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Em dois artigos seminais publicados na Cell em 1986 por Ranjan Sen e David Baltimore através do uso da então nova técnica de gel shift (EMSA) descreveram o fator nuclear de ligação ao DNA necessário para a transcrição da cadeia leve k de imunoglobulinas em células B ao qual deram o nome de NFkB (1, 2). Já no segundo artigo, caracterizaram que este fator não era restrito a linfócitos B, e se encontrava pré-formado em estado latente em diferentes tipos celulares com sua atividade rapidamente regulada de maneira estímulo dependente (LPS e PMA) capaz de regular a transcrição gênica. Esses artigos estabeleceram novos paradigmas da sinalização celular, da membrana ao núcleo, pela regulação estímulo dependente da transcrição gênica. Vinte e cinco anos, e mais de quarenta mil artigos publicados no assunto, consolidaram o papel do fator de transcrição NFkB como um orquestrador chave em respostas imunes e inflamatórias, com implicações na regulação da expressão de centenas de genes envolvidos tanto em reações fisiológicas quanto em inúmeras condições patológicas incluindo doenças auto-imunes e câncer. A edição de Agosto da Nature Immunology traz uma série de artigos em celebração aos 25 anos da descoberta do fator de transcrição NFkB (Focus).
A série de artigos é aberta por David Baltimore onde através de uma revisão concisa dividida em 5 partes (latência, indução, resposta, resolução e patologia) traz unidade aos avanços obtidos nos últimos 25 anos que estabelecem o controle fino da regulação da atividade de NFkB e as conseqüências patológicas da falha desse controle (3). O segundo artigo traz a visão pessoal de Ranjan Sen sobre o conhecimento e questões da época, bem como do ambiente científico no MIT, que pavimentaram o caminho para a descoberta do NFkB (4). O artigo traz ainda de maneira interessante o racional e making-off dos experimentos chaves, e a percepção, já de início, da importância dos achados. Steve Smale discute o conhecimento atual e o progresso que tem sido feito para desvendar os mecanismos de regulação hierárquica que conferem seletividade de resposta frente a um determinado estímulo indutor de atividade NFkB para garantir que apenas um número limitado de potenciais alvos gênicos sejam ativados na dependência do estímulo e do tipo celular (5). Sankar Ghosh e co-autores discutem a importância da intrincada interação com diferentes vias de sinalização celular para determinar as funções biológicas do NFkB (6). As duas últimas revisões tratam dos mecanismos de regulação negativa e terminação da atividade NFkB e as conseqüências patológicas das falhas nesse controle. Jurgen Ruland discute os diferentes mecanismos de contra-regulação e alças de controle negativo da resposta NFkB (7). Por fim Yinon Ben-Neriah e Michael Karin enfocam os aspectos relacionados a relação entre ativação de NFkB e tumorigênese, e a interação entre funções opostas do NFkB no controle positivo e negativo da inflamação e como essas funções afetam o desenvolvimento e progressão tumoral (8).
A série de artigos comemorativos nos brinda com excelentes revisões dos principais avanços e questões que permanecem em aberto dos diferentes mecanismos de regulação e controle do NFkB pelos principais lideres da área. Vale a leitura!
Nada é mais difícil de respeitar
do que aquilo que, depois
de ouvido, nos parece óbvio
(H. Maturana).
Espontâneo ou extemporâneo?
Pode parecer extemporânea a preocupação com a espontaneidade do viver. No entanto, a característica fundamental dos seres vivos é que eles são entidades autônomas, entregues a si mesmas, que executam incessantes mudanças internas, mudanças que não podem ser interrompidas sem que o ser vivo se desintegre. A mudança é inerente ao viver. Mas, a despeito dressas mudanças, de uma contínua troca de matéria e energia com um meio, que é também cambiante, as mudanças são cíclicas, voltadas sobre si mesmas (“fechadas”) e, o ser vivo assim se conserva; como no ditado francês: “quantomais muda, mais permanece sendo a mesma coisa.”É esta circularidade que confere aos seres vivos sua auto-suficiência, sua auto-criação/manutenção. Em suma, enquanto vivem e mudam desta forma, os seres vivos estão vivos.
Como disse Archimedes de Castro, posso dizer que o organismo multicelular está vivo; que ele é composto por células que estão vivas; mas, não é adequado dizer, por exemplo, que o sistema nervoso, ou o sistema imune estão vivos. Como componentes de um organismo, estes sistemas participam do viver de um organismo multicelular, surgem com este organismo, mas não têm existência fora deste organismo
Nossas descrições do que se passa com os seres vivos deveriam ter como base este processo espontâneo de auto-criação/manutenção. Esta atitude, porém contrasta com a maneira atual de ver na Biologia, segundo a qual os diversos processos e mecanismos biológicos cumpem funções ou propósitos determinados. Neste modo de ver, pode parecer descabida a preocupação com processos espontâneos, sem função ou propósito. No entanto, este modo de ver se apóia no mais fundamental dos fenômenos biológicos: a espontaneidade do viver.
Espontaneidade na atividade imunológica
Assim sendo, é significativo encontrar na obra de Niels Jerne (1955) e também, na de David Talmage (1957; 1959), propostas sobre uma origem espontânea da atividade imunológica. Jerne e Talmage se notabilizaram nos anos 1950, por propor teorias ditas “seletivas” sobre a formação de anticorpos. Aparentemente, as teorias “seletivas” puseram um ponto final nas propostas de “moldagem” (teorias instrutivas) segundo as quais os anticorpos se formariam sobre moléculas de antígeno, usadas como moldes (Mazumdar, 1996). Estas teorias resgataram a imunologia de interesses bioquímicos (imunoquímica) e a trouxeram para uma arena mais biológica, relacionada à Teoria da Evolução e à Seleção Natural.
Mas, a ênfase no aspecto “seletivo” ocultou um outro aspecto das teorias de Jerne e de Talmage, que é exatamente a origem espontânea da atividade imunológica. Isto é particularmente importante por duas razões.
Em primeiro lugar, tanto Jerne quanto Talmage afirmam que eram motivados pela imensa variedade de imunoglobulins capazes de se ligar ao mesmo antígeno com diferentes graus de afinidade. Em Jerne, isto está presente desde sua tese de outoramento , intitulada: “Um estudo sobre a avidez dos anticorpos”, isto é, a energia de ligação dos anticorpos a seus ligantes específicos (Jerne, 1951). Ele estava impressionado com a imensa variedade de anticorpos que podiam se ligar ao mesmo antígeno, com afinidades diferentes: alguns anticorpos se ligavam fortemente, outros menos fortemente, outros ainda muito levemente. Além disso, ele detectava muitas “reações cruzadas” dos anticorpos com outros antígenos. Tudo isto sugeria que o corpo produzia uma imensa diversidade de globulinas que podem ser detectadas como anticorpos. Muitos anos depois, Jerne disse a seu biógrafo que as diferenças entre “anticorpos específicos” e as globulinas naturalmente produzidas pelo organismo: “...só existe na mente dos imunologistas” (Soderquist, 2003).
Quatro anos depois, na “Teoria da Seleção Natural da Produção dos Anticorpos”, Jerne expandiu esta idéia em um dos conceitos mais importantes da Imunologia. Ele afirmou que os anticorpos são imunoglobulinas naturais, produzidas espontaneamente pelo organismo antes do encontro com os antígenos com os quais elas eventualmente reagirão (Jerne, 1955). Esta idéia contra-intuitiva colidia com as teorias então vigentes sobre a produção dos anticorpos, que propunham que os anticorpos se formavam sobre moléculas do antígeno, usando-as como moldes - pois, de que outra maneira poderiam se formar anticorpos contra tão variadas estruturas? (Mazumdar, 1996). Mas, desta colisão, a teoria de Jerne saiu vencedora e as teorias de moldagem foram abandonadas (Silverstein, 2009).
Quase ao mesmo tempo, conclusões similares foram alcançadas por Talmage , em outra teoria sobre a formação dos anticorpos (Talmage, 1957). Talmage dizia que a especificidade dos anticorpos derivava de “...uma combinação especial de globulinas naturais selecionadas” (Talmage, 1959). Anos depois, Talmage escreveu: “Parecia haver um espectro tão amplo de avidez (afinidade de combinação) que o limite entre globulinas que eram ou não eram anticorpos era definido por uma decisão arbitrária” (ênfase adicionada); e também: “Provavelmente, não foi por coincidência que nós dois (referindo-se a Jerne), depois de estudar o fenômeno da avidez, nos convencemos de que os anticorpos são moléculas de globulinas selecionadas pelo antígeno.” (Talmage, 1995; p. 35).
Em segundo lugar, embora a teoria de Seleção Clonal (Burnet, 1957; 1959) seja vista como um aperfeiçoamento das teorias de Jerne e de Talmage - na verdade, uma fusão das duas teorias em um contexto “clonal” - a teoria Clonal omite exatamente a origem espontânea da atividade imunológica e representa, de certa forma, um retorno às idéias instrutivas do passado. Enquanto Jerne propunha uma origem esponâneade imunoglobulinas (anticorpos naturais) e Talmage afirmava que estas imunoglobulinas deveriam ter uma base celular, na teoria de Burnet, os linfócitos que dão origem aos “clones”, permanecem ociosos (inativos) até que sejam ativados por um antígeno correspondente. Para Jerne, e também para Talmage, o que gera a atividade imunológica é o próprio organismo, em sua espontaneidade criadora; para Burnet, é a chegada dos antígenos, como nas teorias de moldagem. Os antígenos, decerto, não ”moldam” os clones, mas os ativam, os tornam reais. E a espontaneidade presente nas teorias anteriores é saiu definitivamente de cena.
Em resumo, as teorias de Jerne e a de Talmage, embora ditas “seletivas” , não derivaram diretamente das “pressões seletivas” e da “seleção natural” que são essencias em uma descrição neo-Dawinista da Biologia, mas sim de uma atividade plural que tem origem espontânea no organismo. Na teoria de Seleção Clonal, por sua vez, as idéia “instrutivas”, segundo as quais o organismo obedece ao contato com antígenos, retornam pela porta os fundos, camufladas em um mecanismo “seletivo”.
Muitos estudantes de pós-graduação acabam na verdade focando a formação no famigerado “ABD” (All but dissertation). Isso varia um pouco entre os diversos grupos de pesquisa e depende da filosofia do chefe do laboratório/orientador. Num belo dia, entretanto, o pessoal se toca que tem que começar a escrever “o paper”. Essa sensação comumente surge depois que muitos dados são coletados, analisados e estilizados em tabelas ou gráficos dos mais diversos. É nessa hora que alguns estudantes têm um surto famoso. A galera começa a achar que talvez mais dados são precisos para fechar a história. Algumas vezes, mais análises de diferentes formas e tamanhos usando outras ferramentas deveriam ser aplicadas. Ou ainda será que as tabelas e gráficos precisariam estar com a exata formatação? O que seria uma exata formatação? Dados mais claros? Menos coloridos? Mais fashion? Mais na moda multifunctional? No final, muitos pesquisadores são “impedidos”de escreverem seus trabalhos por causa de problemas menores, muitas vezes até fúteis. Assim, todos os dias, esses estudantes sentam na frente do computador, prontos para começar enfim a escrever o tal do paper e então aparecem demandas que ficam no caminho e parecem mais importantes do que o que seria o objetivo primário que fez o estudante sentar na sua cadeira naquele dia. O problema é que esse processo improdutivo pode acontecer por meses e anos. Já vi muito estudante bem desesperado com essas questões. Na era do facebook, Google chat, you tube e etc., é ainda mais difícil focar na escrita quando se está começando. Uma coluna especial na seção Careers da revista Nature aborda esse tema de uma maneira bem interessante. Maria Gardiner e Hugh Kearns, ambos professores de psicologia da Flinders University, Adelaide, Austrália (veja o site deles aqui) exploram esse assunto de maneira bem clara e sem churumelas. No texto, os psicólogos abordam alguns mitos que regem essa improdutividade e sugerem uma dica importante para conseguir chegar lá (veja a coluna no site da Nature).
Os grandes impedimentos da escrita por estudantes são na maioria das vezes relacionados a mitos que passam de geração em geração de pesquisadores, sem evidência aparente de que funciona. O primeiro mito, segundo os psicólogos, é o “Readiness Myth”, que basicamente significa: “Devo escrever quando eu me sentir pronto, e eu ainda não me sinto pronto ainda”. Por não estar pronto, procura-se outra coisa pra fazer. E num laboratório, isso significa mais experimentos. Esse cenário, ao invés de gerar mais solidez, gera é mais confusão para amarrar os dados, e então a sensação de que não está pronto fica ainda mais forte. O negócio então é sentar e escrever, mesmo sem estar pronto. Até porque completamente pronto provavelmente ninguém nunca vai estar. Esse primeiro mito causa um segundo mito, que é o “Clarity Myth”. Uma frase comum relacionada a esse segundo mito seria: “Eu devo ter tudo muito claro na minha cabeça primeiro, depois eu sento e escrevo”. Na verdade, muitas vezes as idéias só ficam mesmo claras quando a gente começa a escrever o paper. É nesse momento que o pesquisador sente qual o resultado não está convincente, qual deve ser retirado, qual deve ser feito e como deve ser feito para responder as questões. Muitas vezes, com um monte de dados na mão, você na verdade começa a notar que várias informações de experimentos valiosos que você fez na verdade de nada contribuem para a sua história e devem ser retirados. Então, o que você tem que fazer mesmo antes de finalizar seus experimentos é sentar e escrever. E escreva mesmo, sem medo. Coloque as palavras na folha, sem se importar se as frases estão mal escritas ou se as idéias estão lineares, pelo menos nesse primeiro momento. A linearidade vai chegar com o trabalho intenso de reestruturação que faz parte da escrita científica.
A coluna então finaliza mostrando a dica do dia: o Snack writing. Escreva de maneira regular, e se acostume em escrever em períodos curtos de tempo, como lanches. Não se iluda de que é necessário um dia inteiro para você escrever uma introdução de um artigo. Muitas vezes, somos mesmo produtivos por curtos períodos e a extensão desse tempo só causa mais improdutividade. Eu uso esse método de snack writing desde o meu doutorado e sugiro realmente a técnica. Ela vai te ajudar a ser mais produtivo sem se martirizar.
Fica a dica de leitura do dia.