Originalmente publicado em 10.fev.2009 no antigo site do LIMI-LIP.
Este post é uma contribuição para os preparativos do carnaval. Praticamente todo mundo já sofreu com ressaca. O conjunto de sintomas e promessas (Nunca mais beberei!) são muito conhecidos. O consumo excessivo do álcool (acima de 1.0 g/kg de peso) leva a uma sensação de miserabilidade composta de tontura, fraqueza, boca seca, enjôo, sudorese, náusea, hiperexcitabilidade, ansiedade, problemas de concentração etc.
Cientificamente, esta constelação pode ser tabulada:
Há vários problemas metodológicos na pesquisa sobre os efeitos do álcool, um deles é o fato de ser muito difícil o uso do placebo. O estudo acima é um dos poucos com controle por placebo, mas mesmo assim há críticas sobre como usar o placebo. Não, não é porque todos querem ficar no grupo experimental. É difícil um estudo controlado por placebo pela dificuldade de fazer um placebo tão bom quanto o álcool. Se o tempo e a sobriedade permitirem discutiremos a história da produção de álcool por todas as culturas desenvolvidas em outro post.
Apesar das dificuldades de avaliação, são considerados efeitos diretos do álcool:
• Desidratação
• Desequilíbrio eletrolítico
• Distúrbio gastro-intestinais
• Hipoglicemia
• Distúrbio do sono e do ritmo biológico.
Entre as dificuldades de explicação dos efeitos do álcool está a observação de que a ressaca só ocorre quando a concentração de álcool no sangue voltou a zero. Assim, a ressaca ocorre DEPOIS que o álcool e seus metabólitos foram eliminados do organismo.
É predominante a idéia que a desidratação é a principal causa dos sintomas da ressaca. Esta crença não é cientificamente provada. Na verdade há poucos estudos sobre as alterações biológicas e eles mostram efeitos endócrinos e acidose metabólica provavelmente ligados à desidratação (e à sensação de boca seca e sede).
O que é muito menos conhecido é a alteração do sistema imune. Há uma interessante revisão recente sobre o assunto que analisa diversos aspectos.
A ressaca está relacionada com aumento de IL-12 e de IFN-gama. É provável que os efeitos de comprometimento da memória e alterações do humor estejam ligados a este aumento de citocinas pró-inflamatórias.
A liberação periférica de citocinas leva à produção de citocinas no sistema nervoso central e a glia e os neurônios possuem diversos receptores de citocinas, especialmente no hipocampo (relacionado com a memória).
Os efeitos das citocinas são semelhantes aos sintomas centrais da ressaca. Há muito se sabe que citocinas como IL-1, IL-6 e TNF-alfa são responsáveis pela constelação de sintomas de doenças (fraqueza, perda de apetite, hipoatividade, sonolência e dificuldade de concentração).
Parodiando São Cipriano: Extra immunologiam nulla salus.
Estes estudos levam a pensar que a inibição da produção de citocinas pró-inflamatórias pode funcionar como tratamento para a ressaca. Isto não foi testado (ou pelo menos não foi publicado). No campo das substâncias contra ressaca há também muito pouca evidência científica.
Se alguém for planejar um ensaio clínico para testar drogas inibidoras de citocinas pró-inflamatórias na ressaca terá um boa chance no carnaval. A disponibilidade de casos será grande. Por outro lado, há diversos cuidados éticos e metodológicos a enfrentar.
Se não for fazer o estudo, melhor também não servir de voluntário, ressaca não é nada agradável.
A foto da criança com cara de ressaca é encontrada em muitos sítios da internet e muito difícil de determinar a fonte primária.
Verster, J. (2008). The alcohol hangover-a puzzling phenomenon Alcohol and Alcoholism, 43 (2), 124-126 DOI: 10.1093/alcalc/agm163
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