domingo, 6 de setembro de 2015

Journal Club IBA: Uma vacina mucosa contra Chlamydia trachomatis gera duas ondas de células T de memória protetora



          Desde a descoberta da vacina por Edward Jenner em 1795, vários trabalhos têm se concentrado no desenvolvimento de substâncias com potencial para fornecer imunidade protetora contra uma infinidade de doenças. Estes estudos demonstraram que a eficiência de uma vacina está relacionada a fatores diversos que precisam ser levados em consideração durante o seu desenvolvimento como, por exemplo, tipo de substância imunogênica a ser administrada, uso de adjuvante, via de administração, dose, idade dos indivíduos, estado nutricional, etnia, histórico genético familiar e entre outros.
A administração de vacinas por vias não mucosas têm demonstrado pouca proteção quando o órgão-alvo a ser imunizado é um tecido mucoso. Foi demonstrado por Gallichan e Rosenthal em 1996 que a imunização de mucosa pode garantir imunidade mediada por células de maneira mais eficiente que a administração por via não mucosa (1). Hoje, sabe-se que a administração de vacinas em mucosas gera linfócitos de memória com tropismo para essas regiões, garantindo um pool de células de memória efetora e central tecido-específicas. Entretanto, poucas vacinas são administradas por vias mucosas, isso porque a administração de patógenos vivos coloca em risco indivíduos imunossuprimidos, enquanto a administração de patógenos mortos ou antígenos moleculares específicos apresenta pouca imunogenicidade quando aplicados em mucosas intactas. Neste sentido, várias ferramentas vêm sendo desenvolvidas para garantir eficiência de vacinas administradas por via mucosa, como por exemplo, o uso de moléculas adjuvantes como agonistas de TLR e de nanoparticulas carreadoras a fim de garantir o “delivery” do adjuvante na célula-alvo.
O trabalho de Stary e colaboradores, publicado em junho deste ano na Science trouxe o desenvolvimento de uma vacina contra Chlamydia trachomatis (Ct), uma bactéria gram negativa, intracelular obrigatória que infecta células epiteliais da mucosa. Ct causa a infecção bacteriana sexualmente transmissível mais comummente encontrada e importante causa de infertilidade em mulheres, gravidez ectópica e tracoma. Neste trabalho, os autores propõe que a administração intrauterina ou intranasal de Ct inativada por luz ultravioleta (UV-Ct) em conjunto com um adjuvante composto de partículas sintéticas com troca de carga (cSAP – Fig1) protege os animais imunizados frente ao desafio posterior com Ct.


Figura 1. Representação esquemática de UV-Ct-cSAPs. (Stary, G. 2013 - Science)

A tolerância observada nos animais imunizados com UV-Ct depende da geração de células T reguladoras, enquanto que a administração de UV-Ct-cSAP previne a formação destas células, favorecendo a expansão de células T efetoras produtoras de IFNg, IL-2 e TNF no útero dos animais. Com relação às APCs, foi observado que a geração distinta dos subtipos de células T depende da aquisição diferencial de material genético de Ct por DCs: UV-Ct é adquirida por DCs 103+, que expressam IL-10 e PD-L2, favorecendo a proliferação de Tregs. Já UV-Ct-cSAP é adquirida por DCs CD103-, relacionadas com a expansão de CD4+ efetoras.
Além disso, foi observado que a imunização via intranasal (i.n.) também induz a proteção dos animais frente ao desafio. Independente da via de imunização, tanto i.n. quanto i.u., UV-Ct-cSAP induz a geração de células T de memória que se distribuem para os tecidos mucosos. Posteriormente, após o desafio, foi observado que as células T residentes de memória são importantes para o recrutamento de células T de memória circulantes, de forma que ambas são cruciais para o controle da infecção bacteriana.
Desta forma, estabelece-se um novo paradigma para a geração de futuras vacinas contra infecções mucosas, considerando a geração de células T de memória residentes e circulantes, cruciais para a proteção durante infecções futuras.



Referências
(1) Gallichan WS1, Rosenthal KL. Long-lived cytotoxic T lymphocyte memory in mucosal tissues after mucosal but not systemic immunization. J Exp Med. 1996 Nov 1;184(5):1879-90.
Arquivo completo disponível em: DOI: 10.1126/science.aaa8205

Post de Morgana Borges Prado e Gustavo Quirino (doutorandos FMRP-USP/IBA)

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