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quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Post duplo: Um novo modelo murino para a doença de Huntington; Uma excelente revisão de imunologia

Hoje tenho duas novidades para compartilhar com vocês:

A primeira é que um novo modelo murino para a doença de Huntington (HD) acaba de ser criado. Para quem não é familiarizado com o tema, a HD é uma doença genética neurodegenerativa que causa severo e progressivo declínio cognitivo e problemas psiquiátricos.

A doença é causada por uma mutação autossômica dominante em ambas as cópias do gene da Huntingtina (acho que seria isso em português). Esse gene codifica para uma proteína também denominada huntingtina (Htt) que é expressa em todas as células de mamíferos, mas que é encontrada em maior concentração no cérebro.

O que leva à HD é o prolongamento de uma repetição dos nucleotídeos CAG no gene da Htt durante a replicação do DNA. Esse prolongamento é causado por um processo conhecido como slippage da polimerase (a enzima que duplica o DNA durante a divisão celular) e resulta em uma extensão anormal da sequência do gene. Slippage em inglês significa escorregar. E aparentemente é isso que acontece com a polimerase. É como se você estivesse lendo uma página cheia de repetições CAG (e.x. ... CAGCAGCAGCAGCAG...). Em um certo ponto da leitura você pode se confundir sobre quantos CAG você já leu, ou em que linha da página você estava e acabar incluindo ou excluindo alguns (ou muitos) CAGs extras. Por isso se diz que a polimerase escorrega na fita de DNA.


Normalmente, as pessoas possuem menos de 36 repetições CAG no gene da Htt, o que resulta na produção da Htt normal no citoplasma das células. Entretanto, uma sequencia de 36 ou mais repetições resulta na produção de uma proteína Htt com diferentes características. Esta forma mutada da Htt (mHtt) acelera a morte de alguns tipos de neurônios. Geralmente o número de repetições está associado à gravidade e à precocidade com que os sintomas se manifestam. Em alguns casos (7% dos casos) o número de repetições pode ser tal que o indivíduo afetado morre antes mesmo de chegar a puberdade, o que para muitos estudiosos é uma maneira seletiva de evitar que o gene seja passado para a próxima geração.

Infelizmente a repetição CAG está amplamente dispersa no nosso genoma, o que torna inviável um tratamento específico para a HD que tenha como alvo essa repetição.

A função da Htt ainda não é exatamente clara, mas tem sido implicada na transcrição de genes, na sinalização e transporte intracelular. Várias funções foram descritas para a Htt a partir da observação de  camundongos geneticamente modificados para exibir HD. O problema é que no camundongo, a Htt é importante para o desenvolvimento embrionário e sua ausência está associada à morte dos animais ainda na fase embrionária. Além disso, estudos em humanos revelaram que não é a ausência da Htt que causa a doença, mas o aparente ganho de toxicidade na mHtt, a Htt mutada. Esse aspecto é difícil de ser reproduzido em um modelo animal.

Sendo assim, até agora não havia ainda um modelo animal capaz de recapitular a doença humana.

Felizmente agora, isso parece ser passado. Um estudo publicado em Setembro de 2012 no Human Molecular Genetics mostra a construção do primeiro modelo murino para a HD humana em que os animais possuem as duas cópias humanas do gene da Htt e nenhuma cópia do gene murino. Estes animais apresentam muitas das alterações e déficits de cognição associados com a HD humana e seu uso vai permitir o acúmulo de novas informações que podem levar a um tratamento para esta doença. Foi certamente um passo gigantesco nas pesquisas de HD.

Doenças como a HD são conjuntamente denominadas "trinucleotide repeate disorders" por serem causadas pelo elongamento de repetições de 3 nulceotídeos no genoma humano. Um outro exemplo desse grupo de doenças é a distrofia miotônica do tipo I (ou doença de Steinert) que também é causada por enlongamento de uma repetição CTG no gene da "myotonic distrophy protein kinase" (DMPK). Está é outra doença para qual ainda não há um tratamento inteiramente desenvolvido. Espero ainda falar mais dessa doença em uma outra oportunidade.

A personagem Remy "ThirteenHadley interpretada por Olivia Wilde, é uma médica da equipe do Dr. Gregory House na série "House" da FOX. Thirteen vive o drama de ser portadora da mutação dominante na Htt que a condena a ter o mesmo destino de sua mãe, uma morte precoce por Huntington quando ainda jovem. A personagem apresenta comportamento auto-destrutivo, abusando de drogas e múltiplos parceiros sexuais.


A 2a novidade é:

 Recentemente li uma revisão escrita pela dupla Romina Goldszmid e Giorgio Trinchieri intitulada "The price of immunity" publicada na Nature Immunology de Outubro de 2012.

 Quis dedicar a segunda parte deste post a essa revisão, por achar que é uma revisão que todos os que se interessam por imunologia deveriam ler. 

 A mim, impressionou como a revisão não só está extremamente bem escrita, como também foi capaz de compreender um conteúdo muito diverso em poucos parágrafos de forma clara e sucinta.

 Na revisão os autores discutem os atuais princípios sobre como se dá o intricado balanço entre a ativação e a regulação da resposta imune para, ao mesmo tempo, combater as infecções e minimizar o dano tecidual colateral. O duplo papel protetivo e patogênico que resulta do mutualismo com nossa flora intestinal neste balanço imunológico é o foco da revisão.

A riqueza da revisão está no fato de que, ao longo do texto, os autores inserem diversos exemplos e modelos de patógenos e de doenças em que a imunidade contra o patógeno resulta em inflamação sistêmica e dano tecidual.

A revisão é muito completa e me senti como se aprendesse algo novo a cada parágrafo lido. 

Achei excelente e recomento a leitura.

REFERENCIAS:


Southwell AL, et al. A fully humanized transgenic mouse model of Huntington disease. Hum Mol Genet. 2012 Sep 21.


Goldszmid, R. S. & Trinchieri, G. The price of immunity. Nat Immunol 13, 932–938 (2012).


Clique nos links para ter acesso aos artigos.

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