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sexta-feira, 8 de julho de 2011

Reflexões sobre o futuro da imunologia

Por George A DosReis, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro

A estagnação conceitual da imunologia, que já dura anos, incomoda a todos. O assunto foi mencionado na mais recente conferência de imunologistas de Asilomar, California (1). No final do encontro, um vídeo do pioneiro professor Ray Owen (tolerância e quimerismo entre gêmeos bovinos, 1945) foi apresentado, no qual ele se dirige aos jovens, dizendo que já anunciaram o fim da imunologia antes, e não era verdade. Ele acredita que a imunologia não acabou (1).



De acordo com Thomas Kuhn, o conhecimento não evolui de forma linear, mas sim através de mudanças de paradigma, que ocorrem periodicamente. A última mudança de paradigma na imunologia é de 1989; e corresponde à teoria de Charles Janeway Jr. de que é a imunidade inata que inicia e direciona a resposta imune adquirida, controlando a proliferação e diferenciação dos linfócitos (2). Esta teoria modificou radicalmente a pesquisa em imunologia, e estimulou a descoberta de moléculas e receptores da imunidade inata. Em seguida, esta teoria causou debates nas áreas de tolerância e reatividade imunológicas, levando à formulação da hipótese do perigo por Polly Matzinger (3). A seu favor, a hipótese do perigo influenciou a pesquisa em transplantes, e levou à descoberta dos adjuvantes endógenos (4). No entanto, não é uma teoria tão completa quanto a primeira, sendo incapaz de explicar a existência de alorreatividade na ausência de sinais de perigo, como demonstrado por Christian Larsen e Thomas Pearson (5). Já a pesquisa sobre células Treg é uma ressurreição de pesquisas semelhantes, muito populares nos anos 70, mas que, subitamente foram consideradas heréticas. Com a agravante embaraçosa de que as células supressoras de então eram CD8+, e não CD4+ como as Treg de agora. Assim como Treg, outros subconjuntos de células T com padrões seletivos de função e de citocinas, também existem e foram identificados. E vinte anos depois, é isto o que temos.

Paradoxalmente, a atividade de publicar vai bem. Belos e sofisticados estudos de ponta são e continuarão a ser publicados nas melhores revistas de imunologia. Estes trabalhos são consequência dos avanços conseguidos no projeto genoma e do uso de animais geneticamente modificados. No entanto, o que estes novos trabalhos fazem é esclarecer detalhes da sinalização de novas proteínas de alguma cascata, ou a ação de novos fatores de transcrição, na fisiologia de diferentes tipos de leucócitos. Corrigem antigos detalhes, mas não trazem novos conceitos.

Esta é uma situação difícil de se lidar, especialmente para os jovens, que pretendem seguir na carreira de pesquisa em imunologia. Será que a imunologia ainda oferece um futuro ? Eu acredito que há muitos fatores positivos. Primeiro, este é um período propício para aprofundar estudos sobre os mecanismos de doença. A teoria de Janeway aposentou haptenos e antígenos de prateleira, valorizando o estudo mais detalhado das infecções. Também existe grande interesse no estudo da imunorregulação exercida através da flora microbiana. Contribuições importantes podem ser dadas ao entendimento das bases da doença, utilizando a imunologia como poderosa ferramenta de estudo. Pràticamente todos os modelos experimentais de doença existentes se baseiam na alteração da expressão in vivo de uma única proteína. No entanto, muitas doenças parecem ter dois ou mais fatores simultâneos atuando na sua causa. Toda uma área poderá se abrir com o uso de modelos de doença que empregam dois ou mais fatores na origem do distúrbio (ver ref. 6, por exemplo). Portanto, é perfeitamente possível mudar paradigmas nas doenças, mesmo sem alterar os paradigmas da imunologia.

Segundo, é possível mudar os paradigmas da imunologia. E sempre será. E são os jovens de agora os que estão mais preparados para esta tarefa. Concordo com o professor Owen - idéias novas e interessantes sempre acabam surgindo. Quem se candidata ?

George A DosReis: gadr@uol.com.br

Referências
1. Parker DC, Nat Immunol 12; 583-585 (2011)
2. Janeway CAJr, Cold Spring Harb Symp Quant Biol 54;1-13 (1989).
3. Matzinger P, Annu Rev Immunol 12; 991-1045 (1994)
4. Kono H, Rock KL, Nat Rev Immunol. 8; 279-289 (2008)
5. Bingaman AW et al, J Immunol 164; 3065-3071 (2000)
6. Enzler T et al, J Exp Med 197; 1213-1219 (2003)

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3 comentários:

  1. George, acho fundamental esta discussao. Eu acredito que uma mudanca proxima venha com a incorporacao da systems biology nos nossos estudos. Quando nos instrumentalizarmos para analisar respostas imunes como sistemas complexos, poderemos fazer observacoes que nos levem a um salto conceitual.

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  2. A minha impressão é que falta fenomenologia. Com o foco exagerado no mecanismo (que o sérgio já apontou), as publicações atuais terminam por focam em desvendar centenas de detalhes de meia dúzia de modelos (por exemplo, colite, EAE, insulite e modelos de imunização) ao invés de criar modelos novos. Ou seja, a imuno deixou de ser imuno e virou genética/biomol/biologia celular de meia dúzia de modelos. Se os novos modelos vao surgir do estudo de infecções ou da flora ou de outro lugar qualquer fica pro futuro decidir.

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  3. Penso que o Gabriel foi preciso em sua observação!
    A tal "systems biology", a última novidade da vitrine das ciências, é muito interessante, mas não será o show pirotécnico que ela oferece nos artigos que trará a revolução que esperamos e nos livrará dos dias tão monótonos e trabalhos que "chovem no molhado". As revoluções são, em sua essência, simples.

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