As leishmanioses estão presentes
em cerca de 98 países, com mais de 350 milhões de pessoas em áreas de risco.
São mais de 20 espécies do gênero Leishmania
que podem infectar humanos, sendo que algumas causam, preferencialmente,
lesões cutâneas ou mucosas (as cutâneas, geralmente, auto curáveis), e outras
visceralizam, atingindo, principalmente, o baço e o fígado. Um dos pontos mais
importantes a ser questionado no estudo das leishmanioses é o porquê de algumas
espécies permanecerem no local da picada do inseto, resultando em uma infecção
local, enquanto outras migram para outros órgãos, desencadeando formas mais
graves, por vezes fatais, da doença.
Para pensar nesse questionamento,
é preciso levar em conta os aspectos intrínsecos do parasita, assim como os
determinantes específicos do hospedeiro no controle da infecção. São muitos os
fatores do parasita que podem estar envolvidos no sucesso da infecção, tais como
a espécie, a virulência da cepa, as alterações genéticas, e até a quantidade de
parasitas inoculados em infecções experimentais pode influenciar na
visceralização da leishmaniose cutânea.
Um grupo de Sri Lanka tentou
explicar geneticamente o tropismo de isolados da pele e vísceras do mesmo
paciente provenientes de uma infecção pela mesma cepa de Leishmania donovani (uma das espécies que causa leishmaniose
visceral). Curiosamente, essa cepa que normalmente persiste no baço e fígado
foi também encontrada na pele do paciente. A fim de caracterizar as cepas
isoladas desses diferentes sítios, o grupo sequenciou o genoma de ambas e
observou que a diferença no tropismo entre os isolados não foi devida a deleção
de genes ou a presença de pseudogenes no isolado cutâneo. Interessantemente,
tais cepas apresentaram polimorfismos e/ou diminuição do número de cópias de
genes importantes na fisiopatologia da doença.
Um dos genes mais importantes para a virulência e habilidade
de visceralizar é o A2, que consiste numa família abundantemente expressa
durante a forma amastigota em leishmanias do complexo Donovani. Como era de se
esperar, esse gene foi menos expresso no isolado cutâneo. Após a transfecção do
mesmo nas cepas cutâneas, os autores observaram uma maior infectividade e
sobrevivência do isolado no baço de camundongos BALB/c, o que demonstra a
importância desse gene na virulência das cepas viscerais.
Os fatores do hospedeiro devem
ganhar destaque também, especialmente, em relação à resposta imunológica gerada
pela interação parasito-hospedeiro. Em indivíduos mal nutridos, que é o caso da
maioria dos países endêmicos para as leishmanioses, o sistema imune inato está
comprometido, aumentando a susceptibilidade à infecção. Pensando nisso,
pesquisadores do Texas investigaram os possíveis defeitos nos mediadores da
imunidade inata provocados por uma dieta deficiente em nutrientes (proteínas,
ferro e zinco) em camundongos BALB/c. Eles observaram que animais mal nutridos
apresentaram uma redução nas células dendríticas e macrófagos, além de
alterações no fluxo de linfócitos no linfonodo. Esse fenótipo esteve
relacionado com uma falha na função dos linfonodos em atuar como uma barreira,
impedindo a disseminação da infecção, e, dessa forma, aumentando o risco de visceralização
precoce.
Portanto, esses dois trabalhos
acrescentaram alguns mecanismos envolvidos na visceralização das leishmanias. A
leishmaniose visceral é uma das parasitoses com maior letalidade e os
mecanismos que governam a sobrevivência desses parasitas nos órgãos viscerais
permanecem obscuros. Sabe-se que é um processo multifatorial, no qual muitos fatores
(co-infecção com HIV, helmintos, utilização de drogas imunossupressoras,
interação com a matriz extracelular do hospedeiro, etc) podem contribuir para a
persistência do parasita em determinados órgãos. Estudos como esses podem
contribuir para um melhor entendimento da virulência desses isolados e, quem
sabe, descrever potenciais alvos terapêuticos durante a infecção visceral.
Figura. Após a transmissão das
formas infectantes ao hospedeiro vertebrado, há a resposta imunológica
desencadeada por essa interação, com ação do sistema imune inato, que pode
conter a infecção local, permitindo o controle, ou a migração do parasita para
outros sítios.
Zhang WW, Ramasamy G, McCall L-I, Haydock A,
Ranasinghe S, et al. (2014) Genetic Analysis of Leishmania
donovani Tropism
Using a Naturally Attenuated Cutaneous Strain. PLoS Pathog. 10(7):
e1004244.doi:10.1371/journal.ppat.1004244.
Response and Increases Early Visceralization following Leishmania donovani Infection Infect
Immun. 69(8):
4709–4718. doi: 10.1128/IAI.69.8.4709-4718.2001.
Post de Alynne Karen Mendonça de
Santana (doutoranda em Ciências da Saúde - UFS)
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