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sexta-feira, 16 de julho de 2010

A BAGUNÇA DOS LINFÓCITOS TCD4... E AGORA ???..

Os recentes progressos no campo na imunologia levaram ao desenvolvimento de novas ferramentas metodológicas para o estudo dos mecanismos envolvidos na ativação e regulação do sistema imune. Tais ferramentas nos permitiram elaborar experimentos cada vez mais refinados para compreender os eventos que envolvem a diferenciação das diversas subpopulações de linfócitos T helper que têm sido descritas nas últimas décadas. Paralelamente, foram publicados vários trabalhos que descrevem protocolos para a diferenciação in vitro desses subtipos celulares. Enquanto se conhecia apenas os linfócitos Th1 e Th2, tudo parecia muito simples: ao se adicionar IL-12 e anticorpos que bloqueiam IL-4 a uma cultura de linfócitos T naive CD4+ obtêm-se células de padrão Th1 (REGARAJAN J, 2000). Por outro lado, culturas contendo IL-4 e anticorpos contra IFN-g favorecem a diferenciação de linfócitos Th2 (MURPHY KM, 2002).

Durante muito tempo acreditou-se que as células obtidas a partir desses protocolos encontravam-se permanentemente diferenciadas. De fato, parece muito lógico quando se tenta extrapolar tais informações para modelos in vivo: por exemplo, durante uma infecção bacteriana que induz a produção de IL-12, são diferenciadas células Th1 efetoras e de memória, que durante um próximo contato com a bactéria irão "se lembrar" não apenas da especificidade antigênica, como também do padrão de resposta adequado para a eliminação do patógeno. Entretanto, embora o paradigma de estabilidade e diferenciação terminal dos subtipos de linfócitos T helper tenha sido muito útil para a geração do conhecimento imunológico que temos atualmente, este conceito tem sido questionado nos últimos anos. Tal fato deve-se principalmente à descoberta da existência de linfócitos T reguladores, Th17, Th9, Th22 e Th foliculares, da reciprocidade dos mecanismos envolvidos na diferenciação dessas células e também da plasticidade que existe entre elas.

Quem já tentou realizar um experimento de diferenciação in vitro sabe das dificuldades em se obter um resultado positivo devido à complexidade dos elementos responsáveis pela diferenciação celular. Um exemplo muito claro disso é o papel da citocina TGF-b sobre linfócitos T naive: na presença de IL-2, promove a diferenciação de células T reguladoras (DAVIDSON TS, 2007); a presença de IL-6, favorece as células Th17 (MUCIDA D, 2007); e na presença de IL-4, os linfócitos Th9 (VELDHOEN M, 2008). Além disso, o TGF-b também exerce um papel chave na plasticidade de linfócitos já diferenciados: pode induzir a produção de IL-9 por células Th17 (BERIOU G, 2010) ou até mesmo levar os linfócitos Th2 a se diferenciarem em Th9 (CHANG HC, 2010). Na presença de IFN do tipo I, células de padrão Th2 podem ser revertidas a Th1 (HEGAZY NA, 2010).

Outro fator importante é o tempo que leva a diferenciação celular. Existem protocolos na literatura que empregam de 3 a 9 dias de diferenciação com um, dois ou três ciclos de estimulação. No entanto, para que as células proliferem e permaneçam viáveis por tanto tempo, além do estímulo policlonal (anticorpos contra CD3 e CD28) é necessária a adição de fatores de crescimento que também podem interferir no processo de diferenciação celular. A IL-2, por exemplo, diminui a produção de IL-17 por células Th17 e promove a produção de IL-9 in vitro (BERIOU G, 2010). Além disso, é uma visão muito simplista acreditar que apenas as citocinas promovem a diferenciação in vitro de células semelhantes àquelas encontradas in vivo. Vários fatores presentes no microambiente inflamatório também podem colaborar significativamente tanto para a diferenciação do linfócito quanto para a plasticidade das células diferenciadas, como por exemplo, o ácido retinóico para a diferenciação de Treg (ELIAS KM, 2008) e agonistas de receptores do tipo Toll para a diferenciação do padrão Th1 e Th17 (REYNOLDS JM, 2010).

Outro fator muito importante é o tempo de cultura: apenas um round de estimulação é suficiente ou é necessário que a célula permaneça no microambiente por mais tempo? Se esse tempo é prolongado é importante lembrar que essas células ainda precisam de um estímulo para sua sobrevivência.

Finalmente, outro ponto importante a ser considerado é a estabilidade in vivo das células diferenciadas in vitro. Será que quando esses linfócitos são capazes de manter seu padrão de secreção de citocinas quando encontram um microambiente inflamatório? Alguns trabalhos já mostraram que nem sempre isso ocorre. Após a transferência de linfócitos Th17 para animais submetidos a um protocolo de indução de artrite reumatóide, essas células são convertidas para um padrão Th1 e não exacerbam a doença (JANKE M, 2010).

Dessa forma, vale a pena uma reflexão sobre nossos resultados: será que os fenômenos que vemos após um experimento de diferenciação de linfócitos in vitro são mesmo aqueles que acreditamos ser? Devemos deixar de realizar ensaios desse tipo? Não, não devemos abolir a diferenciação in vitro, muito pelo contrário, temos que aperfeiçoá-la e torná-la o mais fidedigna possível, mas acima de tudo, ter um olhar crítico sobre as conclusões que obtemos a partir desses experimentos.

Denise Morais da Fonseca (Pós-doutoranda, FMRP-USP)

Luciana Benevides (Doutoranda, FMRP-USP)

Vanessa Carregaro (Pós-doutoranda, FMRP-USP)

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3 comentários:

  1. Parabéns Luciana e Vanessa bem esclarecedor e de relevância
    para quem pesquisa sobre imunidade celular

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  2. Maravilhoso esse post. Realmente deveria ser lido por todos os que se aventuram a trabalhar com tais células indecisas.

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