“A educação
brasileira está pior a cada ano”; “Os alunos, tanto no ensino básico quanto na
universidade, estão péssimos”; “Tudo anda mal no ensino”. Essas são algumas das
frases que qualquer um de nós escuta diariamente ao ter uma conversa na
cantina, no churrasco com os amigos, no intervalo da aula na faculdade. O
assunto As mazelas da educação brasileira
é popular. Todos nós nos sentimos aptos a falar sobre. Entretanto, propor
soluções é para alguns. Entender a origem é, ainda, desnecessário. Insisto
perguntando: afinal o que está por detrás desse colapso factual que está
cristalizado no discurso de qualquer brasileiro dos dias de hoje? Sobre esse
assunto, quando tento buscar alguma causa, não consigo encontrar outra, se um
dos pontos cruciais de origem: o Golpe civil-militar de 64 e seus ecos até a
estrutura da sociedade brasileira da atualidade. E a esse respeito os
documentos deixados e estudos produzidos posteriormente são volumosos e
extensos. Durante o período, o sistema estatal instalado operou no corte dos direitos
civis e a estrutura educacional brasileira foi transversalmente – da educação
básica à educação superior - reformulada. A sociedade não teve forças
suficientes para resistir. Na queda do regime houve esperança de mudanças. A
sociedade ainda sem forças para resistir aceita e perpetua os ecos da bomba lançada
pela ditadura e que ainda hoje, escutamos o som. O eco. É sobre a última
questão que vou me atentar brevemente na minha análise da educação,
principalmente da década de noventa até nossos dias, nas próximas linhas.
Nessa semana se “comemoram”
os cinquenta anos do golpe militar de 1964. Vou trocar a palavra midiática de
‘comemorar’ por ‘lembrar’. Afinal acredito (acho que a grande maioria vai estar
pleno acordo comigo) que não há nada para se comemorar. Na ditadura, além das
atrocidades feitas contra aqueles que resistiam, se hoje olharmos para dentro
da educação brasileira, focarmos a lupa para a universidade, berço de grande
parte do conhecimento científico construído no Brasil, poderemos verificar, sem grandes dificuldades, pedaços desse passado não
tão distante, que ainda está vivo e pulsa todos os dias. Porém o que se vê
impregnado na universidade estruturada na ditadura é apenas o reflexo da
distorção pior do que o que foi estruturada na educação básica. Na base houve o
esfacelamento das atividades educativas de reflexão, priorizando o pensamento
técnico; extirpação das disciplinas de humanas, como filosofia e sociologia da
estrutura do ensino básico. Eram disciplinas que ofereciam ‘perigo’, pois com a
proposta de livre pensamento, se caracterizam incompatíveis com a face
autoritária em questão. (O que é típico de objetivos totalitários irem
recortando camadas subjetivas da racionalidade humana, transformando e
naturalizando pessoas dotadas da capacidade de pensar, sentir e refletir em
meros executores de ordens, “fiz porque recebi ordens”). Assim, essas
disciplinas do pensar humanista foram substituídas arbitrariamente pela
‘Educação Moral e Cívica’ e ‘Estudos dos problemas brasileiros’); o ingresso no
ensino superior passou a ser por meio de vestibular unificado e classificatório
(dando início à privatização no acesso ao ensino superior, fazendo pipocar os
cursinhos pré-vestibulares e limitando o acesso ao ensino superior por grande
parcela da população. Decidindo quem tem o direito a ter uma educação superior
plena ou não); incentivo e massificação da profissionalização da população com
cursos técnicos e executivos.
Essas poucas ações
aqui pontuadas não fazem jus a outras tantas que somadas deformaram o sistema
educacional brasileiro. A distorção desse sistema se debruça com força sobre o
sistema do ensino superior, que passava por uma reforma, ganhando moldes
transplantados de outras culturas nos anos de 68 e 69. Uma reforma
universitária cujas estruturas permanecem até hoje (na reforma, com um intuito
de aumentar a produtividade na universidade sobressaem a estrutura
departamental [em muitos casos a estrutura departamental finaliza a alocação
burocrática-administrativa dos professores e que em outros casos dificulta a
interação e intenções de um trabalho na produção de um conhecimento no
coletivo]; disciplinas oferecidas por sistema de créditos, estrutura da carreira
do magistério e etc.). E nesse redemoinho de mudanças, ainda na universidade,
professores que tinham posições política divergentes do regime são perseguidos,
habilitações são caçadas, alguns expulsos, outros torturados e outros
desaparecidos.
Passados esses anos das mudanças dentro dos
anos de chumbo e atingindo o final da década de oitenta, quando cai a ditadura,
a pergunta crucial: houve mudanças profundas na estrutura da educação
brasileira? Mudanças significativas, melhorias? Essas respostas não são simples
de fazer. Cabe um preâmbulo nelas. É fácil fazer, e creditar toda a estruturação
da educação brasileira dessa maneira somente ao aparelho de Estado da ditadura.
O Estado teve sua enorme parcela ao impor um sistema. Os civis, outra maior. Principalmente
os da década de noventa em diante. E a esses civis ainda continua essa grande
parcela quando abrem mão, deliberadamente, de uma das maiores habilidades do
ser humano que é a capacidade de pensar para assumirem e absorver o discurso
estatal. Como se as ações que executamos no cotidiano fossem apenas frutos do
conjunto de ações impostas, como se não tivéssemos qualquer responsabilidade na
deliberação de estar, fazer ou ser. A responsabilidade da reflexão e da ação
está sempre no Outro, no Estado, e a nós só nos cabe seguir sem refletir.
Há quem defenda que a
escola no período ditatorial era de grande qualidade, pois se associa aquela
qualidade à ordem e disciplina repressiva. Ordem e disciplina, como discurso
estatal-ditador, não podem ser associados à qualidade. Qualidade tem que vir
associada ao desenvolvimento do ser humano em sua plenitude, liberdade e
exercício de cidadania. E quando digo sobre os ecos que ainda padecemos é nessa
direção: a educação atual não proporciona a reflexão, pois não somos ensinados
a discutir o ser político, o ser cidadão, o papel que devemos executar na
sociedade. Na nossa atualidade, quem se dá a discussão do ser político e
cidadania é estigmatizado ao ‘mal-humorado’, ‘desocupado’, ‘o chato’ que
deveria estar produzindo. Produzindo algo material, palpável. Afinal o que vale
é o produto inerte sem pensamento concretizado, reduzido ao mínimo, pois o
mínimo basta para apenas sobreviver. É natural. O resto é perfumaria. E isso
são os ecos, que podem ser ouvidos, que o passado da ditadura deixou com êxito.
Suspiros que no final da década de 80 a
população brasileira agradece o final da ditadura. Mudanças na LDB (Lei de
Dirterizes e Bases) e o discurso de direito à liberdade e educação a todos.
Mundo das ideias e não da realidade. O que ainda há é a educação básica sucateada,
desqualificada, e a superior sofrendo com pouco investimento financeiro, ausência
de prioridades de propostas governamentais e fadada a apenas sobreviver. Não
sabemos como lidar com isso. Não fomos ensinados a lidar. Há alguns ainda que
afirmam que há um exagero em falar dos malfeitos, dos ajambrados da ditadura
brasileira, que foi uma “ditaleve”, que reclamamos do nada, que houve outras
ditaduras mais severas na América Latina. A nossa foi tão inócua como um
placebo, do qual ainda escutamos os ecos dela nas salas de aulas, nas
universidades, na ciência brasileira. Ela pode ter acabado como um aparelho de
estado trinta anos atrás. Porém ainda sentimos a radiação da bomba lançada em
64 e em seus anos de poder. A solução para isso? A solução parte de nós, mas
não é simples. Essa não foi uma herança que recebemos desse processo todo. A
herança que recebemos foi um conjunto de leis e costumes que amarram
burocraticamente as ações. E sair desse enrosco só com a qualidade da educação,
a qualidade verdadeira, que prepara para o mundo, para encontrar e se
relacionar sinceramente com o Outro.
Finalmente respondendo a
questão: não houve e não se escutam barulhos de que há grandes sinais,
governamentais e da sociedade, para um impulso radical de mudanças. Pelo jeito,
e está claro, que é muito cômodo e está interessante da forma como está.
Post por Daniel Manzoni
Post por Daniel Manzoni
acho a discussão deste texto muito válida, mas se fosse pra ler um post antigo, minha preferencia seria por algo relacionado à imunologia.
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