A doença de
Alzheimer é uma desordem neurodegenerativa caracterizada por um processo
progressivo de morte celular neuronal e pelo desenvolvimento de demência. Um
evento importante na progressão desta doença é o acúmulo da proteína b-amilóide (Ab). A proteína
Ab é
clivada a partir da proteína precursora amilóide (APP) e fica depositada em placas
no ambiente extracelular. A microglia é ativada pela proteína Ab e produz
moléculas com efeitos neurotóxicos como TNF e iNOS. Recentemente dois trabalhos
demonstraram a importância de receptores da imunidade inata na ativação da
microglia pela proteína Ab. Em
2008, o grupo do Dr. Douglas Golenbock mostrou que a proteína Ab é capaz de
ativar o inflamassomo NLRP3 em células de microglia e que esta via é essencial
para a produção de moléculas próinflamatórias, quimiotáticas e neurotóxicas
(Halle, 2008). No ano seguinte foi a vez do grupo da Dr. Kathryn Moore demonstrar
o envolvimento do complexo de sinalização CD36-TLR4-TLR6 na indução dos efeitos
deletérios da proteína Ab (Stewart,
2009). É interessante observar que a sinalização mediada pelo complexo
CD36-TLR4-TLR6 prima as células para a ativação do inflamassomo uma vez que é
essencial para a expressão de pró-IL-1b.
Na última
semana, em uma palestra na Fiocruz-RJ, o Dr. Golenbock apresentou resultados in vivo que sugerem o envolvimento do
inflamassomo NLRP3 no desenvolvimento da doença de Alzheimer. Para isso,
camundongos transgênicos APP/PS1+NLRP3-/- foram gerados. Os camundongos
transgênicos APP/PS1 transportam uma APP quimérica camundongo/humano e a
presenilina-1 humana mutada e apresentam grande quantidade de proteína Ab depositada
em várias regiões do cérebro a partir de 4 meses de vida. Os resultados demonstraram
que animais APP/PS1+NLRP3-/- tiveram um melhor desempenho em um teste de
cognição (Morris water maze) quando comparados com animais APP/PS1. Além disso,
células no cérebro de animais APP/PS1+NLRP3-/- fagocitam mais do que as células
dos animais APP/PS1. Embora não saiba porque, o Dr. Golenbock acredita que este
evento, aliado a uma maior metabolização das proteínas Ab, seja
importante para o fenótipo observado nos animais APP/PS1+NLRP3-/-, uma vez que
o acúmulo dessas proteínas no ambiente extracelular possui efeitos deletérios. Além
disso, amostras de cérebros de pacientes com Alzheimer mostraram uma alta
ativação de caspase-1 comparado com amostras de pessoas sem a doença. O Dr.
Golenbock sugere que a utilização de drogas como o Anakinra, um antagonista da
IL-1b,
que agem em proteínas da via do inflamassomo poderiam ser utilizadas em
protocolos alternativos para tratar a doença de Alzheimer. No entanto, embora a
IL-1b
seja um importante mediador do processo inflamatório nesta doença, Shaftel e
colaboradores mostraram que a inflamação promovida pela superexpressão de IL-1b em animais APP/PS1
melhora a patologia em torno das placas amilóides (Shaftel, 2007). Os autores
sugerem que esse fenótipo se deve a maior fagocitose das proteínas amilóides
por células da microglia ativadas com IL-1b.
Mas será que
tudo tem a ver com IL-1b?
Os dois trabalhos fazem menção a fagocitose como processo essencial dos
fenótipos encontrados. Lembro aos leitores que a IL-1b e a IL-18 não parecem ser os únicos substratos
da caspase-1. Foi mostrado, por exemplo, que proteínas da via glicolítica podem
ser clivadas pela caspase-1 (Shao, 2007). Além disso, a caspase-1 está
envolvida com a exportação de diversas proteínas pela via não-convencional de
secreção, ou seja, independente da via RE/Golgi (Keller, 2007). Com cereteza,
ainda vamos nos deparar com funções da caspase-1 associadas com vias
metabólicas, sobrevivência celular e reparo tecidual.
Então ficam
as perguntas: Será que o tratamento com Anakinra, um antagonista da IL-1b, é capaz de
reduzir a progressão desta doença? Como explicar o efeito benéfico do processo
inflamatório promovido pela IL-1b
em animais APP/PS1? Será que a regulação de vias metabólicas pelo inflamassomo
contribuem para o fenótipo descrito nos animais APP/PS1+NLRP3-/-? Qual a
relação entre a ativação do NLRP3 e a fagocitose?
Esse post foi escrito por Fabianno F. Dutra, pós-doc no Laboratório de Inflamação e Imunidade/Instituto de Microbiologia/UFRJ
Referências
Halle, A. et al. The NALP3 inflammasome is involved in the innate immune response
to amyloid-β. Nat. Immunol., 2008.
Stewart, C.R. et
al. CD36 ligands promote sterile
inflammation through assembly of a Toll-like receptor 4 and 6 heterodimer. Nat.
Immunol., 2009.
Shaftel, S.S. et al. Sustained
hippocampal IL-1β overexpression mediates chronic neuroinflammation and
ameliorates Alzheimer plaque pathology. J. Clin. Invest., 2007.
Shao,
W. et al. The Caspase-1 Digestome
Identifies the Glycolysis Pathway as a Target during Infection and Septic
Shock. J. Biol. Chem., 2007.
Keller, M. et al. Active Caspase-1 Is a Regulator of
Unconventional Protein Secretion. Cell, 2007.
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