não tem ainda, deveria ter. O modelo do CV Lattes é hoje adotado
não só pelo CNPq, mas também pela maioria das instituições de fomento,
universidades e institutos de pesquisa do país.
De fato, a plataforma lattes é hoje modelo
também para instituições internacionais de grande prestígio, sendo utilizada
como referencia em vários países. Já foi inclusive tema de um artigo na Nature
(http://www.nature.com/nature/journal/v464/n7288/full/464488a.html).
Conforme relatado no artigo, é de extrema importância para o desenvolvimento de
um país criar um sistema aberto, apropriado e consistente que possa medir todas
as atividades que compõem a produtividade acadêmica. No texto, fica claro ser
necessário construir uma ciência de medição cada vez mais moderna, confiável e melhor.
E é exatamente sobre esse tema que
este post é dirigido. O objetivo deste
post não é criticar a plataforma Lattes, uma vez que eu sou mais um entre
os tantos que fazem uso desta ferramenta, mas
dividir com vocês algumas das dúvidas que tenho e que, na minha opinião, dão
margem a entradas incorretas e muitas vezes falsas por diversos profissionais.
Por ser algo tão amplamente
utilizado e padronizado, o preenchimento do Lattes deveria ser simples, direto
e não deveria dar margem para dados incorretos ou inverdades. No entanto, acho
que é correto dizer que todos nós temos pelo menos alguma dúvida sobre como
preencher corretamente algum item do currículo na plataforma Lattes. Como
inserir aquele curso que você ministrou a convite de uma instituição, o que é
considerado vínculo com uma instituição, quando você pode se considerar um
revisor de periódico, entre outros.
A falta de orientação no momento de
preencher o Lattes, ou em alguns casos a malandragem mesmo, acabam gerando o
registro incorreto ou falso de atividades realizadas. Uma importante ferramenta
que garantiu a confiabilidade dos dados inseridos pelos usuários foi o uso do
DOI, aquele identificador do artigo. Com o DOI o sistema Lattes é capaz de
reconhecer e validar a veracidade da aceitação de um artigo científico pela
revista científica, mesmo que este ainda não tenha sido oficialmente publicado (contendo
um volume e número de página definidos). Essa ferramenta ajudou a impedir que
artigos que ainda nem foram submetidos ou que ainda estão sobre processo de
revisão sejam marcados como aceitos ou publicados.
Mesmo assim, as regras de como
algumas sessões do Lattes devem ser preenchidas ainda são obscuras para muitos
usuários e levam a muitas discussões. Não sei quanto a vocês, mas estas são
algumas das minhas dúvidas:
1) O vínculo institucional
O curriculum lattes tem uma sessão
destinada aos vínculos do pesquisador. Na maioria das vezes os usuários
preenchem incorretamente essa sessão, inserindo vínculos inexistentes com
instituições de ensino ou de pesquisa.
Por exemplo: aluno de graduação,
mestrado ou doutorado não configura um vínculo. Pelo menos foi essa a
informação passada a mim por aqueles que me orientaram (e não foi apenas um).
Da mesma forma, se você foi convidado a dar uma aula ou participar da
organização de uma disciplina ou curso em uma instituição de pesquisa ou
ensino, você não deve considerar que tem ou teve um vínculo com aquela
instituição. Pior, aquela monitoria de imuno ou bioquímica ou zoologia dos
invertebrados que você deu durante a graduação de maneira alguma configura um
vínculo. Parece óbvio, mas há muitos currículos em que a sessão de vínculos é
preenchida com monitorias de disciplinas, entre outras atividades voluntárias e
corriqueiras (veja um exemplo real abaixo).
Pelo meu entendimento, um vínculo é
um contrato formal que um profissional tem com a instituição em que ele fez, ou
faz parte do quadro de funcionários.
Uma outra coisa que aprendi com meus
orientadores é que a categoria bolsista não é considerada como vínculo. Eles
sempre me orientaram a não preencher esta sessão do currículo para não gerar
confusão. Inclusive, esta parecia ser uma orientação do próprio CNPq, pois
quando fui bolsista de Pesquisador Visitante pelo convênio CNPq-FIOCRUZ eu não
pude submeter um projeto para financiamento do CNPq uma vez que um dos primeiros
pré-requisitos especificados no edital era o de que o pesquisador deveria ter
vínculo formal com a instituição de pesquisa. Para mim isso estava claro e
fazia todo sentido, pois como o profissional pode pedir um financiamento para
realizar um projeto de 2 a 5 anos sendo que muitas vezes o período de sua bolsa
é incompatível com o solicitado para o projeto?
Entretanto, se olharmos na sessão de
vínculos do lattes, há uma opção chamada “bolsista recém-doutor” criada como
alternativa de vínculo. Mas como isso é possível, se na hora de aplicar para um
projeto, o próprio CNPq não considera um bolsista como vinculado à uma
instituição?
2) Participação e coordenação de projetos:
Outro exemplo muito comum é a
questão do coordenador de projeto. Não é exagero, mas se fizer uma busca você
irá encontrar alunos de doutorado que são coordenadores de projetos. Isso é
possível? Eu sinceramente não sei. Mas no meu entendimento, o coordenador de um
projeto seria aquele para quem o financiamento foi oficialmente concedido por
uma agência de fomento. E para isso, tenho certeza de que deve haver documentos
comprobatórios.
O problema é que, como as regras não
são claras e o CNPq não disponibilizou um tutorial sobre como preencher
corretamente certas sessões do Lattes, mesmo uma banca de concurso poderia não
saber avaliar estas coisas. E assim, um candidato que preencheu corretamente a sessão de
vínculos (pois entende que enquanto estudante, ou bolsista, ou monitor de
disciplina ele não criou um vínculo com a instituição) deixa de ganhar pontos
frente a um candidato que possui 3 páginas de vínculos com projetos inscritos, etc.
3) O tal do fator H.
O ultimo exemplo que eu gostaria de
comentar é a questão do fator H. Ele é utilizado? Se sim, como? É avaliado em
concursos públicos, prêmios e competições?
Tenho visto de tudo com relação ao
fator H. Principalmente porque dependendo da forma em que se faz a busca pelo
nome do profissional, o usuário pode se deparar com diferentes valores para o
fator H.
Outro dia estava vendo o currículo
de um jovem pesquisador cujo o fator H no Lattes era de 9. Achei bem
impressionante. Ele informou que fez a busca pelo sobrenome e a inicial do
primeiro nome. Até aí, tudo bem. Entretanto, quando refiz a pesquisa,
imediatamente percebi na lista de artigos que resultou da busca na forma
indicada pelo dono do CV, que havia outro pesquisador com o mesmo sobrenome e a
mesma inicial. Assim, somados, os trabalhos dos dois pesquisadores resultavam
num fator H de 9. Quando filtrei a busca excluindo os trabalhos do outro
pesquisador (que eram de antes de 2001 e alguns muito citados), o fator H real
para o jovem pesquisador brasileiro em questão era de 4.
Aí fica a pergunta: os profissionais
estão agindo de má fé na hora de preencher o currículo ou apenas não sabem como
preencher estas sessões? Pode ser que na ânsia de querer relatar tudo que fazem
ou fizeram os profissionais podem cometer pequenos deslizes, mas é difícil
avaliar se foi um erro ou malandragem.
E olha que nem chegamos na sessão
dos idiomas... Lá sim, o povo faz a festa. Será que vale mesmo a pena preencher
a sessão de idiomas com um espanhol que você afirma ler bem, entender
razoavelmente, mas falar e escrever pouco?
Tem como melhorar?
Na minha opinião, da mesma forma que
o DOI de um artigo pode ser verificado pelo sistema, os vínculos, os cursos, as
premiações e outras entradas do lattes poderiam ser também melhor avaliadas.
Por exemplo: para validar uma
entrada (seja ela um prêmio recebido, um curso ministrado, uma nova titulação,
ou mesmo a proficiência em um idioma), o sistema poderia exigir que o usuário
anexasse imediatamente um certificado, uma carta oficial ou algum documento que
comprove aquela atividade. Esse documento poderia ser avaliado por uma equipe e
somente se aprovado a entrada poderia ser validada e publicada junto ao
currículo. Mesmo que isso leve alguns dias, acho que seria um processo
relevante para evitar a entrada incorreta ou fraudulenta de dados.
Isso também evitaria termos que
enviar toda essa documentação (certificados, diplomas, etc.) junto ao currículo
quando formos aplicar para uma vaga em um concurso público, prêmio ou edital de
financiamento. Pois se a entrada foi aceita pelo sistema significa que a sua
veracidade já foi avaliada e aprovada. Assim como funciona para os artigos
publicados.
Enfim, o importante é ter em mente
que o currículo é o seu business card, a sua carta de apresentação. E o que se
pode esperar de um profissional que mente já na carta de apresentação?