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terça-feira, 12 de julho de 2011

Artrite Juvenil e Autoinflamação

Olá pessoal. Agradeço a turma do SBI blog (Cristina Caldas e cols.) pelo convite.

Para este meu primeiro blog, falarei um pouco sobre o meu tema de pesquisa nos últimos anos. Tenho trabalhado com Artrite Idiopática Juvenil (em inglês, JIA). Este nome se refere a um grupo de doenças artríticas que aparece em crianças (diagnóstico até 16 anos de idade), que atualmente inclue 7 diferentes subtipos. A nomenclatura é um pouco confusa, com o uso de Artrite Reumatóide Juvenil na América do Norte e Artrite Crônica Juvenil na Europa. Em 2001 a nomenclatura foi unificada como Artrite Idiopática Juvenil [1]. O laboratório onde trabalho se concentra principalmente na forma sistêmica da doença (vou usar a abreviação em inglês, SJIA, Systemic Juvenile Idiopathic Arthritis). Como o próprio nome diz, esta doença se caracteriza pela presenca de artrite e sintomas sistêmicos, que incluem febre alta de caráter intermitente, erupção cutânea passageira, linfadenopatia e inflamação da membrana serosa de orgãos internos como coração. Alguns pacientes desenvolvem uma complicação da doença chamada Síndrome de Activação Macrofágica (MAS em inglês), que pode levar a morte. A MAS também é observada em outras doenças que aparentemente não tem nada a ver com artrite, como síndromes hemofagocíticas (hereditárias ou secundárias). Existe também uma forma adulta de SJIA que recebe o nome de Doença de Still. Felizmente a SJIA não é uma doença muito comum – a prevalência para todas as formas de Artrite Idiopática Juvenil varia globalmente entre 0.07 a 4.01/1000 crianças, mas a SJIA responde por cerca de 10% dos casos, pelo menos na América do Norte e Europa.

A SJIA, juntamente com dois outros subtipos de Artrite Juvenil (pauciarticular e poliarticular), foram descritas em 1897 pelo Sir George Frederick Still em Londres, e assim, historicamente a SJIA se manteve no grupo da Artrite Juvenil. Com o melhor entendimento da doença, alguns estudiosos tem sugerido que a SJIA deveria ser classificada como uma doença à parte. Além das manifestações clínicas distintas, outros fatores distinguem a SJIA das outras artrites. Epidemiologicamente, a SJIA afeta igualmente meninas e meninos, e não tem uma idade de aparecimento tão marcante quanto outros subtipos. Bom, e a imunologia? Por muito tempo a SJIA foi meio assim a prima pobre das outras artrites em relação aos estudos imunológicos. Ao contrário dos outros subtipos de Artrite juvenil, a SJIA não tem uma forte associação com HLA, e uma fraca ou quase inexistente presença de auto-anticorpos e/ou células T auto-reativas. Enfim, as evidências de que a SJIA seria uma doença autoimune clássica, baseada em autoreatividade das células T era fraca, o que tornava difícil estudar a doença – sem antígenos como candidatos, olhar aonde?

Uma mudança em como a doença é encarada, tanto clinica quanto imunologicamente apareceu em 2005, quando Virginia Pascual e cols. do Baylor Institute no Texas mostraram que o bloqueio da IL-1, através da administração de IL-1Ra (antagonista do receptor de IL-1) recombinante é um tratamento efetivo contra a doença [2]. Em alguns casos, a melhora nos sintomas do paciente foi vista em poucas horas. O curioso é que outras formas de Artrite Juvenil como a poliarticular, não respondem tão bem ao tratamento com IL-1Ra, sugerindo patologias distintas. Vários outros estudos se seguiram e mostraram que, enquanto nem todos pacientes respondem a IL-1Ra, é um tratamento efetivo em muitos casos. O ponto de início do tratamento também pode ser um fator importante – como a SJIA em alguns casos é uma doença cíclica e pode evoluir para uma forma poliarticular, o tratamento no inicio da doença pode fazer diferença. Outros estudos mostraram que a inibição da IL-6 com um anticorpo contra o receptor também pode ser eficaz em tratar a SJIA.

Estas características da SJIA tem sido interpretadas como indicações de que alterações do sistema imune inato, e não do sistema adaptativo, podem estar envolvidas na patologia da SJIA, pois células como os monócitos são boas produtoras de IL-1beta e IL-6. Uma coisa puxa a outra, e a SJIA está sendo considerada por vários cientistas (inclusive do meu lab) como uma doença autoinflamatória [3]. Esta categoria (doencas autoinflamatórias) é relativamente recente e apareceu inicialmente para descrever doenças monogênicas como TRAPS (TNF receptor–associated periodic syndrome) e Febre Mediterrânea Familiar (FMF). Uma doença autoinflamatória é atualmente definida como patologias inflamatórias que aparecem sem causas discerníveis, na ausência de auto-anticorpos e células T auto-reativas. Recentemente, a classificação das doenças autoinflamatórias tem se expandido para incluir doenças complexas como doença de Crohn’s, diabetes de tipo II e gota [4].

Claro que esta classificação é uma simplificação; a divisão é feita para auxiliar os estudos, não significando que os efeitos do sistema imune adaptativo e inato são tão claramente separados. Mas a constatação de que manifestações do sistema immune inato (produção desregulada de IL-1, alterações do complemento, etc) são aparentemente necessárias e suficientes para desencadear doenças tem gerado um interesse muito grande no papel do sistema inato como orquestrador da patologia e claro, alvo de terapias.

Este interesse, suscitado pela identificação de defeito genéticos específicos, convergiu com os trabalhos de imunologia básica do Janeway e cols. sobre o papel do sistema inato na resposta immune, e tem se expandido com a crescente elucidação dos mecanismos envolvidos nas respostas inatas – da estrutura do inflamasoma aos receptores que reconhecem patógenos (PAMP), onde estão incluidos TLR e receptores NOD-like, e os receptores de sinais internos de stress cellular (DAMPs) como HMGB1, proteinas S100, ácido urico – tornando o estudo das pertubações do sistema inato e patogênese uma área fascinante de estudos. Mas ainda há muita coisa ainda por se descobrir. Imaginem que nem sabemos ainda como a IL-1beta é exatamente exportada da célula… Mas isto já vai ficar para outro blog…

[1] R.E. Petty, T.R. Southwood, P. Manners, J. Baum, D.N. Glass, J. Goldenberg, X. He, J. Maldonado-Cocco, J. Orozco-Alcala, A.-M. Prieur, M.E. Suarez-Almazor, and P. Woo, International League of Associations for Rheumatology classification of juvenile idiopathic arthritis: second revision, Edmonton, 2001. The Journal of rheumatology 31 (2004) 390-2.

[2] V. Pascual, F. Allantaz, E. Arce, M. Punaro, and J. Banchereau, Role of interleukin-1 (IL-1) in the pathogenesis of systemic onset juvenile idiopathic arthritis and clinical response to IL-1 blockade. The Journal of experimental medicine 201 (2005) 1479-86.

[3] E. Mellins, C. Macaubas, and A. Grom, Pathogenesis of systemic juvenile idiopathic arthritis: some answers, more questions. Nature Reviews Rheumatology 7 (2011) 416-426.

[4] S. Masters, A. Simon, I. Aksentijevich, and D. Kastner, Horror autoinflammaticus: the molecular pathophysiology of autoinflammatory disease (*). Annual Review of Immunology 27 (2009) 621-668.

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2 comentários:

  1. Post de estreia da nova colaboradora, Claudia Macaubas, que escreve dos Estados Unidos. Ela é pesquisadora da Universidade de Stanford - Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria. Bem-vinda!

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  2. Alguém sabe alguma coisa diferente no tratamento de artrite juvenil quando a criança já nasce pirtadora,mas o diagnostico só é feioto quandoela ja esta com 18 meses e sériosproblemas.

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