Muito se tem falado sobre os diversos subtipos de linfócitos T descritos nos últimos anos, mas em meio a essa avalanche de populações de células da imunidade adaptativa (Th1, Th2, Th3, Treg, Th17, Th9, Th22) que muitas vezes são mostradas como os únicos protagonistas das respostas imunes, pouco se sabe sobre a função e plasticidade das chamadas células linfóides inatas (Innate Lymphoid Cells - ILCs). Essas células possuem funções importantes na resposta imune inata, na formação de tecido linfóide, no remodelamento tecidual após injúria e na homeostase das células do tecido estromal (Spits & Santo, 2011). Durante muito tempo, as células NK foram consideradas os como representantes únicos dessa classe de linfócitos. Hoje, além das células NK são conhecidos os linfócitos inatos do tipo 2 ou nuócitos, as células NK22 e as células indutoras de tecido linfóide (Lymphoid Tissue Inducer cells, LTi) (Strober, 2010; Diefenbach & Vonabourg, 2010). O desenvolvimento desses linfócitos inatos depende do fator de transcriçao Id2 (inhibitor of DNA binding 2), mas, cada subtipo possui suas peculiaridades, células LTi dependem da expressão de RORgt e da presença de IL-7, enquanto células NK dependem do fator de transcrição E4BP4 e de IL-15 (Vonabourg et al, 2010). As células LTi estão presentes nos órgãos linfóides primitivos e são responsáveis pela organogênese dos tecidos linfóides. Essas células produzem linfotoxinas e TNF-a e estimulam a produção de quimiocinas e expressão de moléculas de adesão por células mesenquimais levando a formação dos órgãos linfóides (Mebius et al, 2003). São considerados linfócitos inatos, pois são células CD3-CD19- que não se desenvolvem no timo e não expressam receptores antígeno-específicos, como TCR e BCR. Para serem ativados, esses linfócitos respondem a citocinas produzidas por estímulos inatos e também a ligantes de receptores de celulas NK. Por terem um papel essencial na gênese dos tecidos linfóides, as células LTi estão presentes em grande número na fase embrionária e podem ser encontradas logo após o nascimento, mas seu papel na resposta imune ainda não é completamente conhecido. Recentemente, foi descrita a presença de células LTi-like na lâmina própria de camundongos adultos e essas células foram associadas ao desenvolvimento de órgãos linfóides terciários, como as placas de Peyer e folículos linfóides intestinais (Bouskra et al, 2008; Tsuji et al, 2008). As células LTi-like diferem das células LTi pela expressão de receptores de células NK, como NKp45, e são fontes importantes das citocinas IL-17 e IL-22 (Takatori et al, 2009). Por expressarem esses receptores de células NK (NKR ou NKp46), acreditava-se que as células LTi-like seriam um estágio de diferenciação de células NK. No entanto, no final do ano passado, Vonabourg e colaboradores mostraram que células LTi (NKR-RORgt+), mas não as células NK, seriam os progenitores das células LTi-like (NKR+RORgt+) (Vonabourg et al 2010). Utilizando modelos de transferência adotiva de células geneticamente marcadas para a expressão de RORgt (fate mape), ou seja, células que emitem fluorescência caso tenham expressado RORgt em algum período do seu desenvolvimento, foi mostrado que células LTi (NKp46- RORgt+ CD127+ IL-23R+) produtoras de IL-17 e IL-22, ganham a expressão de NKP46 e dão origem a células produtoras unicamente de IL-22, que seriam as células LTi-like, ou NKR-LTi. Essas células estão presentes em maior número no intestino delgado, mas também podem ser encontradas no cólon e em menor freqüência nos linfonodos e baço. Como expressam IL-23R, os linfócitos LTi-like respondem a essa citocina com a produção de IL-22 ou IL-17 e acredita-se que essas células seriam importantes para a manutenção da homeostase tecidual, principalmente no intestino, onde são encontradas em maior freqüência. De acordo com alterações no microambiente, as células LTi-like tendem a perder a expressão de RORgt: enquanto a presença de IL-7 e a microbiota intestinal estabilizam a expressão de RORgt, a produção de IL-15 e IL-12 acelerariam a perda de RORgt por essas células e expressão de IL-12R (figura 1).
Quando se tornam RORgt -, respondem à presença de IL-23 com a produção de IFN-g em vez de IL-22 ou IL-17. Essas células NKp46+RORgt- produtoras de IFN-g são potentes indutoras de colite em modelo experimental. Alguns autores têm proposto que as células LTi-like ou NKR-LTi poderiam representar versões inatas dos linfócitos Th17 e Th22, assim como as células NK e os nuócitos seriam a versão das células Th1 e Th2, respectivamente (Spits & Santo, 2011) (figura 2).
De uma maneira geral, esses linfócitos inatos, ainda pouco estudados e pouco compreendidos, parecem exercer um papel importante na homeostase intestinal e a descoberta de sua plasticidade funcional pode fornecer evidências para a compreensão de eventos atribuídos exclusivamente às células da imunidade adaptativa durante processos inflamatórios intestinais. Vamos ficar de olho nessas células!!!
Denise Morais da Fonseca
Pós-doutoranda - Departamento de Bioquímica e Imunologia - FMRP-USP
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