O intestino é um orgão bastante interessante. Abriga mais de 100 trilhões de bactérias comensais de 30-40 espécies diferentes, 10 vezes mais do que o número de células do organismo inteiro. Apresenta mais linfócitos do que todo o resto do corpo humano, e esses linfócitos geralmente apresentam um fenótipo de ativação. Linfócitos Th1, Th17 e Treg parecem conviver lá em perfeita harmonia. Portanto, a mucosa intestinal é capaz de gerar uma resposta imune eficiente sem ameaçar a tolerância à antígenos inócuos. Ultimamente muito se tem estudado sobre o papel de diferentes bactérias comensais na diferenciação/manutenção dos diferentes tipos de células T efetoras presentes no intestino (Round & Mazmanian 2009).
Em um artigo publicado na Science express no dia 23 de dezembro, o grupo liderado por Kenya Honda da Yakult Central Institute for Microbiological Research em Tóquio, Japão mostra que bactérias comensais do gênero Clostridium, mas não outras bactérias comensais como Bacteroides, são as responsáveis pelo acúmulo de células T reguladoras (Treg) no intestino (Atarashi et al, 2010).
Primeiramente, os autores observaram aumento da frequência de Treg na lâmina propria do cólon e intestino delgado de acordo com a idade dos animais (2 -13 semanas de idade). Em seguida, eles observaram que a frequência de Treg no cólon, mas não no intestino delgado, era menor em animais germ-free do que em animais SPF (specific pathogen free); e quando os animais germ-free foram recolonizados com suspensão fecal de animais SPF, observou-se um aumento da frequência de Treg no cólon. Esses resultados sugerem que a microflora indígena permite acúmulo de Treg no cólon. Os autores também mostraram que o tratamento de animais SPF com vancomicina, antibiótico que ataca bactérias Gram-positivas, resulta na diminuição de Tregs no cólon enquanto que tratamento com polimixina B cujo o alvo é principalmente bactérias Gram-negativas, não afetou a frequência de Treg no cólon. Uma vez que bactérias do gênero Clostridium são uma das principais bactérias Gram-positivas presentes no trato gastro-intestinal de camundongos, os autores apostaram em uma possível ligação entre essas bactérias e a geração/manutenção de Tregs. Para testar essa hipótese, eles colonizaram animais germ-free com um coquetel de 46 cepas de Clostridium e observaram aumento significativo de Treg no cólon mas não no intestino delgado. Para avaliar se esse efeito era especificamente induzido por Clostridium, os autores colonizaram os animais germ-free com outras bactérias também presentes na microbiota como as Bacteroides. Colonização com Bacteroides não resultou em aumento de Treg no colon, sugerindo um efeito específico do Clostridium.
Em seguida, os autores caracterizaram essas Treg induzidas por Clostridium. Uma fração significativa das Treg presentes no colon de animais ex-germ-free (colonizados com Clostridium) não expressa Helios, fator de transcrição que parece ser expresso por Treg naturais (Thornton et al, 2010), sugerindo que essas Treg foram diferenciadas de células T naïve. Uma vez que a produção de IL-10 por Treg está relacionada a sua atividade imunossupressora, o grupo de Honda investigou a produção de IL-10 usando um camundongo knock-in repórter no qual as células produtoras de IL-10 são YFP+ (Il10venus) e observou que as Treg presentes no colon de animais germ-free colonizados com Clostridium, mas não com outras bactérias, produzem IL-10, e não expressam Helios, sugerindo novamente que as Treg acumuladas no cólon foram induzidas a partir de não células T não reguladoras.
O acúmulo de Treg no cólon induzido por Clostridium parece ser independente de sinalização via TLR uma vez que animais germ-free deficientes em MyD88 colonizados com Clostridium apresentam o mesmo aumento de Treg quando comparado aos animais suficientes em Myd88.
Por último, para mostrar a importância de Clostridium na resposta imune regional e sistêmica, eles utilizaram modelo de colite induzida pelo composto químico DSS (dextran sodium sulfate), e modelo de imunização com ovalbumina (OVA). Animais cuja a microbiota era rica em Clostridium desenvolveram colite menos grave; e a imunização com OVA absorvida em Alum resultou em níveis séricos de IgE anti-OVA menores nos animais ricos em Clostridium no intestino. Esses resultados sugerem que o efeito de Clostridium vai além de manter/diferenciar Treg no cólon, influenciado também a resposta imune sistêmica.
Os resultados desse trabalho abre perspectivas para o tratamento de autoimunidade mas também levanta várias outras questões, como: quais as vias de sinalização envolvidas na geração de Treg por Clostridium (já que parece ser independente de TLRs)? Quais os componentes presentes no Clostridium que são reconhecidos pelas células do sistema imune levando a diferenciação/manutenção de Treg no colon? O efeito da colonização por Clostridium é direto nas Treg ou indireto via células dendríticas ou células T efetoras?
Referências
Atarashi K, Tanoue T, Shima T, Imaoka A, Kuwahara T, Momose Y, Cheng G, Yamasaki S, Saito T, Ohba Y, Taniguchi T, Takeda K, Hori S, Ivanov II, Umesaki Y, Itoh K, Honda K. Induction of Colonic Regulatory T Cells by Indigenous Clostridium Species. Science. 2010 Dec 23.
Round JL, Mazmanian SK. The gut microbiota shapes intestinal immune responses during health and disease. Nat Rev Immunol. 2009 May;9(5):313-23. Review. Erratum in: Nat Rev Immunol. 2009 Aug;9(8):600.
Thornton AM, Korty PE, Tran DQ, Wohlfert EA, Murray PE, Belkaid Y, Shevach EM. Expression of Helios, an Ikaros transcription factor family member, differentiates thymic-derived from peripherally induced Foxp3+ T regulatory cells. J Immunol. 2010 Apr 1;184(7):3433-41.
uau, massa
ResponderExcluirParece que temos as respostas agora. Células Dendríticas CD 103+
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