Um dos grandes problemas do tratamento (e até mesmo descobrir
as causas) dos distúrbios mentais, tais como esquizofrenia, transtorno bipolar,
depressão e ansiedade, é a carência de modelos animais que reproduzam os sinais
e sintomas dessas doenças. Apesar de grande esforço por parte dos
neurobiologistas e psicobiologistas (tal qual o que vos fala), é muito difícil de
predizer com exatidão que determinado comportamento animal é um retrato fiel de
um comportamento patogênico específico, tal como a esquizofrenia humana.
Apesar
de décadas e décadas de pesquisas sobre o comportamento animal, pouco se
avançou no tratamento psicofarmacológico para esses distúrbios. Além disso, não
há marcadores biológicos específicos para eles, somente indicadores que sugerem
a patologia. Desde a década de 1990 não se produz um psicofármaco eficiente e
de destaque (e somente uns poucos marcadores que se sobrepõem entre os
distúrbios), o que faz com que o tratamento seja mais voltado à sintomatologia e etiologia.
Ao longo dos anos, e principalmente a partir dos anos
2000 (e um boom a partir da década de
2010), inúmeros artigos vêm mostrando que os marcadores para a identificação de
distúrbios mentais não se encontram especificamente dentro do sistema nervoso
central (ressonâncias encefálicas e dosagem de citocinas e neurotransmissores
no líquor), mas também perifericamente. Distúrbios mentais também produzem
efeitos em células sanguíneas, tais como células do sistema imune (1).
Atualmente, outro marcador inusitado para as doenças mentais seria o processo
inflamatório intestinal.
Estudos mostraram que não é raro
encontrar extensiva inflamação do trato gastrointestinal em doentes mentais (Reiter,
1926; Buscaino,
1953, Dohan,
1970). Num estudo com 82 pacientes esquizofrênicos, 50% tinham gastrites,
88% enterites e 92% colites (Buscaino,
1953; Hammings,
2004). Além disso, paciente com distúrbios bipolar e esquizofrenia possuem
aumento nos títulos de IgG específica para proteínas do trigo (Dickerson et
al., 2010,
2011)
e caseína (Severance
et al., 2010). Casos semelhantes são vistos em autistas (Mulle et
al., 2013; Quigle e
Hurley, 2000), doença de Alzheimer (Bhattacharjee
e Lukiw, 2013; Holmes,
2013), Parkinson (Weller
et al., 2005) e Huntington (Jürgen et
al., 2009). O aumento de sinais e sintomas depressivos é acompanhado por um
aumento de IgA ou IgM plasmática contra várias bactérias, tais como pseudomonas,
klebsielas e proteus (Maes
et al., 2008; 2012).
Atualmente o mais novo indicador da esquizofrenia é um aumento de IgG plasmática
para S. cerevisiae (Severance
et al., 2012). Mas por que o aumento da permeabilidade intestinal (via
inflamação) poderia aumentar o risco de distúrbios mentais?
Nosso
organismo produz naturalmente anticorpos (IgA e IgM – que se mantêm contidos no
sistema digestório) contra substâncias e patógenos lesivos ao organismo, tais
como o LPS bacteriano e certos microorganismos. Em condições normais, as
células imunes não se comunicam diretamente com compostos e microorganismos do
trato gastrointestinal. Porém, durante um processo inflamatório intestinal, o
aumento na permeabilidade da parede intestinal desloca bactérias e seus compostos
para os linfonodos mesentéricos e/ou a circulação sistêmica (Berg & Garlington, 1979;
Wiest & Garcia-Tsao,
2005). A partir daí, a resposta de anticorpos passa do sistema digestório
para o circulatório, aumentando-se seus níveis na corrente sanguínea, primando
células do sistema imune e ocasionando a produção de citocinas
pró-inflamatórias (Maes
et al., 2012), as quais podem levar a produção de distúrbios mentais, tais
como depressão (Del`Osso
et al., 2013), esquizofrenia (Fineberg e Ellman, 2013)
e transtorno bipolar (Stertz
et al., 2013). E essas mesmas citocinas podem levar ao afrouxamento da
barreira hemato-encefálica e intestinal (Clark et al., 2005; Chaves et al., 1999; Yang et al., 2003),
levando a um ciclo de retroalimentação. Portanto, a incapacidade do organismo
em digerir alguns alimentos faz com que ocorra a inflamação no intestino, translocando
bactérias para a circulação sistêmica, causando inflamação e, consequentemente,
distúrbios mentais. Em neuroimunologia isso é atualmente denominado de leaky gut theory ("intestino que vaza").
A
leaky gut theory é nova e ainda muito
controversa, mas intrigante. Talvez até a dieta alimentar possa influenciar
nossos estados mentais (Horrobin,
1992; Ross-Smith &
Jenner, 1980; Hibbeln
& Salem, 1995), servindo de complemento aos tratamentos medicamentosos
dos distúrbios mentais. E a ligação entre esses dois superssistemas (digestório
e nervoso) pode ser nada mais, nada menos, que o bom (mau?) e velho (novo?) sistema
imune.
Post de Gabriel Shimizu Bassi (FMRP-USP)
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