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segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A nada mole vida dos patógenos...

 A relação parasito-hospedeiro, estudada há muito tempo, destaca-se mais no aspecto que aborda o patógeno, sempre o incriminando como “vilão”. Porém, nem tudo são flores para estes seres que também precisam retirar seu sustento de algum lugar, no caso, daquele ser que faz o papel de hospedeiro.

As dificuldades enfrentadas pelos “pobres” parasitos já podem ser destacadas já nos conceitos. Um patógeno, para ser eficaz em seu parasitismo - mais claramente - para ser considerado um ótimo patógeno, precisa desenvolver mecanismos ou fatores de virulência que permitam sua invasão e persistência em determinado hospedeiro. Por outro lado, um ser vivo para ser considerado um bom hospedeiro, não precisa desenvolver mecanismo nenhum, basta ser “refratário” àquele parasito. De outra forma, para um organismo vivo ser “bom” no papel que participa na ecologia das relações, é muito mais fácil “escolher” ser um bom hospedeiro, que nada mais, nada menos, precisa ficar em seu estado “não reativo”, sem gastar energia nenhuma, que ser um bom parasito ou bom patógeno, já que neste caso, será preciso utilizar sempre de novas “armas de ataque e defesa”.

E os obstáculos não ficam por aí... Se pensarmos bem, veremos que estes “pequenos” seres já se deparam com adversidades no ambiente em que se encontram. E que, após localizar o hospedeiro tão sonhado, ainda precisa “rebolar” para conseguir realizar a invasão.

Vamos lá, pensando em um parasito que penetra via epiderme... Este tecido funciona como a grande primeira barreira à invasão. Sem contar, que neste momento, o parasito ainda pode encontrar outro empecilho: o comportamento do hospedeiro! Lambeduras, mordeduras, ato de coçar, a própria autolimpeza ou “grooming” que é bem visto em gatos, e por aí vai... (Nesta altura do campeonato muitos “coitadinhos” já foram eliminados...) Mas continuando, o tegumento, além de representar por si só uma barreira, ainda tem fatores “contribuintes” para a complicação da vida de patógenos que necessitam dessa via para entrar em seu hospedeiro, tais como: queratina, suor e seu pH, secreções sebáceas, justaposição de células (junções intercelulares) e um outro grande exército, contra quem, muitas vezes têm que lutar para adquirir seu espaço: a microbiota normal. Por outro lado, se um parasito consegue a “maravilhosa” proeza de se desenvolver em um vetor, ele pula algumas etapas já citadas e ainda outras que chegaremos... Mas para isso, precisa de mecanismos que favoreçam a sobrevivência também neste vetor.

Em se tratando de mucosa oral, saliva, enzimas (proteases), o próprio epitélio e os movimentos de deglutição fornecem obstáculos suficientes para qualquer parasito pessimista “desistir” ou ser simplesmente eliminado. Ao chegar ao estômago, o patógeno se depara com um grande “poço” de ácido sob o qual tem que sobreviver. Mas venhamos e convenhamos, para alguns dos nossos “amiguinhos”, este ácido é importante para a manutenção do ciclo, como por exemplo, para oocistos de certos parasitos, que dependem desta substância para serem rompidos. Sobrevivendo até aqui e chegando “intactos” ao intestino, aqueles que necessitam entrar além da luz do órgão, encontram novamente um paredão de epitélio, o muco produzido, os movimentos realizados pela musculatura (peristaltismo) e outro grande exército: a microbiota intestinal.


Na mucosa respiratória, estas barreiras aumentam ainda mais, pois além do epitélio ser “especializado” na defesa através da presença de cílios e seus movimentos (turbilhonamento), há ainda os reflexos de tosse e espirro que podem ser ativados dependendo do estímulo. Por outro lado, se o patógeno “prefere” ter como hábitat o trato geniturinário, ainda precisa aprender a lidar com a “grande onda” do fluxo urinário, além de algumas outras barreiras já aqui citadas (pH, microbiota normal e muco) e a descamação que os epitélios sofrem.

Ainda, outras duas vias de entrada para patógenos não menos importantes e que também oferecem barreiras, são o canal auditivo e a mucosa ocular, tendo a secreção de cera e a de lágrima com lisozimas, respectivamente, como barreiras.

Ufa! Não deve ser fácil! E olha que ainda nem chegamos ao exército mais especializado na defesa contra esses tão corajosos soldados. Bem, mas antes do sistema imune adaptativo, alguns parasitos têm de enfrentar a inflamação... Tal processo entendido como sendo a reação de um tecido obrigatoriamente vascularizado frente a um agente agressor, que pode ser um parasito ou não, é uma das chaves para o mecanismo de defesa imune inato. Esta reação fisiológica de um hospedeiro frente a um parasito, pode acabar com a vida de uma “sociedade” inteira destes seres... Alterações de vasos sanguíneos, acúmulos de líquidos, recrutamento de células de combate e acúmulo de substâncias que reforçam ainda mais as anteriores num mecanismo de feedback positivo, tudo isso simultaneamente se junta para eliminar os vilões da relação. E finalmente, depois de sobreviver a estes batalhões da infantaria inflamatória, os parasitos ficam frente a frente com o “poderoso chefão”. 

Claro que como todo “comandante”, o sistema imune adaptativo tem sua ação facilitada por tais barreiras encontradas ao longo do caminho e que já eliminam boa parte das “tropas invasoras”. Mas não se pode negar que é um sistema muito mais capacitado e que se utiliza de “armas” mais complexas. Entretanto, mesmo com toda a sua inteligência, ele muitas vezes é subvertido e acaba sendo utilizado como um “cavalo de Tróia” por patógenos ainda mais espertos... 

Essa nada mole vida de parasitos é “suavizada” ao longo do processo evolutivo, fazendo com que cada vez menos barreiras sejam verdadeiros obstáculos para a colonização do hospedeiro. E até mesmo contra o mais poderoso “chefe” se tem mecanismos de evasão bem eficientes; e isso ocorre porque estamos tratando de milhões de anos de luta para a sobrevivência, para a continuidade de seus ciclos e de suas espécies.

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Nosso objetivo aqui foi destacar a importância das várias barreiras naturais que agem contra patógenos, que são muitas vezes esquecidas. Para pensarmos no quanto a ausência destas podem nos causar danos, levantamos a seguinte situação hipotética: dois indivíduos geneticamente iguais, gêmeos univitelinos, onde um se encontra com perda total de seu tecido epitelial por queimadura generalizada e o outro altamente comprometido imunologicamente com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Nesse modelo, ambos entrarão em contato com um patógeno oportunista de via epitelial e que em indivíduos “normais” seria rapidamente controlado. Qual dos dois sofreria danos com maior intensidade podendo chegar à morte?

Com a perda da barreira epitelial, ocorrem intensas mudanças locais que favorecem o acesso e a proliferação de patógenos. No hospedeiro com tecidos desvitalizados, proteínas degradadas e diminuição do suprimento de oxigênio, ocorre o favorecimento do parasitismo, pois com a obstrução vascular existe a dificuldade de chegada de componentes celulares do sistema imune, além da exposição de moléculas como fibronectina, fibrinogênio, colágeno e muitas outras às quais patógenos possuem receptores específicos, favorecendo assim, sua ligação e permanência no local.

Mas se pararmos para comparar os dois casos, o paciente que apresenta diminuição da eficiência de sua atividade imune adaptativa, como no caso da AIDS, possui integridade de sua barreira epitelial, que fornece uma proteção natural. O que é evidente é que o tempo de sobrevida destes indivíduos seria diferente; o imunocomprometido possivelmente não precisaria desenvolver uma resposta imune enquanto a barreira epitelial estivesse limitando ou retardando a entrada deste patógeno. Já o indivíduo queimado, por não possuir essa barreira, não restringiria a entrada, proliferação e disseminação do patógeno, sendo necessária uma intensa resposta imune, a qual poderia levá-lo até mesmo a morte... Será?

Ilustrações:
Dênis Batistão

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8 comentários:

  1. Belo post Tiago. Parabéns para os meninos. Que continuem assim.
    Joao

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  2. Parabéns pessoal, ehhhh Uberlândia...De grande importância, o sistema imune inato humoral e celular (senti falta dele na paródia), além das barreiras químicas e físicas citadas...macrófagos, células dendríticas (os "Heitores" contra os cavalos de Tróia) e etc, são companheiros de jornada de muitos de nós, é com eles que se iniciam os melhores capítulos dessa fascinante história...Abs, Álvaro

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  3. Excelente post. Muito criativo... Adorei as imagens e gostei do questionamento final que nos leva a pensar. Quem é o Dênis? As ilustrações são muito boas, o que me chama atenção. Gostei dos termos usamos como por exemplo “cavalo de Tróia”... Muito bom....“poderoso chefão” também foi super bem aplicado. Eu Tô tentanto escrever algo parecido sobre evasão de patógenos para publicar posteriormente aqui no blog e com esse post de vcs me surgiram várias idéias. Parabéns meninos!!!!

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  4. kamilla Paes de Siqueira1 de agosto de 2011 às 20:30

    aném que orgulho,que minha faculdade tenha alunos tão competentes na aréa de Imunoparasito. Ótimo texto!

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  5. Muito legal o post. Parabéns ao pessoal de Uberlândia. Sempre tenho achado fascinante o conceito de “equilíbrio co-evolucionário”, que aquí está descrito de forma bem didática.

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  6. Parabéns, gente!! Adorei!! Saudades...

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  7. Que gracinha!!! Muito bom mesmo, turma! Parabéns!

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