Ano passado meu filho André fez 20 anos e para celebrar fomos viajar juntos. Em San Gimignano andavamos pela rua quando escutamos a voz de um homem recitando. A princípio pensei que fosse de algum disco, ou alguem dentro de casa, mas ao caminhar um pouco mais percebi que era um ator, numa esquina deserta, declamando. No aproximamos mais ainda e vi, num banquinho, uma copia da Divina Comédia. Ele tinha começado a recitar há pouco e dava pra ler os primeiros versos…No meio do caminho da nossa vida….
Nunca tinha escutado o poema. A lingua, belíssima, era realçada pela arte do ator. Ficamos ali escutando, espectadores solitarios, aquela proclamação sobre o mundo, a poesia, e o amor que move o céu e as estrelas, escrita no comeco do século 14, ali mesmo, na Toscana.
Alguns dias depois falando com Laura, uma amiga italiana, ela me disse que Roberto Benigni, o grande ator comico italiano da Vida é bela, tinha feito um enorme sucesso recitando Dante. E que ele, apesar do lado bufão, era um grande entendido em Dante e sabia a Divina Comédia de cor….
Voltei pra casa e encontrei Benigni recitando Dante no Youtube. Na verdade, recitando e explicando Dante. Aqui. Não precisa falar italiano pra entender o que ele está dizendo. Diz com tamanha paixão que fica claro que está falando de um momento chave no poema. O momento em que Dante se encontra com deus. E da omnisciencia de deus. Que ele sabia de tudo, de tudo que existiu, existe e existirá, e que sabia até do globulo sanguineo do coelho que aparecia ninguém sabe de onde. E por aí ia…
Me lembrei disso porque fui ver Contágio, o novo filme de Soderbergh. O filme explora um tema caro aos imunologistas: infecção por um novo vírus que vem da Asia. Um morcego que sai do seu habitat natural em funcao da devastação das matas, acaba contaminando porcos, que contaminam homens, que propagam a infeccao rapidamente por serem extremamente móveis. Aparecem cientistas santos, charlatões, macacos, vacinas, modelos da estrutura do vírus, médicos, politicos, policiais, gente do CDC, da WHO. E mapas, muitos mapas, modelos de expansão da enfermidade, etc.
No fim, aparece uma vacina, testada pela cientista-heroina em si propria, depois que um cientista teimoso descobre onde crescer o vírus (em celula de morcego, chute arretado). O filme e’ correto, não tem muito erro, e impressiona com a escala de conhecimento que podemos ter do mundo e suas porcas (rá-rá, elas voltaram…). O sujeito tem uma visao cósmica do processo. Zoom in e zoom out. Do morcego, do vírus, da epidemiologia, do tracking da doença, do processo de fabricação da vacina, das mill e uma ocorrencias, dos dramas em milhões de lugares…Nada de dois ou tres personagens. Milhares de eventos, bilhoes de conclusões. O sujeito, feito deus, ve o globulo branco no sangue do coelho sobre a relva. Ou quase…
A palavra ciencia vem do latim e significa conhecer. Na beirada desse mundo novo, as maneiras de conhecer se multiplicam, nos surpreendem. Outro dia estava falando com Cristina Caldas sobre um troço que me impressionou muito que agora esta sendo chamado de crowdsourcing. O New York Times foi contactado por um sujeito que tinha um álbum de fotografias. As fotos teriam sido feitas na epoca da 2a Guerra. Como se sabe? Bom, Hitler figurava em varias fotos, algumas delas feitas a pouca distancia. O dono do álbum o tinha recebido de pessoas que não conhecia direito, não existia nada escrito, era um misterio. Mais de 150 fotos. Algumas delas tambem de campos de concentração, outras de soldados, e outras ainda de um casal misterioso, em cidades devastadas. Alguem poderia ter alguma pista, sobre o fotógrafo, sobre as circunstancias, as cidades fotografadas, a mulher? O álbum seria um samba do crioulo doido, ou existiria alguma lógica? Fiquei intrigado e segui a estória. Em questao de horas o mistério foi resolvido. Centenas de pessoas responderam. O curador do museu do Holocausto em Israel reconheceu uma foto no álbum, um outro sujeito traduziu do holandes antigo dizeres na parede de um bar onde varios soldados bebiam (no que foi corrigido por outro), e uma estudiosa alemã não so explicou que as fotos tinham sido feitas por um fotógrafo da propaganda nazista, mas deu o nome ao sujeito. Esse fotógrafo viajou por varias cidades e aquela mulher era a mulher dele, que foi morta pouco tempo depois. Então, o problema foi resolvido por centenas de pessoas trabalhando juntas. Comecei a ler e descobri que a origem do termo crowdsourcing é de 2006, mas que o processo já vem sido usado há muito tempo. Um exemplo antigo é o do Oxford English Dictionary, o Houaiss da lingua inglesa. James Murray, o criador do dicionario, sobre o qual existe um livro ótimo, solicitava definições de palavras a um grupo de pessoas…
Voces ja imaginaram se a gente começar a aplicar isso pra ciencia? Pois é, isso é o que acaba de ser feito...Vejam o paper ai de cima
Ate logo e um abraço
Eles ja usaram esse jogo antes.
ResponderExcluirhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20686574
É realmente bem interessante!
Otimo texto, Sergio.
ResponderExcluirBy the way, o CrowdSourcing é a base do WikiPedia.
olhe ai o exemplo da crowd corrigindo e melhorando...obrigado pessoal!
ResponderExcluirExcelente Sergio!
ResponderExcluirAliás, dias atrás o Gustavo mandou um email p/alguns de nós com uma quick question sobre tolerância. Vivenciamos então o CrowdSourcing! Eu e outros gostamos tanto da experiência q ficamos pensando se não era uma boa idéia estimular isso no SBlogI...
bjs
Maria.
Maria, Sérgio,
ResponderExcluirfiquem a vontade para estimular o Crowdsourcing aqui no SBlogI. Acredito que uma das grandes intenções deste espaço é a troca de experiências.
Lembro-me que o Báfica fez isso certa vez, com um post entitulado "Perguntas de biruta..."
http://blogdasbi.blogspot.com/2010/04/perguntas-de-biruta.html
Perfeito Tiago.
ResponderExcluirDurante muito tempo quis saber se alguem trabalha em biologia do sistema linfatico no Brasil, que tipos de modelos animais usa, que reagentes tem....o que existe sendo feito em humanos?
alguem sabe se algum organismo, fora filaria, vive dentro dos linfaticos?
Não sei ao ponto de afirmar, mas tenho a impressão que protozoários e vírus devem freqüentar constantemente o sistema linfático. Há vários trabalhos mostrando que macrófagos e DCs comportam-se como cavalos de Tróia para esses agentes... Se eles migram via sangue nestas células, porque não migrariam via linfa?
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