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sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Elegância



Nov 6. Na minha cabeça de menino, o Japão era a terra do National Kid, de Godzilla, dos terremotos, e das ondas gigantes que eu via na TV. Mais tarde descobri que o Japão era isso e muito mais O Japão é a terra da beleza, da delicadeza, e da elegância. 

A primeira vez foi em 88.  Acordei e da cama e ao esticar o braço bati na parede. Pobreza. Comia curry com arroz na estação, porque era mais barato. Fui pra Kyoto pro congresso mundial de endocrinologia, falar dos primeiros bichos que tinha feito. Do meeting não me lembro muito. Lembro dum calor federal. Lembro de ver o agora imperador Akihito e sua mulher, na recepção do congresso. Recepção na qual também vi médicos brasileiros jogando moeda pra engasgar os peixes ornamentais. Lance só suplantado em elegância  pelo berro de um compatriota, reverberando nas paredes dos Invalides em Paris: não te disse que aquele filho da puta do Napoleão tava enterrado aqui?

Que mais lembro? Lembro de pachinko, das lojas de jogo, das grandes lojas onde podíamos comprar tudo, até um mini saxofone elétrico que comprei e que nunca aprendi a tocar. Só encher o saco das minhas filhas. E de comprar uns pratos bonitos. Lembro de voltar e ir comer num grego. E me sentir um porco ocidental. E de trabalhar como um mouro pra escrever minha tese de doutorado em um mês.

Depois em 2002, aí feito bacana, como convidado, pra falar na Sociedade Japonesa de Imunologia. Foi em Tóquio em Shinjuku. Muito tratamento.  Depois fiz uma pequena tour, falando, vendo. Kyoto, onde vi outra vez os templos e fui levado para jantar num buraco na parede onde me serviram a comida mais fantástica da vida: Kaiseki.  

Dessa vez, em Tóquio, a primeira descoberta foi uma sopa de cogumelos. Calma aí. É outono. Uma sopa com aqueles espaguetes calibrados, udon. Maravilha, maravilha. Andamos por Ginza, e fomos a Tsukiji, o grande mercado de peixes, que não aceita mais turista. Turista só às 9. E eram cinco e meia. Fomos comer um sushi de café da manhã ali perto, e de lá fomos ate Asakusa, ver o grande templo. Pegamos um metro pra o Meiji shrine que é um dos lugares que eu mais gosto em Tóquio, e vimos as crianças mais lindas, vestidas de kimono, festejando  os aniversários de 7-5-3 anos de vida (mês que vem boto um link pras fotos. Tirei 6 mil dessa vez, umas duas vão prestar).

Esta viagem foi uma mistura de férias e alguns talks. Depois de Tóquio, Gláucia e eu fomos pra Kanazawa, que fica na costa oeste. Naofumi Mukaida, diretor do instituto do câncer da Universidade de Kanazawa, foi nos pegar no aeroporto. Acordamos chumbados, tomamos um café no hotel e estamos até hoje pagando a conta. Pior não foi isso. Chovia. Chovia e eu pensava, que merda. Fomos passear assim mesmo, na chuva, no Kenrokuen, um dos 3 jardins mais bonitos do Japão.

Mukaida veio nos pegar às 3 e fomos lá pro instituto dele. Ele nos levou a uma sala grande da diretoria e nos serviu um chá verde. Ai veio um assistant professor dele (mais sobre a vida acadêmica japonesa abaixo) e mostrou seu trabalho. Interessante, tinha que ver com o papel de CCR2 no controle do influxo das células dendríticas no timo. Bom, aí veio o talk.  Fomos jantar num lugar legal, e lá pelas tantas, depois do saquê, a baba escorria e eu estava semi comatoso. No dia seguinte, acordei como um Apolo (acho que foi o cogumelo com o saquê), e fomos passear pela cidade. Entramos no mercado onde vimos mais cogumelos e uns caranguejos gigantes. Vimos caranguejo a 200 dólares. Sério. Fomos em direção ao museu de arte moderna e no caminho, batemos, puro instinto, num shrine. Ah, lá tinha mais criança no 7-5-3, e em determinado momento descobrimos um jardim graças a um japonês que insistia em nos apontar o lugar. Caraca. O lugar era lindíssimo, dessas coisas de cair o queixo. Fomos pro museu que foi meio decepcionante, exceto que tinha uma instalação no meio de um pátio. Uma sala de vidro no centro, com um microfone. Do lado de fora uma guarda chuva aberto que rodava, e uma bacia de água com uma mangueira dentro. Pra ativar a "arte" você tinha que falar no microfone. Veio uma japonesa, gritou e nada. Cantou e nada. Depois veio um grupo de meninos e um sussurrou, o guarda chuva rodou, rodou e a mangueira bateu desesperada dentro da bacia. Eu fiquei olhando ali, besta. Demos uma volta, vimos outras leseiras mais e ao sair me deu vontade de ser artista. E resolvi testar se a arte era universal, se entendia português e tal. Não tive dúvida. Fui lá e disse bem quietinho no microfone: bundinha. Um delírio, "a arte" alucinou

Nov 14. Em Osaka, demoramos feito baratas jetlegadas para encontrar o hotel que ficava em cima da Namba station. Deixamos as malas lá e saímos em direção a Koyasan, na montanha. Chegamos ao nosso destino por volta das 3, um mosteiro budista, perto de uma das grandes atrações de Koyasan, Okunoin, um mausoléu enorme numa floresta de ciprestes altíssimos. Caminhamos na chuva, maravilhados. Voltamos ao mosteiro às 4 e meia, tomamos um banho quente, vestimos nossos quimonos e os monges nos serviram um jantar vegetariano, maravilhoso. No outro dia de manhã, acordamos às seis e fomos ver um ritual budista, 40 minutos de incenso, com direito a gongo, cantoria, e uma profunda paz. Saímos pra passear e ver templo, jardins, etc. Vimos o Kongobuji onde está o maior jardim de pedras do Japão. Vimos as cores mais lindas, as maple trees incendiando o azul do céu de vermelho, as ginko trees de amarelo. Um negócio lindíssimo. Toda Koyasan é patrimônio da humanidade, esta completando 1200 anos de existência. Voltamos pra Osaka, contraste maior impossível. O hotel era muito bom, 32o andar, dava pra ver a cidade se estendendo sem fim. Osamu Yoshie, veio nos encontrar. Osamu descobriu muitas quimiocinas, incluindo aí CCL21, CCL20, CCL28, receptores, o escambau. E escreveu com Albert Zlotnik, a famosa revisão na Immunity (que repetiram esse ano), onde propunham a atual nomenclatura das quimiocinas que nos livrou pra sempre de IP-10, MIG, MCP, RANTES e outras leseiras mais.

Saímos pra jantar lá perto. No pequeno trajeto, uma outra observação. A cidade tem um edge diferente, é também enorme. Tokyo-Yokohama e Osaka-Kobe, são megacities sendo que Tóquio ganha, é a maior cidade do mundo. No dia seguinte saímos cedo pra Nara. Embaixo de chuva. Vimos o grande Buda, o Kasuga shrine lindíssimo, com suas mil lanternas de pedra e bronze, e Narimachi, onde almoçamos num lugar muito tranquilo e fomos atendidos da maneira mais gentil. Sem duvida, o melhor lugar para turismo é o Japão. Não existe serviço melhor no mundo.  Ponto. Voltamos a Osaka e pegamos os ônibus para Tokushima. Yousuke Takahama veio nos pegar. Yousuke é meu colaborador e trabalha no timo. Conheci dois professores que trabalham no departamento  dele. Depois dei meu seminário e fomos jantar e ele nos apresentou a um troço chamado Chouchou, um drink. Fiquei muito fã não.  Falamos de ciência no Japão. Carreiras. Aqui todo mundo tem salário pago pelo governo, não vem da grant. Depois do postdoc você passa pra assistant e depois pra associate professor debaixo de um lord shogun. Mais tarde, quando alguém muda de cidade, ou morre, abre vaga e você pode então mudar, virar professor, e aí então ter sua linha própria de pesquisa. Meio brutal, não acham?  Yousuke toca baixo e tem uma banda chamada, pra variar, Negative selection. Tocou em Kobe no congresso internacional. Ele me mostrou uns resultados interessantes com um cre knockin em células epiteliais do córtex.  Os caras que são professores independentes também mostraram muita coisa interessante. Um descobriu que uma mutação em Tyk2 causa hyper IgE syndrome. O outro trabalhou com Honjo, muito bom mesmo. Ele nos deu uma recomendação de um restaurante kaiseki em Kyoto, pra onde fomos a seguir...

Mas isso fica pro próximo post.

PS. Daniel Mucida, Bernardo, Fred, Gláucia e eu fomos  anteontem ao Carnegie Hall ver o nosso príncipe do samba (samba é uma palavra meio japa). A elegância no título desse post é Japão e é Paulinho. Sumário de um mês de sonho. Viva o Japão, viva Paulinho da Viola!

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A produção de EROs é determinada por fatores genéticos do hospedeiro ou do parasito?


Modelos de infecção utilizando macrófagos CAB demonstraram que Leishmania major e Leishmania amazonensis induzem diferentes níveis de espécies reativas de oxigênio (EROs). Determinantes genéticos dos parasitos podem estar modulando essa produção?
O sucesso da infecção por leishmania é determinado durante os primeiros eventos da resposta imune inata. Radicais livres, tais como superóxidos (O2-) e Óxido Nítrico (NO) são moléculas decisivas na defesa contra esses parasitos.
Durante o processo de fagocitose, ainda nas etapas de reconhecimento e internalização dos parasitos, os macrófagos são induzidos a produzir EROS (O2- , H2O2) na tentativa de controlar a infecção . Essa produção de EROs é dependente do recrutamento das subunidades do complexo proteico NADPH oxidase (NOX) para a membrana do fagossoma.
Para lidar com esse estresse oxidativo algumas leishmania ssp adotam mecanismos de inibição da produção de O2-, bloqueio da montagem da NADPH oxidase e  expressão de moléculas de antioxidantes. Em termos imunológicos, a baixa produção do O2- e H2O2 por macrófagos infectados ainda não está esclarecida, entretanto há uma relação entre níveis elevados de O2- e a capacidade leishmanicida da célula hospedeira.
 Trabalho de 2012, Almeida e seus colaboradores demonstram pela primeira vez que macrófagos CBA (linhagem resistente à infecção por leishmania), infectados por L. major produziram níveis mais elevados de EROS quando comparados aos níveis produzidos na infecção de com L. amazonensis.
Na tentativa de esclarecer mecanismos que expliquem essa diferença na produção de EROs envolvendo espécies diferentes de leishmania, ensaios de infecção utilizando Apocinina, um inibidor parcial da NADPH oxidase, que atua bloqueando a fosforilação das subunidades P47phox e P67phox impedindo a formação do complexo proteico na membrana do fagossoma. Surpreendentemente, os níveis de EROs variaram de acordo com a leishmania. Os macrófagos infectados por L. amazonensis não apresentaram redução nos níveis de EROs, provando que esta síntese, neste caso, não é dependente das subunidades NOX2 e NOX4 do complexo proteico NADPH, em contra partida, os macrófagos infectados com L. major apresentaram uma redução de 50% nos níveis de EROs na presença do inibidor.
Assim, deve haver alguma estratégia envolvendo moléculas da superfície do parasito, variáveis de espécie para espécie, capazes de interagir com receptores na membrana dos macrófagos necessários para produção de EROs.

Bibliografia:
ALMEIDA T.F. et al. Leishmania amazonensis fails to induce the release of reactive oxygen intermediates by CBA macrophages. Parasite Immunology, 2012
ASSCHE, T.V.et al. Leishmaniamacrophage interactions: Insights into the redox biology.Elsevier.2011
HORTA, M.A et al. Reactive species oxygen and nitric oxide in cutaneous Leishmanisis.2011

Sueli  Carvalho e Luana  Seraphim Cunha, doutorandas

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Plaquetas apresentam antígenos no contexto do MHC classe I


Phileno Pinge Filho, UEL e Juliana A. Macri Santana da Silva – Mestranda em Patologia Experimental, UEL.





 
O artigo de Lesley M. Chapman e colaboradores, publicado no “The Journal of Immunology, 2012, 189: 916-923” inova os conhecimentos sobre as funções das plaquetas. Reconhecidas pelo seu papel como mediador celular na trombose, as plaquetas iniciam e sustentam a inflamação de vasos em muitas patologias, incluindo artrite, aterosclerose, rejeição de transplantes e malária.

Utilizando plaquetas humanas e murinas, os autores demonstraram que as plaquetas não somente expressam moléculas co-estimuladoras para células T CD8+ (CD40 e CD86), como processam e apresentam antígenos via MHC de classe I.  Plaquetas de camundongos não expressam CD86. Tanto plaquetas humanas como as murinas não expressam CD80. Outras moléculas necessárias para a apresentação de antígenos via MHC de classe I, como TAP1 e ERp57 também estão presentes nas plaquetas. Em condições normais as plaquetas não expressam MHC de classe II. O estudo também mostra que as plaquetas são capazes de proverem sinais co-estimulatórios para as células T por meio da produção de IL-2 e aumento da expressão de CD69.

Por meio da utilização de um modelo murino de malária cerebral, os autores mostraram que as plaquetas são capazes de apresentar antígenos derivados de Plasmodium berghei e promover uma resposta de células T in vivo. Além disso, as plaquetas foram usadas como vacina para induzir uma resposta protetora de células TCD8+. De fato, os animais que receberam plaquetas iv apresentaram uma redução na carga parasitária e foram capazes de montar uma resposta imune parasito-específica.

Este estudo demonstra pela primeira vez que plaquetas podem apresentar antígenos e dirigir uma resposta imune celular e fornece novas perspectivas de  terapêutica simples para diversas doenças de cunho imunológico, como aquelas indutoras de trombocitopenia.

Boa leitura!

 

Referência:

CHAPMAN, L.M.; AGGREY,A.A.; FIELD, D.J.; et al Platelets present antigen in the context of MHC Class I. The Journal of Immunology. 2012; 189:916-923.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

PARTICIPAR SEM ANTECIPAR - Nelson Vaz

Como prever o imprevisível? Re-conhecer o des-conhecido? Como antecipar quais materiais estranhos (antígenos) invadirão o corpo? Como surgem os processos imunológicos de defesa na ontogênese e qual sua origem na filogênese? Estas são perguntas básicas na imunologia. A atividade imunológica é entendida como um processo antecipatório. A solução aceita hoje em dia é dita “seletiva”. Todo processo “seletivo” implica duas etapas: na primeira, é gerada, ao acaso, uma grande coleção de variantes, pela impossibilidade de antecipar quais serão necessários; na segunda etapa, estes variantes competem entre si para a seleção do mais apto a desempenhar uma dada tarefa, ou função. A geração dos variantes precisa ocorrer ao acaso, caso contrário, o processo será devido a outro mecanismo que não a seleção por competição. Uma alternativa radical para abandonar com as ideias de acaso e competição na geração de processos biológicos, e com isto, descartar os processos seletivos, é explicá-los como processos epigenéticos. Aqui é importante: não confundir  epigênese com “epigenômica” que se transformou em um estudo de influências genômicas não dependentes diretamente da sequência de nucleotídeos no DNA (Ivanov et al., 2012; Sandolval & Esteller, 2012)
A epigênese é não antecipatória. Nela, tudo de passa momento-a-momento; o presente não contém o futuro, assim como o passado não continha o presente. Seria, por caso, lícito afirmar que toda a sua vida pregressa se deu para que você, leitor, pudesse agora ler este texto?  Certamente, não. Para afirmar tal coisa, precisaria adotar minha posição privilegiada no presente para reordenar o passado, de maneira que ele conduza até este momento. Mas, poderíamos igualmente supor muitas outras sequências de acontecimentos
Para abandonar com as ideias de acaso e competição na geração da atividade imunológica, precisamos deixar de vê-la como antecipatória, passar a vê-la como um processo epigenético, como parte da construção e manutenção do organismo, que é um processo epigenético mais amplo. Em outras palavras, o que vemos como um mecanismo de defesa, podemos optar por ver como resultado de processos de construção e manutenção do organismo. Ao invocarmos mecanismos “de defesa” estamos confundindo mecanismos especialmente devotados à defesa do corpo, com resultados de processos mais gerais de construção e manutenção do organismo.
A fagocitose, por exemplo, considerada um mecanismo essencial na defesa imunológica, parte da chamada “imunidade inata”, na realidade é um processo essencial de construção e manutenção do organismo, sem o qual, por exemplo, o desenvolvimento embrionário não seria possível. A fagocitose de células apoptóticas no organismo adulto é outro exemplo importante, um processo que é tão eficiente que são raras as imagens de células apoptóticas em tecidos normais. Além de “defender” o corpo, a fagocitose é essencial à construção e manutenção do organismo (Franc et al., 1999). 
Não podemos ainda dizer o mesmo em relação a linfócitos, apontar com precisão como os linfócitos estão envolvidos na construção e manutenção do organismo. Animais manipulados em seu genoma para impedir a diferenciação de linfócitos (animais Rag-/-, por exemplo), podem viver vidas aparentemente normais, e se reproduzir, desde que mantidos em ambientes SPF (specific pathogen free). Há evidências de que estes animais não são exatamente “normais”, mas a ideia de que eles precisam ser mantidos longe de “patógenos específicos” (como a Samonella typhimurium ou o vírus da ectromelia), é uma forte sugestão de que a atividade imunológica existe para defender o corpo contra infecções. Mas, que animais sem linfócitos não sobrevivam em ambientes convencionais é, na verdade, curioso porque, em ambientes SPF, estes animais convivem com um “microbioma comensal” que contém uma imensa variedade de micróbios, ditos “não-patogênicos”. Seriam os linfócitos elos de conexão entre a “imunidade inata” e a “defesa” contra “patógenos específicos”? Os processos da “imunidade inata” parecem bastar para a sobrevivência de animais sem linfócitos em ambientes SPF.  É curioso, portanto, pensar sobre o que caracteriza as relações com os “patógenos específicos” e por que os linfócitos são elementos essenciais na defesa contra os mesmos.
Uma analogia grosseira. Automóveis sem direção assistida (hidráulica, elétrica), que são a maioria, funcionam adequadamente. Mas quando a direção assistida de um automóvel enguiça, ele não pode mais ser usado. A dita “imunidade inata” é adequada para a sobrevivienica da maioria dos animais (os que chamamos de invertebrados); mas se a “imunidade adquirida” (combinatória)  enguiça em um vertebrado, ele sucumbe a infecções a que antes resistia. Se a direção assistida faz parte do bauplan de construção do organismo, ela se torna essencial enão pode falhar.
Mas, para voltar às colocações iniciais, como abandonar as ideias de acaso e competição em favor de entender a atividade imunológica como um processo epigenético? Um argumento importante contra uma origem aleatória é apontar regularidades e padrões na atividade imunológica, buscar a definição de mecanismos conservadores na geração e ativação de linfócitos. Dito em outras palavras, buscar evidências de que se trata de um processo histórico-sistêmico, epigenético, no qual cada instante torna possível e conduz ao instante seguinte. Surge nesta visão um grande vulto de contornos ainda imprecisos que é o próprio organismo onde a atividade imunológica se realiza, não mais  simplesmente como “o espaço” onde esta atividade se realiza, mas sim como o entrelaçamento de muitas outras atividades conservadoras que são parte da construção e manutenção do organismo (Vaz et al., 2011).
Como elemento essencial deste processo histórico-sistêmico estão as conexões entre os próprios linfócitos, apontadas no esforço pioneiro de Niels Jerne em sua teria da Rede Idiotípica (Jerne, 1974), mas estão também outras providências para definir uma organização, isto é, o conjunto de relações invariantes entre os componentes que conferem ao sistema sua identidade de classe (Vaz & Varela, 1978; Maturana, 2002). Outra providência indispensável, ainda mais radical, é o reconhecimento da participação do imunologista como um observador que opera na linguagem humana na definição dos fenômenos imunológicos . A especificidade das observações imunológicas depende mais do que fazem os imunologistas do que daquilo que fazem os linfócitos (Vaz & Carvalho, 2009; Vaz, 2011a, b, c; Vaz et al., 2011). Na realidade, isto estava implícito no que Jerne afirmava em sua primeira teoria (Jerne, 1955) - talvez a melhor teoria imunológica até o presente - na qual ele propunha que a atividade imunológica: (a) é espontânea (“natural”); e, (b) envolve sempre uma enorme multiplicidade de elementos (anticorpos & linfócitos). A imunologia atual já se rendeu às evidências contrárias à especificidade linfocitária, em um sentido estrito (Eisen, 2001; Wuchpfernnig et al., 2007), mas ainda está longe se atribuir importância a processos conservadores que organizam a multiplicidade de interações entre linfócitos e imunoglobulinas. E ainda mais longe de admitir a participação do imunologista na especificação do que se passa.

Bibliografia
EISEN, H. N. 2001. Specificity and degeneracy in antigen recognition: yin and yang in the immune system. Annu Rev Immunol, 19, 1-21.
FRANC, N. C., WHITE, K., ALAN, R. & EZEKOWITZ, B. 1999. Phagocytosis and development: back to the future. Current Opinion in Immunology, 11, 47-52.
IVANOV, M., KACEVSKA, M. & INGELMAN-SUNDBERG, M. 2012. Epigenomics and interindividual differences in drug response. Clin Pharmacol Ther, 92, 727-36.
JERNE, N. K. 1955. The natural selection theory of antibody formation. 
Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A., 41, 849-857.
JERNE, N. K. 1974. Towards a network theory of the immune system. 
Ann. Immunol., 125C, 373-392.
MATURANA, H. 2002. Autopoiesis, structural coupling and cognition: a history of these and other notions in the biology of cognition. Cybernetics & Human Knowing, 9, 5-34.
MATURANA, H. R. 2008. Anticipation and Self-consciousness.Are these Functions of the Brain? Constructivist Foyndations, 4 18-20.
SANDOVAL, J. & ESTELLER, M. 2012. Cancer epigenomics: beyond genomics. Curr Opin Genet Dev, 22, 50-5.
VAZ, N. M. 2011a. The specificity of immunological observations. 
Constructivist Foundations, 6, 334-351.
VAZ, N. M. 2011b. Observing Immunologists. 
Neurociências, 7, 140-146.
VAZ, N. M. 2011c. Francisco Varela and the Immunological Self. 
Systems Research and Behavioral Science, 28, 696–703.
VAZ , N. M., MPODOZIS, J. M., BOTELHO, J. F. & RAMOS, G. C. 2011. Onde está o organismo? - Derivas e outras histórias na Biologia e na Imunologia, Florianópolis, editora-UFSC.
VAZ, N. M. & CARVALHO, C. R. 2009. Imunologia, intencionalidade e acaso. 
Informática na educação: teoria & prática, 12, 195-200.
WUCHERPFENNIG, K. W., ALLEN, P. M., CELADA, F., COHEN, I. R., DE BOER, R. J., CHRISTOPHER GARCIA, K., GOLDSTEIN, B., GREENSPAN, R., HAFLER, D., HODGKIN, P., HUSEBY, E. B., KRAKAUER, D. C., NEMAZEEM, D., PERELSON, A. S., PINILLA, C., STRONG, R. K. & SERCARZ, E. E. 2007. Polyspecificity of T cell and B cell receptor recognition. Semin Immunol, 19, 216-224.

domingo, 25 de novembro de 2012

Journal Club IBA: Inflamação do Sistema Nervoso Central e suas consequências metabólicas

 
A relação entre o sistema neuroendócrino com o sistema imune ainda é pouco entendida e à medida que as investigações na área progridem, também surgem novas questões sobre os mecanismos envolvidos na comunicação entre estes sistemas e as consequências para outros processos metabólicos de um organismo.   
 
Quadros inflamatórios crônicos são observados em diversas doenças, como alguns tipos de câncer, doença crônica do coração, doença obstrutiva pulmonar crônica e sepse, afetando inclusive o sistema nervoso central e periférico, que possuem receptores para diversos mediadores pró-inflamatórios como IL-1β, IL-6 e TNF-α (Andersson & Tracey, 2012). Estas doenças também estão associadas à perda involuntária de peso e perda de massa muscular (atrofia muscular), o que contribui significativamente para mortalidade. No entanto, os mecanismos que interligam o processo inflamatório à atrofia muscular não são totalmente conhecidos.
 
Com o intuito de elucidar os mecanismos que conectam processos inflamatórios, sistema nervoso e atrofia muscular, Brau e colaboradores publicaram um estudo no Journal of Experimental Medicine (aqui), no qual demonstraram que a ação de IL-1β, exclusivamente no Sistema Nervoso Central (SNC), é capaz de iniciar processos de catabolismo muscular e rapidamente induzir atrofia. IL-1β (10ng/h) foi inoculada durante três dias no hipotálamo de camundongos, e foi verificada uma expressão diferencial de genes relacionados ao catabolismo muscular nos músculos gastrocnêmico (Gn) e Extensor Longo dos Dedos (EDL). Também foi observado que o glicocorticóide presente em roedores, a corticosterona, estava aumentado significativamente no soro desses animais.
 
Para entender o papel da corticosterona circulante após a estimulação do SNC com IL-1β e o processo de atrofia muscular, o mesmo tratamento foi realizado em animais adrenalectomizados (ADX). Esse impedimento na produção de glicocorticóides inibiu o processo de atrofia, mostrando que a administração de IL-1β no hipotálamo está ativando o eixo HPA a produzir corticosterona e isso é responsável pelo catabolismo muscular.
 
Assim, conclui-se que a inflamação no SNC, que culmina com a ativação do eixo HPA, é necessária e suficiente para gerar o processo de atrofia muscular, mas que não deve ser o único fator que contribui para este processo, sendo que novos estudos devem ser realizados a fim de examinar, de forma geral, a influência do SNC na atrofia muscular.
 

Modificada de Irwin & Cole, 2011

 

Post de Luiz Gustavo Gardinassi e Micássio Fernandes – FMRP/IBA

sábado, 24 de novembro de 2012

Comunicado



Caros colegas,

Está em tramitação na Câmara dos Deputados, agora na Comissão de Seguridade Social e Família ( CSSF ), o Projeto de Lei no. 4411/2012, de autoria do Deputado Romário, o ex-jogador de futebol, que "propõe a eliminação da burocracia de importação de mercadorias destinadas à pesquisa científica e tecnológica através da criação, pelo CNPq, de um cadastro nacional de pesquisadores que teriam liberação imediata das mercadorias a eles destinadas".

Eu consultei a nossa diretoria, depois de ter sido procurado pelo colega Walter Colli, e apoiamos de forma unânime essa iniciativa. Desta forma, solicito a todos que assinem individualmente o abaixo assinado, que já havia sido criado na internet e disponível através do link http://www.avaaz.org. É simples e rápido, basta preencher nome, email, país e CEP.

Adicionalmente, a SBG e a SBBq juntamente com alguns cientistas propuseram um debate na Câmara Municipal de São Paulo, que irá acontecer no dia 10 de dezembro próximo às 14h.

Muito obrigado pela atenção.
Um grande abraço,

Jacob Palis
Presidente
Academia Brasileira de Ciências

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Mais histórias sobre Th17!


Não é nenhuma novidade que as células TH17 desempenham um papel fundamental em processos inflamatórios, principalmente em doenças autoimunes tais como a artrite, esclerose múltipla, diabetes e psoríase, entre outras. A diferenciação destas células se dá através da combinação das citocinas TGF-β, IL-6 e IL-1, produzidas principalmente por células do sistema imune inato. Apesar da combinação TGF-β e IL-6 serem suficientes para induzir a diferenciação de células Th17, a presença de IL-23 durante o processo de diferenciação tem se mostrado importante para estabilizar e conferir a assinatura patogênica destas células em modelo de Encefalomielite Auto-Imune Experimental (EAE) (Awasthi, A. et al. J. Immunol. 182, 5904–5908, 2009; Cua, D.J. et al. Nature 421, 744–748, 2003; McGeachy, M.J. et al. Nat. Immunol. 10, 314–324, 2009).
De fato, a IL-23 vem se tronando alvo de investigação para alguns grupos de pesquisa. Deurr e colaboradores demonstraram que polimorfismos no gene que codifica o receptor para IL-23 podem constituir um fator de risco para o desenvolvimento de espondilite anquilosante, doença inflamatória intestinal e psoríase (importantes doenças autoimunes). Além disso, a exposição à IL-23 diminui a produção de IL-10 por células Th17, tornando estas patogênicas (McGeachy, M.J. et al. Nat. Immunol. 8, 1390–1397 2007). No entanto, ainda não é conhecido se a IL-23 agiria diretamente nas células Th17 ou se esta citocina poderia exercer um efeito indireto, levando à liberação de moléculas dependentes de IL-23.
Neste contexto, o grupo liderado pelo Prof. Vijay K. Kuchroo da Universidade de Harvard recentemente publicou um artigo demonstrando que a exposição de células Th17 à citocina IL-23, durante a fase de diferenciação, constitui um evento critico para a expressão e sustentação da produção de TGF-β3 pelas próprias células Th17. De maneira elegante, os autores demonstraram que a diferenciação de células Th17 na presença de TFG-β3 e IL-6 apenas foi capaz de gerar células patogênicas produtoras de IL-17, sem qualquer necessidade de exposição à IL-23 (Lee, Y. et al. Nat. Immunol. 13, 991-999 2012). Neste artigo, os autores propõe uma assinatura molecular associada às células Th17 patogênicas.
Referência:
Induction and molecular signature of pathogenic TH17 cells. Lee Y, Awasthi A, Yosef N, Quintana FJ, Xiao S, Peters A, Wu C, Kleinewietfeld M, Kunder S, Hafler DA, Sobel RA, Regev A, Kuchroo VK. Nat Immunol. 2012 Oct;13(10):991-9.
 
Post by Rafael F. O. França
Post-Doc do Laboratório de Inflamação e Dor da FMRP-USP
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