BLOG DA SOCIEDADE
BRASILEIRA DE IMUNOLOGIA
Acompanhe-nos:

Translate

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O Cromossomo X nas funções imunes: quando um cromossomo faz a diferença.



Post de João Paulo do Carmo


Esta revisão pode ser um pouco antiga, mas o assunto ainda é quente e atual. Aqui, os autores revisam os principais mecanismos responsáveis pela atividade imunológica aumentada no gênero feminino. Os cromossomos sexuais têm intrigado pesquisadores há muito tempo. Seu modo especial de herança e seus padrões atípicos de evolução moldaram sua estrutura presente e estão na raiz das diferenças entre os sexos. Inativação do cromossomo X; elevada percentagem de genes que escapam dessa inativação; mosaicismo feminino e heterogeneidade nos padrões de inativação do X são prováveis fatores que contribuem para as diferenças nas respostas imunes (RI) entre mulheres e homens, em nível celular e molecular. Uma melhor compreensão destes fenômenos poderia melhorar a precisão do diagnóstico e o sucesso do tratamento de várias doenças.
Evidências recentes mostram que anormalidades específicas do cromossomo X, tais como desvio extremo da inativação, reativação do X inativo, translocações e microdeleções podem contribuir para a quebra da autotolerância e indução de auto-imunidade. Mas ainda faltam explicações mecanísticas completas e a etiologia de várias doenças auto-imunes ainda não foi estudada. Essas questões abrem a porta para um campo que ainda está para ser explorado. Os efeitos de tais propriedades X-específicas na regulação da expressão e função de microRNAs (miRNAs) ligados ao X também não são conhecidos. O cromossomo X codifica vários miRNAs envolvidos na imunidade, e os autores prevêem que nos próximos anos muito será descoberto sobre seus modos de ação e possíveis alvos (de imunoterapia, inclusive). A contribuição de miRNAs ligados ao X para as RIs sexo-específicas não é conhecida, e isso exige mais pesquisa.
Em resposta a vários desafios imunes, as mulheres mostram melhor sobrevivência do que os homens. O X tem um papel importante nesta vantagem imunológica: doenças ligadas ao X são comumente restritas aos machos (exemplo: algumas imunodeficiências primárias [PIDs], como a IPEX em humanos, e scurfy, em camundongos, ambos com deficiências de Tregs), que possuem somente uma cópia do cromossomo X. Entretanto, as fêmeas são mais susceptíveis a doenças auto-imunes. Várias hipóteses foram propostas nos últimos anos e concordam com o papel para esse cromossomo na formação das respostas auto-imunes.
Em geral, mulheres são mais saudáveis e vivem mais que os homens. As taxas de sobrevivência de doenças, como as causadas por doenças infecciosas, sepse, trauma ou lesão, são melhores nas mulheres que nos homens. Esta vantagem imunológica já vem sido conhecida há bastante tempo, e vários estudos mostram a capacidade superior das mulheres em produzir mais anticorpos e IgM sérica. Diferenças sexuais na susceptibilidade a doenças infecciosas são mostradas por prontuários de casos de vários hospitais. Por exemplo, no Hospital da Johns Hopkins University, Baltimore, EUA, estudos realizados em um período de 30 anos mostrou que há uma maior incidência de tuberculose, meningite e septicemia bacterianas em homens do que em mulheres, e da infância à adolescência. Meninos experimentam infecções mais freqüentes e graves, causadas por bactérias ou vírus. Estas observações clínicas têm sido confirmadas por modelos teóricos e matemáticos.
Através da evolução, os machos adquiriram imunorresponsividade mais baixa que as fêmeas, e o X é parcialmente responsável pela hiperresponsividade do sistema imune feminino. Já é amplamente estabelecido que a presença de 2 cromossomos X pode ser benéfica para as fêmeas; porém, às vezes também pode ser desvantajosa. Estudos recentes mostram que perturbações na inativação do cromossomo X são marcadores de desordens auto-imunes graves, bem mais comuns nas fêmeas. A evidência em apoio ao envolvimento do cromossomo X na quebra da auto-tolerância e as hipóteses aceitas atualmente pelas quais isso ocorre são discutidas na revisão.
O cromossomo X tem muitos genes envolvidos nas funções imunes, como o TLR-7, CD40L e FOXP3, e suspeita-se que outros genes e mutações relevantes para a imunidade ainda estão para serem descobertos. Os autores especulam que mutações afetando tais genes e suas vias reguladoras associadas podem ser parcialmente responsáveis pelas diferenças nas RIs de machos e fêmeas.
Mamíferos machos possuem somente 1 cromossomo X; a partir do ponto de vista evolutivo esta é uma desvantagem enorme, pois cada mutação recessiva recém-surgida no cromossomo X será fenotipicamente manifesta. Esta desvantagem de sobrevivência é mostrada pela existência de numerosas PIDs ligadas ao X. Estas são doenças que normalmente não afetam as fêmeas ou causam efeitos menos graves em mulheres do que em homens.
Estas características específicas evolutivas do cromossomo X podem ter resultado na retenção de genes envolvidos na imunidade neste cromossomo, o que expõe os machos imediatamente aos efeitos letais de mutações deletérias, e em última análise, contribui para a sua desvantagem genética ao enfrentar desafios imunológicos.

Aproximadamente 5% da população nos países ocidentais é afetada por doenças auto-imunes, e mais de 80% dos pacientes são mulheres. Das mais de 70 doenças auto-imunes conhecidas, as diferenças de gênero mais importantes na prevalência da doença são observadas em doenças auto-imunes da tireóide (como tireoidite de Hashimoto e doença de Graves), síndrome de Sjögren, doença de Addison, esclerose sistêmica, lúpus eritematoso sistêmico (LES) e cirrose biliar primária. Em cada uma destas doenças, mais de 80% dos doentes são mulheres. Na artrite reumatóide, esclerose múltipla e miastenia gravis, o número é de ~ 60-75%. 


Fig. b: uma das hipóteses discutidas pelos autores na revisão, para a influência do cromossomo X na geração de doenças auto-imunes.


Está claro que o X pode ter uma grande influência na imunidade e que estes fatores podem ser deletérios ou benéficos para um sexo ou outro, dependendo do contexto imunológico. Assim,  este cromossomo tem sido essencial na moldagem do sistema imune em humanos.

Para ler mais:

The X chromosome in immune functions: when a chromosome makes the difference. Claude Libert, Lien Dejager & Iris Pinheiro. Nat Rev Immunol. 2010; 10:594-604.

Comente com o Facebook :

2 comentários:

  1. Excelente post!!!!! Acho que estudos fazendo QTLs de várias doenças poderia ajudar a explicar muita coisa. As vezes na Imunologia esquecemos um pouco dessa influência. Muitas infecções e modelos animais só tem sucesso se realizado em animais machos. Acredito que estudos mais específicos precisam ser feitos nesse campo.

    ResponderExcluir
  2. Obrigado. Desculpe minha ignorância, mas o que são QTLs?

    ResponderExcluir

©SBI Sociedade Brasileira de Imunologia. Desenvolvido por: