Por Gabriel Shimizu Bassi (FMRP-USP)
Antibióticos (e a descoberta de microorganismos como fonte de
patógenos) foram um dos grandes responsáveis pelo aumento da expectativa de
vida, diminuição da morbidade e mortalidade entre humanos. A famosa descoberta,
em 1928, da penicilina por Alexander Fleming apresentou o primeiro antisséptico
da história. Em 1942, Selman Waksman cunhou o termo “antibiótico”. Foi o início de uma era dourada. Entre 1940 e 1980 houve um súbito aumento na expectativa de
vida da população concomitantemente ao uso dos antibióticos. A confiança nos bactericidas
era tamanha que William Stewart, cirurgião estadunidense, num discurso ao congresso,
em 1969, declarou que era hora de “dispensar os
livros sobre doenças infecciosas e declarar vitória sobre as pestilências”.
Obviamente que muitos foram contra. Fleming já havia dito em 1945 que o mau uso
dos antibióticos (que incluía a automedicação) poderia favorecer o crescimento
de bactérias resistentes. Bom, o resto da história a gente sabe, principalmente
quem trabalha(ou) na clínica. Mas qual é o efeito bactericida dos antibióticos?
Já é sabido de longa data os mecanismos pelos quais os
antibióticos matam bactérias. Em 2007, Kohanski e
colaboradores mostraram que o mecanismo funcional de todas as
classe de antibióticos se dá por uma via final comum cujo produto é a formação
de radicais hidroxila altamente reativos que danificam o DNA, proteínas e lipídios,
levando a morte celular. Mas, sabendo-se que esses radicais podem danificar
componentes essenciais das bactérias, será que teriam o mesmo efeito em células
de mamíferos?
Para responder a essa pergunta, Jim Collins, da
Universidade de Boston, estudou o efeito de antibióticos sobre a função
mitocondrial de mamíferos. Sabendo-se que os radicais hidroxilas são um tipo de
ROS (espécies reativas do oxigênio), seu efeito poderia se dar justamente nessa
organela. Então os autores se utilizaram de vários tipos celulares de
mamíferos, tais como células mamárias, cardíacas, intestinais e fibroblastos e as
incubaram com três classes de antibióticos: quinolonas (ciprofloxacina),
aminoglicosídeos (kanamicina) e β-lactâmicos (ampicilina); e com um tipo de
bacteriostático (impede o crescimento bacteriano, mas não mata a bacteria), a
tetraciclina, em doses adaptadas da clínica.
Os antibióticos administrados às células causaram danos em vários
componentes celulares, tais como DNA, proteínas, lipídios e organelas (figura).
Houve produção de ROS (entre elas superóxido mitocondrial e H2O2),
dano ao DNA (medido pela quantificação da fosforilação da histona ϒ-H2AX, e por 8-OHdG, um produto do DNA oxidado) e quebra protéica
(medido pelos níveis de carbonilas, resultado do dano oxidativo, e de MDA,
produto final da peroxidação de lipídeos). Efeitos que foram causados pela disfunção
mitocondrial devido à inibição de complexos (I-V) da cadeia de transporte
de elétrons (ECT), diminuindo a função metabólica. Quando essas mesmas classes
de antibióticos foram dadas a camundongos, foi detectado um aumento dos mesmos
marcadores para os vários tipos de tecidos estudados. Mas será que esse efeito
pode ser revertido ou minimizado?
Alterações
morfológicas de mitocôndrias em células mamárias tratados ou não com ciprofloxacina.
A incubação celular com ciprofloxacina por 24 horas alterou a morfologia
mitocondrial, tornando-a anormalmente encurtada, edemaciada e fragmentada
quando comparada com células não tratadas.
Os autores então utilizaram um antioxidante aprovado pelo FDA
(Food and Drug Administration), a N-acetil-L-cisteína (NAC), juntamente ao
antibiótico. Para nova surpresa, a NAC restaurou os níveis e a capacidade
respiratórios das células, diminuiu os níveis de ϒ-H2AX, 8-OHdG, carbonilas e de peroxidação de lipídeos, sem
afetar a propriedade bactericida dos antibióticos. Uma provável explicação é
que a NAC não pode penetrar na bactéria, afetando a produção de ROS somente nas
mitocôndrias, protegendo a célula, mas não a bactéria.
O artigo vem mostrar que devemos rever as terapias antibióticas
utilizadas, principalmente em UTIs, já que, para um paciente em estado de
morbidade, o aumento de ROS pode levar a um agravamento (ou o aparecimento) de
patologias não relacionadas diretamente com a bactéria. Outro ponto é que
devemos utilizar os antibióticos somente quando realmente precisamos
deles, pois há dano celular gênico. E um dano gênico, mesmo
que não leve a morte celular, pode propiciar o aparecimento de células
aberrantes pelo mecanismo de anastase (apoptose reversa),
tornando uma célula defeituosa (cancerosa) mais agressiva e resistente a
tratamentos.
Porém, a utilização de antioxidantes é um bom indicativo para uso
conjunto com antibióticos. Talvez uma porção de alimentos anti-oxidantes no
café-da-manhã possa ajudar a diminuir esses efeitos colaterais. Não somente os
efeitos dos antibióticos, mas das nossas atividades de vida diária.
Fonte: Kalghatgi S, et al. Bactericidal antibiotics induce mitochondrialdysfunction and oxidative damage in mammalian cells. Sci Transl. Med. 5(192):2013.
Muito interessante!
ResponderExcluirAcho que devemos multiplicar este tipo de informação
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