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terça-feira, 2 de julho de 2013

Lítio, Telômeros Leucocitários e Distúrbios Bipolares


Por Gabriel Shimizu Bassi (FMRP-USP)



Não é incomum encontrar pessoas que já tenham escutado o termo “Distúrbio Bipolar” (DB). Em linhas gerais, consiste de episódios alternantes rápidos (dias) entre sintomas maníacos e depressivos. É aquele indivíduo que de estados de profunda depressão alterna para euforia intensa (fase maníaca), seguido de nova depressão (ciclagem do DB). Seu tratamento é puramente sintomático (pois não se sabe ao certo sua causa), e a dose medicamentosa é muito variável, sendo muito comum o uso do elemento químico lítio como estabilizador de humor (também utilizado na prevenção de suicídio).

Curiosamente, pouco se sabe sobre os efeitos do lítio no organismo. O que se sabe é que os íons Li+ substituem os íons Na+ no momento da ativação celular e efetuam uma variedade de alterações em enzimas, cascatas de sinalização e cromossômicas. O lítio ativa cascatas de proteínas (tais como Bcl-2 e a via Wnt) que protegem os neurônios, inibe a glicogênio sintase kinase 3 (GSK-3) e modula a sinalização via Akt (Angelucci et al., 2003, Husum e Mathe, 2002, Johson et al., 2001, Miller et al., 2007). Além disso, o lítio atua na hTERT, uma proteína que controla a atividade enzimática da telomerase (Hartwig et al., 2012) e conhecida por manter o comprimento dos telômeros em células cancerosas (Zhang et al., 2012).


Estudos mostram que em alguns distúrbios psiquiátricos, tais como ansiedade fóbica, esquizofrenia e depressão, é comum encontrar leucócitos com telômeros encurtados (Wolkowitz et al., 2011, Okereke et al., 2012). Esse tipo de encurtamento também está relacionado com a incidência de episódios depressivos (Simon et al., 2006), e a uma resposta positiva ao tratamento psiquiátrico da esquizofrenia (Yu et al., 2008). Além disso, antidepressivos protegem contra o encurtamento anormal de telômeros (Wolkowitz et al., 2012, 2011). E somente um pequeno estudo com 28 pacientes mostrou uma associação entre DB e telômeros leucocitários encurtados (Elvsashagen et al., 2011).


Sabendo-se desses dados, Martin e colaboradores (2013) analisaram 789 pacientes diagnosticados com vários tipos de DB (tipo I ou II, lítio-resistentes e cicladores), coletando amostras de sangue periférico para determinar o comprimento dos telômeros de leucócitos por PCR. A partir de um pensamento simples, os autores encontraram 3 associações muito interessantes.
  1. O tamanho dos telômeros dos leucócitos é proporcional ao tempo de tratamento com lítio (acima de 30 meses);
  2. O comprimento dos telômeros leucocitários estava reduzido em pacientes de rápida ciclagem. E quanto menor o tamanho dos telômeros, maior o número de episódios depressivos, especialmente em homens;
  3. O comprimento dos telômeros de leucócitos aumentou em pacientes que respondiam bem ao lítio comparados aos não respondentes.

O estudo traz a possibilidade de que o encurtamento de telômeros em leucócitos possa ser um marcador biológico para o DB. Além disso, mostra que o tratamento psiquiátrico com lítio pode ter seus efeitos em células do sistema imune, as quais podem ser responsáveis por distúrbios psiquiátricos de alta complexidade. Infelizmente pouco se sabe sobre os efeitos do lítio sobre células do sistema imune. Devemos lembrar que monócitos, neutrófilos, basófilos, macrófagos, células dendríticas, linfócitos e muitas outras células imunes (diferenciadas ou não) estão neste leque leucocitário estudado.


Quanto ao lítio, há anos já se estuda a possibilidade de adicioná-lo à água doméstica, semelhantemente ao flúor, para reduzir casos de suicídio e depressão (1,2). De tabela poderíamos ter uma redução na incidência de doenças imunes (auto-imunes?), com restauração da atividade de leucócitos e manutenção dos telômeros.


Aparentemente aquela antiga filosofia do mens sana in corpore sano tenha lá suas verdades. Talvez um mero anti-inflamatório possa resolver alguns distúrbios mentais (Lotrich e cols., 2011). E uns antidepressivos possam resolver algumas patologias imunes (Marteli e cols., 1967; Neveau e Castanon, 1999).



Fonte: Martinsson L, Wei Y, Xu D, Melas PA, Mathé AA, Schalling M, Lavebratt C, Backlund L. Long-term lithium treatment in bipolar disorder is associated with longer leukocyte telomeres. Transl Psychiatry. 3: 261-268, 2013.

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Um comentário:

  1. Muito interessante Gabriel. Essas associações são sempre intrigantes. Difícil é saber nesses casos o que é causa e efeito.

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