“Nada em biologia faz sentido a não ser à luz da evolução” – Theodisius Dobzhansky
Esta frase muito conhecida por cientistas ao redor do mundo dá início a um comentário publicado já há algum tempo na Nature Immunology 1 intitulado Immunology taught by Darwin, em que o tema central discutido é como os mecanismos de ação do sistema imunológico podem refletir na seleção e evolução de patógenos e tumores. Partindo destas idéias surgem os questionamentos sobre as adaptações que permitem microorganismos e tumores evitar a resposta imune e prolongar seu desenvolvimento.
As estratégias de evasão são diversas e alguns microorganismos atuam ocupando nichos especiais onde o sistema imune não consegue “enxergar”, como exemplo, os parasitas que causam a Malária (Plasmodium sp). Este patógeno tem uma fase assexual no interior de eritrócitos, os quais não são capazes de produzir e expressar MHC de classe I em sua superfície, garantindo que a presença deste microorganismo não seja anunciada ao sistema imune na forma de complexos peptídeo-MHC.2
Já outros microorganismos patogênicos, como fungos, podem evitar a detecção mascarando padrões moleculares associados à patógenos (PAMPS), como carboidratos presentes na superfície celular, e uma vez detectados, várias espécies interferem com fagócitos e tráfego intracelular e podem reprimir produtos anti-microbianos como o óxido nítrico (NO).3
Recentemente, dois trabalhos mostraram características da bactéria Staphylococcus aureusque evidenciam mecanismos utilizados para escapar da resposta imune por meio da inibição do sistema complemento. Chen H. e colaboradores4 mostraram que a proteína ligante de fibrogênio (Efb) produzida por S. aureus age como um inibidor alostérico induzindo mudanças conformacionais no fragmento C3b do complemento que se propaga através de vários domínios e influencia regiões funcionais distantes do sítio de ligação da Efb. Notavelmente, o inibidor prejudicou a interação de C3b com o fator B do complemento e conseqüentemente, a formação da C3 convertase ativa. Como este complexo enzimático é crítico tanto para ativação quanto para amplificação da resposta mediada pelo sistema complemento, esta inibição alostérica representa uma contribuição fundamental para as estratégias de evasão de S. aureus.
Já Laarman, A e colaboradores5 identificaram uma metaloprotease que também inibe o sistema complemento. A aureolisina inibe efetivamente a fagocitose e eliminação da bactéria por neutrófilos. Ainda esta metaloprotease tem função de inibir a deposição de C3b na superfície da bactéria e a liberação do C5a. Análises demonstraram que a aureolisina cliva a proteína C3, proteína central do complemento. No entanto, houve uma diferença clara entre a clivagem de C3 em soro e em condições purificadas. A aureolisina cliva C3 purificado especialmente na cadeia-a, próximo a região de clivagem da C3 convertase, levando a C3a e C3b ativas. Porém, em soro foi observado que a C3b gerada pela clivagem por aureolisina é degradada posteriormente por fatores do hospedeiro. Desta forma, conclui-se que a aureolisina age em sinergia com reguladores do hospedeiro para inativar C3, assim inibindo o sistema complemento e conseqüentemente a resposta imune.
Portanto, ficam as perguntas: não estaria o sistema imune, ao longo do tempo, selecionando os patógenos mais adaptados e quais modificações sofrem ou vão sofrer os mecanismos de combate a estes patógenos?
Post de Luiz Gustavo Gardinassi – Aluno de doutorado (IBA)
Referências
1 – Rodney E. Phillips Immunology taught by Darwin Nat. Immunol. 2002; 3(11) 987-989.
2 – David Sacks e Alan Sher Evasion of innate immunity by parasitic protozoa Nat. Immunol. 2002; 3(11) 1041-1047.
3 - John R Collette and Michael C Lorenz Curr Opin Microbiol. 2011; (14) 1-8
4 – Chen H et al. Allosteric inhibition of complement function by a staphylococcal immune evasion protein. Proc Natl Acad Sci U S A. 2010; 107(41) 17621-6.
5 – Laarman, A et al. Staphylococcus aureus Metalloprotease Aureolysin Cleaves Complement C3 To Mediate Immune Evasion 2011 J Immunol 2011; (186) 6445-6453
Luiz Gustavo e João,
ResponderExcluirsou da opinião que a co-evolução é constante entre o patógeno e seus hospedeiros. O processo de seleção (ou aprendizagem) é contínuo... se não fosse assim, como explicar os mecanismos propostos no post?
O meu medo é que a intervenção humana gerada pela ciência (que é o tópico que discutimos neste espaço) quebre os paradigmas existentes. Aí teremos a temida geração de monstros - que nada mais serão do que anormalidades evolutivas, por meio do surgimento de eventos que não conseguiremos mais prever.
Abraços, Tiago.
Tema interessante!!!!!! Pois é, eu também acredito na co-evolução, ou seja uma corrida armamentista ( patógeno X hospedeiro). O sistema imune vai sempre evoluir para ter mecanismos que tentem eliminar o patógeno, e o inverso também é verdadeiro. Esses mecanismos são todos controlados geneticamente. Não acredito na geração de monstros, mas sim na intervenção ideal partindo do principio de genes de resistência do hospedeiro e de virulência do patógeno.... vencemos vários patógenos e acredito plenamente que usando das ferramentas ideiais contuaremos vecendo-os. A tendência é essa...
ResponderExcluirTiago e Grace
ResponderExcluirTambém concordo com a idéia de uma co-evolução constante entre ambas as partes, mesmo porque como o Tiago disse, não seria possível observamos os mecanismos de evasão. Mas o que me intriga é pensar em como algo que conhecemos hoje possa vir a ter conotações diferentes no futuro, de forma a adaptar-se.
Também concordo com o Tiago quanto à influência humana, e um exemplo disso são os fármacos que tem boa eficiência hoje, porém podem selecionar patógenos cada vez mais resistentes no futuro.
Abraços
Luiz Gustavo