Aqui
vai uma sugestão para quem está procurando uma área de pesquisa de futuro e de
impacto. A função dos sensores da imunidade inata em células e tecidos fora do
tecido linfóide. Os
Receptores tipo Toll são receptores da imunidade inata, descobertos originalmente na mosca das frutas: a Drosophila melanogaster. Vários trabalhos publicados este ano mostram a importância dos Receptores tipo Toll em respostas de mamíferos; e desmancham as fronteiras pré-estabelecidas entre o sistema imune e
outros sistemas.
Figura.
Drosophila melanogaster. Foto de: SRP imaging core-Univ. California at San
Diego.
Uma função imune para a cascata de
coagulação.
O trabalho de Doronin e cols. mostrou que o FatorX, uma enzima da coagulação
sanguínea, se liga à superfície do Adenovirus humano tipo C, promovendo nos
macrófagos a ativação de uma cascata pró-inflamatória que envolve
TLR4/MyD88/TRIF/TRAF6. Virus mutantes que não se combinam ao FatorX não ativam
uma resposta inflamatória. O trabalho mostra que, após se ligar ao adenovirus, o FatorX, que não é inflamatório, se transforma num PAMP capaz de ativar TLR4 (Doronin K, Flatt JW, Di
Paolo NC, Khare R, Kalyuzhniy O, Acchione M, Sumida JP, Ohto U, Shimizu T,
Akashi-Takamura S, Miyake K, MacDonald JW, Bammler TK, Beyer RP, Farin FM,
Stewart PL, Shayakhmetov DM. Coagulation
factor X activates innate immunity to human species C adenovirus. Science. 338(6108):795-8, 2012).
Diferenciação
de neurônios sensoriais e sinalização de prurido induzidos por TLR3. O trabalho de Liu e cols mostrou
que animais com deleção gênica do gene tlr3
não apresentam coceira quando estimulados por histamina e outras substâncias
pruritogênicas. Estes animais apresentaram várias alterações na transmissão sináptica
excitatória dos neurônios sensoriais dos gânglios da raiz dorsal da medula. A
injeção de agonistas de TLR3, principalmente RNA, induziu prurido e coceira nos
animais selvagens. Os resultados indicam que o prurido é estimulado via TLR3
expresso em neurônios sensoriais por RNA liberado de células lesadas pela
infecção ou por patógenos. (Liu T, Berta T, Xu ZZ, Park CK, Zhang L, Lü N, Liu
Q, Liu Y, Gao YJ, Liu YC, Ma Q, Dong X, Ji RR. TLR3
deficiency impairs spinal cord synaptic transmission, central sensitization,
and pruritus in mice. J Clin Invest.
122(6):2195-207, 2012). Este trabalho representa uma esperança para o
tratamento de doenças crônicas que se acompanham de prurido, uma condição frequentemente intratável, e que reduz a qualidade de vida do paciente.
O prurido pode ser encarado como uma forma de resposta immune
inata concatenada, já que a coceira vai provocar uma reação inflamatória no local,
semeando leucócitos no sítio da lesão/infecção. No entanto, o sistema nervoso
apresenta outras respostas mais complexas aos estímulos nociceptivos
(injúria/lesão), que também poderiam ser reguladas por receptores tipo Toll.
Reprogramação gênica induzida por TLR3. Enquanto o prêmio Nobel
de 2011 foi para os TLRs (receptores tipo Toll), o prêmio Nobel de 2012 foi
para Shinya Yamanaka, médico japonês que pesquisa células-tronco. A surpresa é que estes dois prêmios Nobel estão intimamente ligados. Yamanaka fez
a notável descoberta de que é possível induzir células tronco pluripotentes a
partir de células humanas diferenciadas, como fibroblastos, simplesmente
transfectando as células com quatro fatores de transcrição: Oct3/4, Sox2, Klf4,
e c-Myc. Além de acabar com a polêmica ética e religiosa provocada pelo uso
de células tronco embrionárias, este trabalho permitiu criar células tronco a
partir do próprio paciente, o que no futuro, resolveria o obstáculo da rejeição
imunológica. (Takahashi K, Tanabe K, Ohnuki M, Narita M, Ichisaka T, Tomoda K,
Yamanaka S. Induction of
pluripotent stem cells from adult human fibroblasts by defined factors. Cell 131(5):861-72, 2007).
Yamanaka
utilizou um vetor retroviral para inserir os quatro fatores de transcrição na
célula diferenciada. Devido ao risco de indução de malignidade pela inserção de
vetores retrovirais no genoma, os pesquisadores tentaram inserir os fatores de
transcrição na célula por outros métodos, como a utilização de proteínas
permeantes. Misteriosamente no entanto, o método fracassava. O trabalho recente
de Lee e cols resolveu o mistério e apresentou a surpreendente descoberta de
que o sucesso de Yamanaka foi causado pela ativação de TLR3 pelo vetor
retroviral. Eles mostraram que a ativação de TLR3 e dos fatores NF-kB e IRF3 causa
alterações rápidas e globais no remodelamento da cromatina que são necessárias
para a reprogramação nuclear. Os autores chamaram o fenômeno de “transflamação”
(Lee J, Sayed N, Hunter A, Au KF, Wong WH, Mocarski ES, Pera RR, Yakubov E,
Cooke JP. Activation of
innate immunity is required for efficient nuclear reprogramming. Cell 151(3):547-58, 2012). Esta
descoberta pode explicar o enigma da relação que existe
entre Toll, modificações morfogenéticas na embriogênese da Drosophila, e a
imunidade inata. Além do avanço para a pesquisa de células tronco, este
trabalho tem implicações gerais para a biologia. Quais são as pressões
evolutivas atuando para que o reconhecimento de Toll provoque a abertura geral
da cromatina nuclear, tornando a célula suscetível a uma rediferenciação ? Qual
a importância deste fenômeno na carcinogênese ? Sabendo que existem vários
ligantes endógenos de Toll, e que a família Toll é expressa por múltiplos
tecidos não-linfóides, qual a implicação deste achado para a fisiologia do
organismo ? Qual a importância de Toll na rediferenciação de células imunes
durante uma infecção ?
Estas
e outras perguntas relevantes estão à espera de novas pesquisas.
Post
de: George A. DosReis
Nenhum comentário:
Postar um comentário