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quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

2011-JAN-20- Discriminação
Durante décadas (Vaz and Varela, 1978), tenho me oposto ao lema central da imunologia moderna, sumarizado na expressão “self/nonself discrimination”, ou seja, a separação entre o que pertence (o próprio) e o que não pertence ao organismo (o não-próprio). Esta postura pressupõe que o organismo, ou seu “sistema imune”, ou seus linfócitos, podem diferenciar (discriminar) entre estas duas classes de materiais. Isto constituiria uma atividade cognitiva, ligada ao conhecer, à tomada de decisões, e também ao estabelecimento de uma memória de eventos já ocorridos. A idéia de que a atividadde imunológica envovle a tomada de “decisões” é corrente na Imunologia atual (vide Nature Immunology 11(8) August 2010 - Focus issue: “Decision making in the immune system”). A tomada de decisões é atribuída a células e moléculas e não, como seria devido, a imunologistas que observam tais fenômenos e emitem julgamentos. Por exemplo, Pulendran et al. (2010) afirmam: “Um enigma fundamental na imunologia é (saber) como o sistema imune decideque tipo de respostas imunes deseb]ncadear contra diferentes estímulos.” Outros imunologistas adotam posições menos antropocêntricas, por exemplo, Murphy e Stockinger (2010) dizem: “Ao passo que mais estados de diferencação de linfócitos T CD4 são descobertos, sua flexibilidade começa também a ser reconhecida. Componentes que controlam a plasticidade de populações T CD4 incluem condiçnoes celulares, clonalidade, circuitos de transcrição e modificações na cromatina. O aparecimento da flexibilidade celular pode surgir de programas genéticos verdadeiramente flexíveis ou, alternativamente, de populações heterogêneas. Novas ferramentas serão necessárias para definir as regras que proibem ou permitem transições celulares.”

Em meu modo de ver, a atividade imunológica (como opera o sistema imune, ou o que fazem os linfócitos) é uma parte do equilíbrio dinâmico que constitui o organismo, que não deve ser considerada uma atividade cognitiva, pois não está ligada ao conhecer, nem à tomada de decisões; é algo automático, parte da espontaneidade do viver de organismos de vertebrados mandibulados.

A despeito disto, não nego que há diferenças entre as relações do sistema imune, ou dos linfócitos, com materiais que pertencem e materiais que não pertencem ao corpo. É evidente que a penetração de materiais externos pode desencadear eventos celulares acidentais que não estão presentes na operação fisiológica do organismo; a ativação de linfócitos por lipopolissacarídeos (LPS) bacterianos, é um exemplo notável desta diferença. Afirmo, porém, que a atividade imunológica não se baseia em uma classificação (separação) de materiais em externos e internos, em parte, porque esta atividade procede mesmo na ausência de qualquer contato com materiais externos (em condições “isentas de antígenso” (antigen-free)(Bos et al., 1886; Haury et al., 1997); em parte, porque não existe uma entidade “classificadora”, responsável por esta separação entre o que é e o que não é ”imunogênico”.

Há muitos anos, Tauber propôs que a visão usual da imunologia coloca o sistema imune em uma “terceira posição” (nem no corpo, nem fora dele) a partir da qual o sistema imune discriminaria (separaria) o “self” no “nonself” (Tauber, J.L., 1976). Nosso modo de ver pocura inserir o sistema imune no organismo, do qual ele é parte, mas não é sequer adequado dizer que as interações do sistema imune com o corpo (com o “self”) são mais frequentes (que com materiais estranhos), porque o “self” é o próprio o organismo do qual o sistema imune faz parte. Assim, usamos como título de nosso trabalho de 1978 a expressão “Self and non-sense” (Vaz and Varela, 1978) para significar que além das interações que constituem o “self” (o organismo, e com ele, o sistema imune), não há interações que façam sentido algum; ou seja, o corpo não reconhece a presença de materiais estranhos, embora suas operações (sua auto-manutenção) possam ser alteradas pela interferência de materiais estranhos e demandar mudanças compensatórias. A atividade imunológica, a nosso ver, não é um “estranhamento” e, portanto, a discriminação self/nonself cria um pseudo-problema na Imunologia, do qual derivam múltiplos outros.

Bos, N.A., Benner, R., Wostmann, B.S. and Pleasants, J.R. (1986) 'Background' Ig-secreting cells in pregnant germfree mice fed a chemically defined ultrafiltered diet. J Reprod Immunol 9, 237-46.
Haury, M., Sundblad, A., Grandien, A., Barreau, C., Coutinho, A. and Nobrega, A. (1997) The repertoire of serum IgM in normal mice is largely independent of external antigenic contact. Eur J Immunol 27, 1557-63.
Murphy, K.M. and Stockinger, B. (2010) Effector T cell plasticity: flexibility in the face of changing circumstances. Nature iImmunology 11, 674-679.
Pulendran, B., Tang, H. and Manicassamy, S. (2010) Programming dendritic cells to induce TH2 and tolerogenic responses. Nature Immunology 11, 647-655.
Tauber, A., ed. (1991) Organism and the origins of the self.
Cambridge Univ. Press, Cambridge.
Tauber, J.W. (1976) "Self": standard of comparisons for immunological recognition of foreignness.
Lancet 308, 291-293.
Vaz, N.M. and Varela, F.G. (1978) Self and nonsense: an organism-centered approach to immunology. Med. Hypothesis 4, 231-257.

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