Sozinho com suas ideias
Na minha opinião, o barato da ciência é o fato dos conceitos serem passíveis de mudança ou se adequarem aos modelos que criamos com as informações que dispomos no momento. Às vezes muitos modelos que adotamos por muito tempo se mostram errados ou são incapazes de compreender as novas descobertas.
Historicamente, a grande maioria das ideias que mudaram o mundo em que vivemos hoje não foram aceitas facilmente, mesmo quando as evidencias que as suportavam eram óbvias. Todos nós conhecemos uma ou outra história de cientistas, filósofos, e outros pensadores que enfrentaram desafios herculanos para demonstrar conceitos ou ideias novas, muitas das quais, só foram aceitas anos depois. Algumas dessas ideias, difíceis de serem aceitas inicialmente, estão agora tão embutidas no nosso cotidiano que seria impossível viver sem elas nos dias de hoje.
Há uma propaganda do canal Futura de que gosto particularmente que diz o seguinte:
“Galileu pensava que a Terra girava em torno do sol. Acabou condenado. Joana d’Arc queria unificar a França, terminou na fogueira. Robespierre pensou que podia ser igual e livre. Foi parar na guilhotina. Tiradentes queria um Brasil independente. Foi condenado à forca. Sorte sua viver em uma época em que você é livre para pensar”.
Mas será que somos mesmo? Será que as coisas mudaram tanto assim? É claro que não mais condenamos as pessoas à fogueira por pensarem diferente de nós, mas mesmo nos dias de hoje as novas ideias e seus autores muitas vezes enfrentam discriminação e censura.
Se fossemos colocar em níveis mais próximos da nossa realidade (dos cientistas), eu diria que a maneira mais comum de impedir ou dificultar a implementação de uma nova ideia são as barreiras editoriais para a publicação de pesquisas (mesmo que bem embasadas e com resultados sólidos) em revistas de alto impacto. É claro que isso já é um problema sério, mas faz parte da nossa profissão. Estamos mais acostumados ao não do que ao sim.
Recentemente vi um exemplo de censura editorial ao ler sobre a trajetória científica da Dra. W. Sue T. Griffin, que levou mais de 5 anos para conseguir publicar seus estudos pioneiros implicando a inflamação como força motriz para o desenvolvimento de Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas.
A Dra. Griffin é Professora e Vice Chairman de pesquisa do Departamento de Geriatria Donald W. Reynolds na Universidade de Arkansas. Em entrevista (que pode ser acessada aqui) a Dra. relata sua luta contra editores das grandes revistas científicas que se recusavam a aceitar sua teoria de que a produção de IL-1ß pelas células da glia desencadeava a inflamação no cérebro e a deterioração neuronal.
“Back in the 1980s, when the amyloid-plaque hypothesis was gaining in popularity, results from our group and from others suggesting that the immune system was playing a major role in the disease were not taken seriously.”
“(...) few journal editors shared my view that IL-1 and S100 act as drivers of Alzheimer’s disease progression. Although our work was begun in 1984, it wasn’t published until 1989 (…)”
Para a nossa sorte e para todos os que sofrem com a doença, quando defrontada com críticas severas aos seus achados, a pesquisadora não desistiu e decidiu investigar mais profundamente a sua teoria.
(…) our proposition that inflammatory cytokines were involved in—and probably driving—neurodegeneration met with such vigorous criticism that I decided to devote more time to the topic (...)”
A Dra. Griffin é então um exemplo da maneira mais comum de bloqueio de ideias: a barreira editorial. Vale lembrar que, apesar de ser a mais comum, esta barreira é mais séria do que parece. Muitos dos editores de revistas diferentes estão interligados e a rejeição a uma idéia nova e a um grupo de pesquisa pode se propagar a ponto de impedir a publicação em várias revistas científicas.
Mas para alguns cientistas, não conseguir publicar seu trabalho passa a ser um problema menor se comparado aos ataques, criticas, pressões e humilhações que passam a fazer parte do seu dia a dia.
Parece mentira, não é?
Não se você ouvir a história que o Dr. Daniel Shechtman, o mais novo vencedor do premio Nobel de Química de 2011, tem pra contar. Durante uma entrevista realizada pela American Technion Society, o Dr. Shechtman relata as dificuldades que enfrentou ao tentar convencer a comunidade científica da existência de uma nova forma de matéria, os “quasicrystals”. O relato é impressionante. Quem quiser ver na íntegra (e eu recomendo) basta acessar este link: http://www.youtube.com/watch?v=RsqdJ2hNZuM
Em um trecho marcante da entrevista (especificamente aos 5:54 min), Dr. Shechtman fala sobre como seus colegas de laboratório e a comunidade científica receberam a idéia quando ela foi lançada pela primeira vez.
“for a couple of years I was alone. I was ridiculed, I was treated badly by my peers and my coleagues (…)” “(…) the head of my lab came to me, and smiling sheepishly, put a book on my desk and said: Danny, why don’t you read this and see that it is impossible what you are saying? (…) That person expelled me from his group. He said: ‘You’re a disgrace to our group. I cannot bear such disgrace and he asked me to leave his group’ (…)”.
Infelizmente, ter uma idéia inovadora, pelo menos por algum tempo, significa estar sozinho.
Esses relatos podem não parecer muito motivadores para quem quer lançar idéias desafiadoras. Mas devemos sempre ter em mente que são essas idéias que movem o nosso mundo. Hoje, os estudos sobre o papel da resposta imune nas doenças neurodegenerativas nos permitiu descobrir mais sobre as causas do mal de Alzheimer, além de apontar o caminho para possíveis alternativas para o tratamento desta doença devastadora. Os quasicristais do Dr. Shechtman são amplamente utilizados na indústria para reforçar o aço e outros metais e possuem inúmeras aplicações que vão desde os aparelhos cirúrgicos até as lâminas de barbeadores elétricos que você tem em casa. Eles constituem o aço inoxidável mais resistente conhecido atualmente.
O que nao podemos fazer é parar de pensar, parar de questionar e desafiar. Já criamos o radio, a televisão, o avião, já visitamos a lua, criamos a internet e, mesmo assim, amanhã alguém vai pensar em alguma coisa que ninguém jamais pensou.
É isso.
Na minha opinião, o barato da ciência é o fato dos conceitos serem passíveis de mudança ou se adequarem aos modelos que criamos com as informações que dispomos no momento. Às vezes muitos modelos que adotamos por muito tempo se mostram errados ou são incapazes de compreender as novas descobertas.
Historicamente, a grande maioria das ideias que mudaram o mundo em que vivemos hoje não foram aceitas facilmente, mesmo quando as evidencias que as suportavam eram óbvias. Todos nós conhecemos uma ou outra história de cientistas, filósofos, e outros pensadores que enfrentaram desafios herculanos para demonstrar conceitos ou ideias novas, muitas das quais, só foram aceitas anos depois. Algumas dessas ideias, difíceis de serem aceitas inicialmente, estão agora tão embutidas no nosso cotidiano que seria impossível viver sem elas nos dias de hoje.
Há uma propaganda do canal Futura de que gosto particularmente que diz o seguinte:
“Galileu pensava que a Terra girava em torno do sol. Acabou condenado. Joana d’Arc queria unificar a França, terminou na fogueira. Robespierre pensou que podia ser igual e livre. Foi parar na guilhotina. Tiradentes queria um Brasil independente. Foi condenado à forca. Sorte sua viver em uma época em que você é livre para pensar”.
Mas será que somos mesmo? Será que as coisas mudaram tanto assim? É claro que não mais condenamos as pessoas à fogueira por pensarem diferente de nós, mas mesmo nos dias de hoje as novas ideias e seus autores muitas vezes enfrentam discriminação e censura.
Se fossemos colocar em níveis mais próximos da nossa realidade (dos cientistas), eu diria que a maneira mais comum de impedir ou dificultar a implementação de uma nova ideia são as barreiras editoriais para a publicação de pesquisas (mesmo que bem embasadas e com resultados sólidos) em revistas de alto impacto. É claro que isso já é um problema sério, mas faz parte da nossa profissão. Estamos mais acostumados ao não do que ao sim.
Recentemente vi um exemplo de censura editorial ao ler sobre a trajetória científica da Dra. W. Sue T. Griffin, que levou mais de 5 anos para conseguir publicar seus estudos pioneiros implicando a inflamação como força motriz para o desenvolvimento de Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas.
A Dra. Griffin é Professora e Vice Chairman de pesquisa do Departamento de Geriatria Donald W. Reynolds na Universidade de Arkansas. Em entrevista (que pode ser acessada aqui) a Dra. relata sua luta contra editores das grandes revistas científicas que se recusavam a aceitar sua teoria de que a produção de IL-1ß pelas células da glia desencadeava a inflamação no cérebro e a deterioração neuronal.
“Back in the 1980s, when the amyloid-plaque hypothesis was gaining in popularity, results from our group and from others suggesting that the immune system was playing a major role in the disease were not taken seriously.”
“(...) few journal editors shared my view that IL-1 and S100 act as drivers of Alzheimer’s disease progression. Although our work was begun in 1984, it wasn’t published until 1989 (…)”
Para a nossa sorte e para todos os que sofrem com a doença, quando defrontada com críticas severas aos seus achados, a pesquisadora não desistiu e decidiu investigar mais profundamente a sua teoria.
(…) our proposition that inflammatory cytokines were involved in—and probably driving—neurodegeneration met with such vigorous criticism that I decided to devote more time to the topic (...)”
A Dra. Griffin é então um exemplo da maneira mais comum de bloqueio de ideias: a barreira editorial. Vale lembrar que, apesar de ser a mais comum, esta barreira é mais séria do que parece. Muitos dos editores de revistas diferentes estão interligados e a rejeição a uma idéia nova e a um grupo de pesquisa pode se propagar a ponto de impedir a publicação em várias revistas científicas.
Mas para alguns cientistas, não conseguir publicar seu trabalho passa a ser um problema menor se comparado aos ataques, criticas, pressões e humilhações que passam a fazer parte do seu dia a dia.
Parece mentira, não é?
Não se você ouvir a história que o Dr. Daniel Shechtman, o mais novo vencedor do premio Nobel de Química de 2011, tem pra contar. Durante uma entrevista realizada pela American Technion Society, o Dr. Shechtman relata as dificuldades que enfrentou ao tentar convencer a comunidade científica da existência de uma nova forma de matéria, os “quasicrystals”. O relato é impressionante. Quem quiser ver na íntegra (e eu recomendo) basta acessar este link: http://www.youtube.com/watch?v=RsqdJ2hNZuM
Em um trecho marcante da entrevista (especificamente aos 5:54 min), Dr. Shechtman fala sobre como seus colegas de laboratório e a comunidade científica receberam a idéia quando ela foi lançada pela primeira vez.
“for a couple of years I was alone. I was ridiculed, I was treated badly by my peers and my coleagues (…)” “(…) the head of my lab came to me, and smiling sheepishly, put a book on my desk and said: Danny, why don’t you read this and see that it is impossible what you are saying? (…) That person expelled me from his group. He said: ‘You’re a disgrace to our group. I cannot bear such disgrace and he asked me to leave his group’ (…)”.
Infelizmente, ter uma idéia inovadora, pelo menos por algum tempo, significa estar sozinho.
Esses relatos podem não parecer muito motivadores para quem quer lançar idéias desafiadoras. Mas devemos sempre ter em mente que são essas idéias que movem o nosso mundo. Hoje, os estudos sobre o papel da resposta imune nas doenças neurodegenerativas nos permitiu descobrir mais sobre as causas do mal de Alzheimer, além de apontar o caminho para possíveis alternativas para o tratamento desta doença devastadora. Os quasicristais do Dr. Shechtman são amplamente utilizados na indústria para reforçar o aço e outros metais e possuem inúmeras aplicações que vão desde os aparelhos cirúrgicos até as lâminas de barbeadores elétricos que você tem em casa. Eles constituem o aço inoxidável mais resistente conhecido atualmente.
O que nao podemos fazer é parar de pensar, parar de questionar e desafiar. Já criamos o radio, a televisão, o avião, já visitamos a lua, criamos a internet e, mesmo assim, amanhã alguém vai pensar em alguma coisa que ninguém jamais pensou.
É isso.
Muito bom o post!
ResponderExcluirNa ciência é preciso muita força pra vencer os obstáculo e persistir naquilo que acredita!
É isso.
Gostei do seu post Bernardo....Resistencia e o que mais tem... Linus Pauling dizia que o que Schechtman fazia era quasi-ciencia.... Imagine o peso dessa opiniao....Um abraco
ResponderExcluirLegal, Bernardo. Persistir é importante. Certa vez escutei um grande inventor dizendo: "Se te chamarem de louco, você está no caminho certo". http://podeimburana.tumblr.com/post/587323852/se-te-chamarem-de-louco-voce-esta-no-caminho-certo
ResponderExcluirMuito boa reflexão, Bernardo. É quase um ato de fé a forma como persistiram... Acrescentaria também coragem e honestidade intelectual para corrigir os rumos e seguir adiante a despeito das dificuldades, sobretudo políticas e econômicas. Isso é o que separa os grandes realizadores dos demais.
ResponderExcluirE ai Bernardo,
ResponderExcluirParabéns pelo post. Começou em grande estilo.
Grande abraço
Pessoal, mto obrigado. Fico feliz que gostaram do post. Agradeço muito a Cristina Caldas e a todos do SBlogI pela oportunidade.
ResponderExcluirSérgio Lira, concordo com vc. hehhe Fico imaginando a cara do ex-chefe do Schechtman que o expulsou do seu laboratório ao saber que o Nobel foi dado ao Schechtman.
Bruno como sempre, um novo amigo e um apoio que eu poderei contar. Ainda vamos fazer mta coisa juntos.
Grande abraço a todos.
Parabéns pelo Post. Excelente!
ResponderExcluirAlém das idéias novas, há também a resistência quanto ao "fazer novo", repensar coisas que já vem sendo feitas e repetidas por todos, porém de forma automática e muitas vezes errada. Quando alguém resolve se informar melhor sobre o assunto, por exemplo, as bases de uma metodologia, e descobre "falhas" na utilização atual da mesma, é comum ouvir dos colegas: "Páre inventar moda, todo mundo faz assim! É impossível todos estarem errados!"
Pois bem amigos, falando especificamente das análises estatísticas dos trabalhos científicos, acredito sim que tem muita coisa errada sendo feita e passando como certo por ai, inclusive pelos editores de periódicos que limitam as análises ao ANOVA e a utilização do GraphPad Prism. No que um autor propõe uma metodologia mais elaborada, e coerente com a pergunta de seu trabalho, logo é censurado por "não usar o que todo mundo usa". Temos que abrir nossos horizontes e questionar, entender o que estamos fazendo. Temos que parar de "copiar" de forma cega e automática as metodologias alheias. A informação está sempre por ai, basta ir atrás! Abraços
Pois é!!!! é extremamente difícil implantar um dado ao contrário de tuido já publicado por exemplo. Vc tem que provar por A mais B tal coisa.
ResponderExcluirNo geral precisamos pensar mais e quando um dado dar diferente tentar investir nele. E não dizer isso tá errado!!!!!!!!Muito bom post!!!! Reflexão excelente para orientadores e nós alunos.