Desde a descoberta da vacina por Edward
Jenner em 1795, vários trabalhos têm se concentrado no desenvolvimento de
substâncias com potencial para fornecer imunidade protetora contra uma
infinidade de doenças. Estes estudos demonstraram que a eficiência de uma
vacina está relacionada a fatores diversos que precisam ser levados em consideração
durante o seu desenvolvimento como, por exemplo, tipo de substância imunogênica
a ser administrada, uso de adjuvante, via de administração, dose, idade dos
indivíduos, estado nutricional, etnia, histórico genético familiar e entre
outros.
A administração de vacinas por vias não
mucosas têm demonstrado pouca proteção quando o órgão-alvo a ser imunizado é um
tecido mucoso. Foi demonstrado por Gallichan e Rosenthal em 1996 que a
imunização de mucosa pode garantir imunidade mediada por células de maneira
mais eficiente que a administração por via não mucosa (1). Hoje, sabe-se que a
administração de vacinas em mucosas gera linfócitos de memória com tropismo
para essas regiões, garantindo um pool de células de memória efetora e central
tecido-específicas. Entretanto, poucas vacinas são administradas por vias
mucosas, isso porque a administração de patógenos vivos coloca em risco
indivíduos imunossuprimidos, enquanto a administração de patógenos mortos ou
antígenos moleculares específicos apresenta pouca imunogenicidade quando
aplicados em mucosas intactas. Neste sentido, várias ferramentas vêm sendo
desenvolvidas para garantir eficiência de vacinas administradas por via mucosa,
como por exemplo, o uso de moléculas adjuvantes como agonistas de TLR e de nanoparticulas
carreadoras a fim de garantir o “delivery”
do adjuvante na célula-alvo.
O trabalho de Stary e colaboradores,
publicado em junho deste ano na Science trouxe o desenvolvimento de uma vacina
contra Chlamydia trachomatis (Ct),
uma bactéria gram negativa, intracelular obrigatória que infecta células
epiteliais da mucosa. Ct causa a
infecção bacteriana sexualmente transmissível mais comummente encontrada e importante
causa de infertilidade em mulheres, gravidez ectópica e tracoma. Neste
trabalho, os autores propõe que a administração intrauterina ou intranasal de Ct inativada por luz ultravioleta (UV-Ct) em conjunto com um adjuvante
composto de partículas sintéticas com troca de carga (cSAP – Fig1) protege os
animais imunizados frente ao desafio posterior com Ct.
Figura
1. Representação esquemática de UV-Ct-cSAPs. (Stary, G. 2013 - Science)
A tolerância observada nos animais
imunizados com UV-Ct depende da
geração de células T reguladoras, enquanto que a administração de UV-Ct-cSAP previne a formação destas
células, favorecendo a expansão de células T efetoras produtoras de IFNg,
IL-2 e TNF no útero dos animais. Com relação às APCs, foi observado que a
geração distinta dos subtipos de células T depende da aquisição diferencial de
material genético de Ct por DCs: UV-Ct é adquirida por DCs 103+, que
expressam IL-10 e PD-L2, favorecendo a proliferação de Tregs. Já UV-Ct-cSAP é adquirida por DCs CD103-,
relacionadas com a expansão de CD4+ efetoras.
Além disso, foi observado que a
imunização via intranasal (i.n.) também induz a proteção dos animais frente ao
desafio. Independente da via de imunização, tanto i.n. quanto i.u., UV-Ct-cSAP induz a geração de células T de
memória que se distribuem para os tecidos mucosos. Posteriormente, após o
desafio, foi observado que as células T residentes de memória são importantes
para o recrutamento de células T de memória circulantes, de forma que ambas são
cruciais para o controle da infecção bacteriana.
Desta forma, estabelece-se um novo
paradigma para a geração de futuras vacinas contra infecções mucosas,
considerando a geração de células T de memória residentes e circulantes,
cruciais para a proteção durante infecções futuras.
Referências
(1) Gallichan WS1, Rosenthal KL. Long-lived cytotoxic
T lymphocyte memory in mucosal tissues after mucosal but not systemic
immunization. J Exp Med. 1996 Nov 1;184(5):1879-90.
Post de Morgana Borges Prado e Gustavo
Quirino (doutorandos FMRP-USP/IBA)
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