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segunda-feira, 15 de julho de 2013

Antibióticos podem fazer mal às células humanas? O lado negro dos antibióticos

Por Gabriel Shimizu Bassi (FMRP-USP)

Antibióticos (e a descoberta de microorganismos como fonte de patógenos) foram um dos grandes responsáveis pelo aumento da expectativa de vida, diminuição da morbidade e mortalidade entre humanos. A famosa descoberta, em 1928, da penicilina por Alexander Fleming apresentou o primeiro antisséptico da história. Em 1942, Selman Waksman cunhou o termo “antibiótico”. Foi o início de uma era dourada. Entre 1940 e 1980 houve um súbito aumento na expectativa de vida da população concomitantemente ao uso dos antibióticos. A confiança nos bactericidas era tamanha que William Stewart, cirurgião estadunidense, num discurso ao congresso, em 1969, declarou que era hora de “dispensar os livros sobre doenças infecciosas e declarar vitória sobre as pestilências”. Obviamente que muitos foram contra. Fleming já havia dito em 1945 que o mau uso dos antibióticos (que incluía a automedicação) poderia favorecer o crescimento de bactérias resistentes. Bom, o resto da história a gente sabe, principalmente quem trabalha(ou) na clínica. Mas qual é o efeito bactericida dos antibióticos?

Já é sabido de longa data os mecanismos pelos quais os antibióticos matam bactérias. Em 2007, Kohanski e colaboradores mostraram que o mecanismo funcional de todas as classe de antibióticos se dá por uma via final comum cujo produto é a formação de radicais hidroxila altamente reativos que danificam o DNA, proteínas e lipídios, levando a morte celular. Mas, sabendo-se que esses radicais podem danificar componentes essenciais das bactérias, será que teriam o mesmo efeito em células de mamíferos?

Para responder a essa pergunta, Jim Collins, da Universidade de Boston, estudou o efeito de antibióticos sobre a função mitocondrial de mamíferos. Sabendo-se que os radicais hidroxilas são um tipo de ROS (espécies reativas do oxigênio), seu efeito poderia se dar justamente nessa organela. Então os autores se utilizaram de vários tipos celulares de mamíferos, tais como células mamárias, cardíacas, intestinais e fibroblastos e as incubaram com três classes de antibióticos: quinolonas (ciprofloxacina), aminoglicosídeos (kanamicina) e β-lactâmicos (ampicilina); e com um tipo de bacteriostático (impede o crescimento bacteriano, mas não mata a bacteria), a tetraciclina, em doses adaptadas da clínica.

Os antibióticos administrados às células causaram danos em vários componentes celulares, tais como DNA, proteínas, lipídios e organelas (figura). Houve produção de ROS (entre elas superóxido mitocondrial e H2O2), dano ao DNA (medido pela quantificação da fosforilação da histona ϒ-H2AX, e por 8-OHdG, um produto do DNA oxidado) e quebra protéica (medido pelos níveis de carbonilas, resultado do dano oxidativo, e de MDA, produto final da peroxidação de lipídeos). Efeitos que foram causados pela disfunção mitocondrial devido à inibição de complexos (I-V) da cadeia de transporte de elétrons (ECT), diminuindo a função metabólica. Quando essas mesmas classes de antibióticos foram dadas a camundongos, foi detectado um aumento dos mesmos marcadores para os vários tipos de tecidos estudados. Mas será que esse efeito pode ser revertido ou minimizado?


Alterações morfológicas de mitocôndrias em células mamárias tratados ou não com ciprofloxacina. A incubação celular com ciprofloxacina por 24 horas alterou a morfologia mitocondrial, tornando-a anormalmente encurtada, edemaciada e fragmentada quando comparada com células não tratadas.

Os autores então utilizaram um antioxidante aprovado pelo FDA (Food and Drug Administration), a N-acetil-L-cisteína (NAC), juntamente ao antibiótico. Para nova surpresa, a NAC restaurou os níveis e a capacidade respiratórios das células, diminuiu os níveis de ϒ-H2AX, 8-OHdG, carbonilas e de peroxidação de lipídeos, sem afetar a propriedade bactericida dos antibióticos. Uma provável explicação é que a NAC não pode penetrar na bactéria, afetando a produção de ROS somente nas mitocôndrias, protegendo a célula, mas não a bactéria.

O artigo vem mostrar que devemos rever as terapias antibióticas utilizadas, principalmente em UTIs, já que, para um paciente em estado de morbidade, o aumento de ROS pode levar a um agravamento (ou o aparecimento) de patologias não relacionadas diretamente com a bactéria. Outro ponto é que devemos utilizar os antibióticos somente quando realmente precisamos deles, pois há dano celular gênico. E um dano gênico, mesmo que não leve a morte celular, pode propiciar o aparecimento de células aberrantes pelo mecanismo de anastase (apoptose reversa), tornando uma célula defeituosa (cancerosa) mais agressiva e resistente a tratamentos.

Porém, a utilização de antioxidantes é um bom indicativo para uso conjunto com antibióticos. Talvez uma porção de alimentos anti-oxidantes no café-da-manhã possa ajudar a diminuir esses efeitos colaterais. Não somente os efeitos dos antibióticos, mas das nossas atividades de vida diária.


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