Muitos estudantes de pós-graduação acabam na verdade focando a formação no famigerado “ABD” (All but dissertation). Isso varia um pouco entre os diversos grupos de pesquisa e depende da filosofia do chefe do laboratório/orientador. Num belo dia, entretanto, o pessoal se toca que tem que começar a escrever “o paper”. Essa sensação comumente surge depois que muitos dados são coletados, analisados e estilizados em tabelas ou gráficos dos mais diversos. É nessa hora que alguns estudantes têm um surto famoso. A galera começa a achar que talvez mais dados são precisos para fechar a história. Algumas vezes, mais análises de diferentes formas e tamanhos usando outras ferramentas deveriam ser aplicadas. Ou ainda será que as tabelas e gráficos precisariam estar com a exata formatação? O que seria uma exata formatação? Dados mais claros? Menos coloridos? Mais fashion? Mais na moda multifunctional? No final, muitos pesquisadores são “impedidos”de escreverem seus trabalhos por causa de problemas menores, muitas vezes até fúteis. Assim, todos os dias, esses estudantes sentam na frente do computador, prontos para começar enfim a escrever o tal do paper e então aparecem demandas que ficam no caminho e parecem mais importantes do que o que seria o objetivo primário que fez o estudante sentar na sua cadeira naquele dia. O problema é que esse processo improdutivo pode acontecer por meses e anos. Já vi muito estudante bem desesperado com essas questões. Na era do facebook, Google chat, you tube e etc., é ainda mais difícil focar na escrita quando se está começando. Uma coluna especial na seção Careers da revista Nature aborda esse tema de uma maneira bem interessante. Maria Gardiner e Hugh Kearns, ambos professores de psicologia da Flinders University, Adelaide, Austrália (veja o site deles aqui) exploram esse assunto de maneira bem clara e sem churumelas. No texto, os psicólogos abordam alguns mitos que regem essa improdutividade e sugerem uma dica importante para conseguir chegar lá (veja a coluna no site da Nature).
Os grandes impedimentos da escrita por estudantes são na maioria das vezes relacionados a mitos que passam de geração em geração de pesquisadores, sem evidência aparente de que funciona. O primeiro mito, segundo os psicólogos, é o “Readiness Myth”, que basicamente significa: “Devo escrever quando eu me sentir pronto, e eu ainda não me sinto pronto ainda”. Por não estar pronto, procura-se outra coisa pra fazer. E num laboratório, isso significa mais experimentos. Esse cenário, ao invés de gerar mais solidez, gera é mais confusão para amarrar os dados, e então a sensação de que não está pronto fica ainda mais forte. O negócio então é sentar e escrever, mesmo sem estar pronto. Até porque completamente pronto provavelmente ninguém nunca vai estar. Esse primeiro mito causa um segundo mito, que é o “Clarity Myth”. Uma frase comum relacionada a esse segundo mito seria: “Eu devo ter tudo muito claro na minha cabeça primeiro, depois eu sento e escrevo”. Na verdade, muitas vezes as idéias só ficam mesmo claras quando a gente começa a escrever o paper. É nesse momento que o pesquisador sente qual o resultado não está convincente, qual deve ser retirado, qual deve ser feito e como deve ser feito para responder as questões. Muitas vezes, com um monte de dados na mão, você na verdade começa a notar que várias informações de experimentos valiosos que você fez na verdade de nada contribuem para a sua história e devem ser retirados. Então, o que você tem que fazer mesmo antes de finalizar seus experimentos é sentar e escrever. E escreva mesmo, sem medo. Coloque as palavras na folha, sem se importar se as frases estão mal escritas ou se as idéias estão lineares, pelo menos nesse primeiro momento. A linearidade vai chegar com o trabalho intenso de reestruturação que faz parte da escrita científica.
A coluna então finaliza mostrando a dica do dia: o Snack writing. Escreva de maneira regular, e se acostume em escrever em períodos curtos de tempo, como lanches. Não se iluda de que é necessário um dia inteiro para você escrever uma introdução de um artigo. Muitas vezes, somos mesmo produtivos por curtos períodos e a extensão desse tempo só causa mais improdutividade. Eu uso esse método de snack writing desde o meu doutorado e sugiro realmente a técnica. Ela vai te ajudar a ser mais produtivo sem se martirizar.
Fica a dica de leitura do dia.
me desculpem, mas meu lanche é sagarado. tudo na sua hora..
ResponderExcluirexcelente dica de leitura. espírito crítico sempre.
Bruno, vc ta certo. Tem que comecar antes. Ajuda muito a definir
ResponderExcluirVai um paper "pro" (sic) Lanche?
ResponderExcluirSegundo anônimo:
ResponderExcluirpro = para o (uso bem coloquial comum na linguagem falada no Nordeste, de onde vim)
OK?
Abraço
Bruno, parabéns pelo post. Sugestões bastante enriquecedoras.
ResponderExcluirBruno, muito legal e descontraída a forma de expor a realidade...parabéns rapaz...vou ler a coluna da Nature que vc recomenda...Abs
ResponderExcluirObrigado pessoal!
ResponderExcluirAbraços
Obrigada, Bruno. Excelente indicação de leitura.
ResponderExcluirAbs,
Aline