As células Th17
são caracterizadas pela produção de IL-17A, IL-17F, IL-22 e IL21 e pela
expressão do fator de transcrição RORγT.
Essas células estão envolvidas na proteção contra bactérias
extracelulares e fungos, além de desempenharem importante papel na patogênese
de doenças autoimunes, como esclerose múltipla, psoríase e artrite reumatoide.
Interessantemente, o desenvolvimento de células Th17 e células T reguladoras (T
reguladoras FOXP3+ induzidas ou Tr1 produtoras de IL-10) é
interconectado, sendo ambos dependentes de TGF-β. Portanto, o balanço entre
esses tipos de células influencia o desenvolvimento de respostas inflamatórias
à antígenos estranhos ou próprios, de modo que o desequilíbrio na relação
células Th17/T reguladoras pode estar relacionado ao desenvolvimento de doenças
autoimunes, inflamação crônica e tolerância a patógenos. Além disso, estudos
recentes demonstraram que as células Th17, dependendo do microambiente, podem
se diferenciar (in vitro e in vivo) em células produtoras de IL-10,
além de coexpressar RORγT e FOXP3+, enquanto células T reguladoras
também podem se tornar produtoras de IL-17. Contudo, não é conhecido se a
plasticidade das células Th17/T reguladoras reflete apenas uma mudança no
perfil de citocinas produzidas ou se essas células sofrem um processo de
transdiferenciação, ou seja, sofrem reprogramação de um tipo de celular para
outro. (1,2,3)
Com o intuito de avaliar a transdiferenciação de células Th17 para um
perfil regulador in vivo, foi
utilizado o modelo animal chamado Fate+, que consiste no cruzamento
de um animal IL-17A repórter (IL-17ACRE x Rosa26 STOPfl/fl YFP (R26YFP)) com o animal
triplo repórter IL-17AKatushka IL-10eGFP Foxp3RFP.
O animal resultante Fate+, após a expressão de Il17a, deleta o
cassete R26YFP e está marcado permanentemente pela expressão de YFP.
A construção de tal modelo possibilitou aos pesquisadores testar a expressão de
IL-17A, IL-10 e Foxp3 em células YFP+, de forma ex vivo sem a necessidade de novo estímulo in vitro.
Foi realizado um experimento utilizando anticorpo monoclonal anti-CD3
(anti-CD3 mAb) nos animais, com o intuito de mimetizar uma resposta
inflamatória, pois anti-CD3 mAb causa uma resposta inflamatória autolimitante
nos animais. Foi observada expansão da população de células Th17, seguida pelo
aumento de células IL-17AKatushka- YFP+ (denominadas ExTh17), sendo
que porção destas células também expressavam IL-10eGFP e que foram
então denominadas TR1ExTh17(IL-17AKatushka- YFP+ IL-10eGFP).
Os autores propuseram então 2 modelos para explicar a formação de
células TR1ExTh17 durante uma resposta imune, sendo que o primeiro
modelo defende a ideia de que células Th17 podem sofrer conversão para células
TR1 em situações basais e que durante a resposta imune ocorreria a expansão
desses grupos de células. O segundo modelo propõe que as células Th17 podem
sofrer a conversão para TR1 durante o curso de uma resposta imunológica. Para
averiguar qual dos dois modelos estava acontecendo, foi gerado um animal
chamado iFate, no qual as células Th17 só se tornam YFP+ após
tratamento com a droga tamoxifeno. Com o uso dessa estratégia foi possível
perceber que o segundo modelo proposto é o mais adequado, pois células Th17
sofrem conversão para TR1 durante o decorrer da resposta imune.
O próximo aspecto avaliado foi se as células TR1ExTh17
sofriam reprogramação transcricional durante a conversão de Th17 para TR1. Foi
realizado sequenciamento do transcriptoma de diversas populações celulares
provenientes do animal Fate+ (Th17, ExTh17, Foxp3, Foxp3IL-10+,
TR1 e TR1ExTh17) e foi construída uma matriz de correlação, onde
pode-se verificar a semelhança entre a expressão global de 97 genes
selecionados como relevantes para o perfil Th17. Dessa forma foi possível
constatar que células TR1ExTh17 possuem maior semelhança com relação
ao perfil transcricional de células TR1, do que quando comparada com qualquer
outro tipo analisado. O mesmo tipo de análise foi realizado, focando agora no
perfil de expressão de 191 genes relacionados ao perfil de citocinas. Novamente
células TR1ExTh17 possuem maior semelhança com relação ao perfil
transcricional de células TR1, do que quando comparado com qualquer outro tipo
analisado. Pode-se concluir que a conversão de células Th17 para TR1 é
determinada e/ou acompanhada por uma reprogramação do perfil transcricional, um
processo que já foi descrito como transdiferenciação. (4, 5)
Para testar se as células TR1ExTh17 haviam realmente
completado sua transdiferenciação funcional de Th17 para TR1, foi utilizado um
modelo de colite mediado pela transferência de células Th17 patogênicas (pTh17)
geradas in vitro, na presença de anti-CD3
mAb, IL-6, IL-23, TGF-β, anti-IFN-γ e anti-IL-4. Animais Rag-/- receberam essas células pTh17,
juntamente com células Th17, ExTh17, TR1 e TR1ExTh17, provenientes
de animais Fate+. Foi possível constatar que células TR1ExTh17 realmente
completaram sua reprogramação funcional, pois foram capazes de prevenir a colite
mediada por células pTh17.
Foi utilizado também um modelo animal de esclerose múltipla experimental
(EAE), para verificar se células Th17 derivadas de uma resposta autoimune
seriam capazes de realizar a conversão para células regulatórias. Os
experimentos demonstraram que mesmo células ExTh17 desenvolvidas durante
resposta autoimune são capazes de realizar a conversão para células TR1. Além
disso, células específicas para o antígeno envolvido na EAE foram capazes de
expressar maiores níveis de IL-10 do que células não específicas para o
antígeno.
Na tentativa de elucidar possíveis vias envolvidas na conversão de Th17
para TR1 foram analisados genes relevantes para perfil Th17 que se encontravam induzidos
em células ExTh17 e TR1ExTh17 nas análises de sequenciamento do
transcriptoma. Essa análise revelou associação com a via de sinalização de
TGF-β. Em experimentos realizados pelo grupo foi possível observar que TGF-β
promove plasticidade de células Th17 e conversão para TR1, de forma
dose-dependente. De acordo com Martinez
et al. (6), dentre as moléculas
envolvidas na via de sinalização de TGF-β, Smad3 diminui atividade de RORγt,
consequentemente reduzindo o desenvolvimento de células Th17. Quando os autores
bloquearam Smad3 utilizando um inibidor durante a diferenciação in vitro de Th17, ocorreu a diminuição
da indução de células TR1ExTh17. Tais resultados indicam que TGF-β,
possivelmente através de Smad3, promove a conversão de Th17 para TR1.
Existem evidências na literatura de que células Th17 e TR1 diferenciadas
na presença de TGF-β expressam altos níveis de AhR, que promove ativação de
Il10 (7). Para avaliar se a ativação
de AhR influencia a conversão de Th17 para TR1, foram realizadas culturas
celulares contendo o agonista do receptor AhR (FICZ) e antagonista desse mesmo
receptor. Foi observado que a presença de FICZ aumentou consideravelmente o
desenvolvimento de células TR1ExTh17, enquanto a presença do
antagonista reduziu a conversão de Th17 para TR1.
De forma geral, esse estudo demonstrou que células Th17 são capazes de
sofrer transdiferenciação para o perfil TR1 durante o desenvolvimento da
resposta imune na presença de TGF-β, sendo que ativação de AhR promove a
conversão.
Figura 1. Células Th17,
partindo de um perfil inflamatório inicial, são capazes de sofrer
transdiferenciação para o perfil TR1 (anti-inflamatório) durante o decorrer da
resposta imune na presença de TGF-β, através de Smad3 e com a ativação do
receptor AhR, que promove a conversão Th17-TR1. As células TR1 que sofreram
transdiferenciação são capazes de produzir IL-10.
Referências
Bibliográficas
1.
Noack,
M.; Miossec P. Th17 and regulatory T cell balance in autoimmune and
inflammatory diseases. Autoimmun Rev.
13, 668-677 (2014).
2. Hirota,K. et al. Fatemapping of IL-17-producing T cells ininflammatory responses.Nature Immunol. 12, 255–263
(2011).
3. Komatsu,N. et al.Heterogeneity of natural Foxp31 T
cells: a committed regulatory T-cell lineage andanuncommittedminor population
retaining plasticity.Proc.Natl Acad. Sci. USA 106, 1903–1908 (2009).
4. Graf, T. & Enver, T. Forcing cells to change
lineages. Nature 462, 587–594 (2009).
5.
Komatsu,N. et
al. Heterogeneity of natural Foxp31 T cells: a committed regulatory T-cell
lineage andanuncommittedminor population retaining plasticity. Proc.Natl Acad. Sci.
USA 106, 1903–1908 (2009).
6.
Martinez, G. J.
et al. Smad3 differentially regulates the induction of regulatory and
inflammatory T cell differentiation. J. Biol. Chem. 284, 35283–35286 (2009).
7.
Apetoh, L. et
al. The aryl hydrocarbon receptor interacts with c-Maf to promote the
differentiation of type 1 regulatory T cells induced by IL-27. Nature Immunol.
11, 854–861 (2010).