Uma das complicações desencadeada pelo diabetes é a lenta cicatrização
de feridas, atribuída à má circulação, devido ao estreitamento de vasos
sanguíneos, à neuropatia que conduz à perda da sensação de dor e a uma resposta
imune ineficaz, que seria incapaz de controlar as possíveis infecções no local.
Em trabalho publicado recentemente, Wong e colaboradores demonstraram um novo
fator que poderia retardar a cicatrização em indivíduos diabéticos: a excessiva
liberação de NETs no local da lesão. Os pesquisadores demonstraram, inicialmente,
que há um massivo recrutamento de neutrófilos nas feridas realizadas na região
dorsal de camundongos WT a partir de 3 dias após a lesão, enquanto essas
células não foram encontradas na pele não lesionada. Tendo em vista que esses
neutrófilos foram capazes de liberar grandes quantidades de NETs no local da
lesão, avaliou-se se essas redes de DNA poderiam afetar o processo de
cicatrização de feridas. Para isso, foram realizadas lesões no dorso de
camundongos WT e de animais deficientes para PAD4, uma peptidilarginase capaz
de citrulinar histonas, induzindo a descondensação do DNA nuclear e liberação
de NETs. Uma vez que a citrulinação e descondensação do DNA são eventos
cruciais no processo de NETose, camundongos deficientes de PAD4 não apresentaram
produção de NETs, nem expressão de H3Cit nas feridas, embora os neutrófilos
tenham sido recrutados para a lesão. Como conseqüência disso, o processo de
cicatrização e a re-epiletização das feridas nesses animais se deu de forma
mais rápida que em camundongos WT.
Uma vez caracterizado que NETs são capazes de atrasar o processo de
cicatrização em animais normoglicêmicos, especulou-se que possíveis alterações
em neutrófilos de indivíduos diabéticos poderiam levar à exacerbação no
processo de NETose, interferindo na cicatrização de feridas nesses indivíduos.
Demonstrou-se que, de fato, neutrófilos de pacientes com diabetes (tipo 1 e 2)
produzem mais NETs que de indivíduos sadios quando estimulados com a ionomicina
(ionóforo de cálcio responsável pelo aumento do Ca2+ intracelular) e
PMA (a qual estimula a produção de ROS), bem como um aumento substancial da
expressão de PAD4. Interessantemente, neutrófilos de indivíduos sadios
produziram mais NETs quando cultivados em meio rico em glicose, indicando que a
suscetibilidade aumentada a NETose pode ser devido à hiperglicemia
característica dos pacientes com diabetes. Esses resultados foram confirmados
nos modelos animais de diabetes tipo 1 (induzido por estreptozotocina) e tipo 2
(camundongo db/db). Em seguida, camundongos PAD4-/-e WT foram
submetidos à indução de diabetes tipo 1 e demonstrou-se que, assim como
observado previamente em animais normoglicêmicos, a cicatrização em camundongos diabéticos
deficientes de PAD4 foi mais rápida que em camundongos diabéticos WT. Contudo
não foram observadas diferenças na cicatrização de camundongos diabéticos
deficientes de PAD4 quando comparado com camundongos WT não diabéticos, visto
que, mesmo em condições de hiperglicemia, esses animais não foram capazes de
liberar NETs. Esses resultados indicam que, em condições de hiperglicemia,
neutrófilos sofrem mais NETose e este parece ser o principal mecanismo
envolvido com o retardo da cicatrização em pacientes com diabetes. Especula-se
que altas concentrações de glicose possam induzir desbalanços metabólicos que
levam ao aumento da produção de espécies reativas de oxigênio (ROS), que têm
papel chave na indução de NETs. Por fim, a fim de propor uma possível abordagem
terapêutica para estes achados, os autores demonstraram que o tratamento com
DNAse 1, que leva à degradação de NETs, acelera a cicatrização das feridas
tanto em camundongos WT como em camundongos diabéticos. Portanto, o trabalho
demonstra que NETs prejudicam o processo de cicatrização de feridas, sobretudo
em pacientes com diabetes, que possuem neutrófilos mais propensos a sofrer
NETose.
Figura 1. Aumento da NETose em ambiente com
elevadas concentrações de glicose causa o retardo da cicatrização. A elevada concentração da
glicose no sangue de pacientes com diabetes está associada com o aumento da
expressão de PAD4 em neutrófilos, o que induz o aumento da produção de NETs por
essas células. As feridas de pacientes com diabetes possuem aumento no número
de NETs, resultando no retardo do processo de cicatrização.
Referência Bibliográfica
Wong, S.L. et al.
Diabetes primes neutrophils to undergo NETosis, which impairs wound healing. Nat Med. 21(7), 815-819 (2015).
Post de
Júlia Teixeira e Marcela Davoli (doutorandas FMRP-USP/IBA).
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