E a microbiota, personagem principal de
diversos posts ao longo de todo o ano, aparece com mais uma nova e
importantíssima função...
Dois estudos independentes publicados no mês
passado na Science demonstram que bactérias
comensais residentes no intestino- ou a falta delas- pode afetar
significativamente a eficácia de certas terapias anti-tumorais em outras partes
do corpo, além do próprio intestino.
O tratamento com ciclofosfamida, um dos
quimioterápicos mais amplamente utilizados, envolve os efeitos secundários,
como inflamação das mucosas, permitindo que alguns tipos de bactérias possam
translocar para a barreira intestinal atingindo a corrente sanguínea e os
órgãos linfoides secundários. Surpreendentemente, este aumento da
permeabilidade intestinal, que a princípio poderia ser considerado um efeito
colateral, parece ser o responsável pela efetividade da terapia. O grupo de Viaud e
colaboradores revelou que a ciclofosfamida altera a composição da
microbiota intestinal de camundongos com tumor subcutâneo, provocando a
translocação de subtipos específicos de bactérias Gram-positivas para os órgãos
linfoides secundários. Uma vez nesses órgãos, estas bactérias induzem a geração
de células Th17 patogênicas (pTh17), bem como células Th1 de memória, que auxiliam na eliminação das
células tumorais. Como esperado, quando a ciclofosfamida foi administrada em
animais germ-free ou previamente tratados com antibióticos, os resultados do
tratamento foram inexpressivos, sugerindo que a microbiota é de fato a
principal responsável por modular a resposta anti-tumoral induzida pela
fármaco.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Lida et al. sugerem
uma hipótese bastante semelhante, na qual a microbiota intestinal é responsável
pela indução da inflamação no microambiente tumoral. Os pesquisadores
descobriram que animais germ-free ou tratados com antibióticos reagiram mal à
imunoterapia com oxaliplatina e cisplatina, importantes agentes
anti-neoplásicos. Esses camundongos com microbiota depletada apresentaram
expressão reduzida de genes envolvidos no processo inflamatório, como TNF e ROS,
no microambiente tumoral, permitindo a progressão normal do tumor.
Estes resultados demonstram que as
perturbações induzidas por antibióticos na composição bacteriana intestinal,
que pode ser de longa duração, têm efeitos significativos (e indesejáveis!)
sobre a eficácia de tratamentos anti-neoplásicos. Como próximo passo, os autores
pretendem estender esses estudos para os pacientes, a fim de compreender a
relevância clínica destes achados.
Post
de Marcela Davoli (doutoranda, FMRP-USP/IBA)