Buscando padrões em sequências virais
O Professor José Artur Bogo Chies
coordena o Laboratório de Imunogenética da UFRGS, localizado no Departamento de
Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde desenvolve
pesquisas com enfoque nas análises genéticas de doenças com fundo autoimune e
pró-inflamatório. Durante uma aula sobre apresentação de antígenos, para uma
turma da graduação, foi surpreendido pela pergunta de um aluno sobre as
características que permitiam ao sistema imune diferenciar próprio e não
próprio. Gustavo Fioravanti Vieira,
então aluno do curso de Biologia, estava intrigado sobre o reconhecimento de
peptídeos virais apresentados no contexto do MHC-I. Além da questão da seleção
tímica e da possível influência do contexto inflamatório da infecção, haveria
algum padrão nestes pequenos peptídeos apresentados pelas células infectadas
que pudesse servir como uma “assinatura” típica de vírus? Afinal, as proteínas
virais são formadas pelos mesmos 20 aminoácidos essenciais que formam as
proteínas do hospedeiro e o linfócito CD8+ irá interagir com uma sequência de
apenas 8-10 aminoácidos para “identificar” se o alvo apresentado é próprio ou
não próprio.
Figura 1. Rota de
apresentação de peptídeos endógenos. Modificado de Yewdell e
cols., 2003.
Muitos meses mais tarde, este
despretensioso debate em sala de aula deu origem a uma nova linha de pesquisa
no Laboratório de Imunogenética. O Professor José Artur convidou o ex-aluno
(agora Bacharel em Biologia) para ingressar em um projeto de mestrado
realizando uma análise in silico (no
computador) das sequências de peptídeos virais imunogênicos. Sob co-orientação
do Dr. Andrés Delgado Cañedo (Unipampa),
Gustavo Vieira iniciou uma pesquisa voltada a identificação de padrões
físico-químicos que pudessem ser responsáveis pelo desencadeamento de
reatividade cruzada nas respostas celulares citotóxicas (Vieira & Chies, 2005).
A existência de padrões físico-químicos que contribuíam para a ocorrência da reatividade
cruzada entre epitopos virais foi posteriormente corroborada por experimentos
realizados por pesquisadores dinamarqueses (Frankild
e cols., 2008).
O projeto de Mestrado foi
transformado em Tese de
Doutorado e através do uso da ferramenta BLAST e de preditores das etapas
da via de apresentação de antígenos endógenos foi possível identificar que os
epitopos imunogênicos estavam restritos a regiões conservadas das proteínas
virais (Rigo e cols.,
2012). Ou seja, utilizando a proteína N dos Hantavírus como modelo de
estudo, observou-se in silico que o
sistema imunológico dos hospedeiros (roedores) direcionava a resposta celular contra
epitopos compartilhados entre os diversos membros da família Bunyaviridae (blocos azul escuro na Figura 2). Estas sequências, por outro lado,
não compartilhavam nenhuma similaridade com sequências do hospedeiro ou mesmo
com sequências de outros organismos (mesmo considerando padrões
físico-químicos). Estas observações são suportadas pela comparação entre a
proteína N e proteínas da ordem Rodentia
(hospedeiros naturais dos hantavírus) através de um sistema de janela
deslizante, bem como por uma busca de motifs
utilizando a ferramenta Pattern Search (Max Planck Institute). Assim sendo, a
estimulação da resposta celular por estes alvos conservados potencializa a
chance de imunização heteróloga (infecção pelo vírus “A” protege contra o vírus
“B”) e reduz o risco de respostas autoimunes.
Figura 2. Alinhamento
da proteína de nucleocapsídeo de 34 virus da família Bunyaviridae. Os blocos acima do alinhamento indicam a localização de epitopos
descritos em murinos (azul escuro) ou humanos (azul claro). Na parte superior
da imagem a identidade é indicada por um histograma de cores, no qual o verde
indica 100% de identidade. Observe que os epitopos murinos (hospedeiro natural)
se encontram em blocos com identidade mais alta do que aquela observada para
alguns epitopos descritos em humanos. Modificado de Rigo e cols., 2012.
Neste “contexto imunológico” se desenvolveu
o Núcleo de Bioinformática do Laboratório de Imunogenética (NBLI), coordenado por Gustavo Fioravanti Vieira,
agora Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia
Molecular (PPGBM-UFRGS). Com o tempo, o enfoque das pesquisas do grupo voltou-se
da análise de sequências para a análise de estruturas, mantendo sempre o
interesse central nos mecanismos da reatividade cruzada e da imunidade
heteróloga. Em 2009 o grupo teve um projeto aprovado no Grand Challenges Explorations (GCE) da fundação Bill & Melinda
Gates, tendo recebido um auxílio de U$ 100.000,00 dólares para desenvolver um
banco de dados de estruturas peptídeo:MHC (pMHC-I). Os resultados desta nova linha de
pesquisa serão apresentados na segunda parte deste post.
Post de Dinler Amaral Antunes
NBLI - Núcleo de Bioinformática do Laboratório de
Imunogenética.
Aluno de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Genética
e Biologia Molecular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(PPGBM/UFRGS).
Desde que iniciei meus estudos em Imunologia fico muito curioso a respeito deste assunto...
ResponderExcluirO paper de Probst et al (http://www.nature.com/ni/journal/v6/n3/full/ni1165.html) demonstra que se antígenos virais forem expressos em um contexto de falta de co-estimulação, nenhuma resposta antiviral é iniciada, pelo contrário, tem-se tolerância a estes antígenos. Isto nos remete então a pensar que quem vai decidir o que será imunogênico ou não, é o contexto, e não o peptídeo...
Mesmo com esses dados, ainda fica a pergunta... em uma situação de infecção, haverá co-estimulação e apresentação de peptídeos próprios e virais, sendo então necessário que os linfócitos consigam diferenciar estes padrões físico-químicos dos antígenos.
Parabéns pelo post e pelo trabalho!
Oi Gustavo, obrigado pelos seus comentários. De fato este trabalho de Probst e cols. (entre outros) demonstra que a co-estimulação também desempenha um papel na indução da resposta celular. Ainda não foram completamente esclarecido quais sinais são "suficientes" para determinar se uma interação TCR:pMHC (CTL-APC) irá desencadear a estimulação do linfócito (CTL), a geração de células de memória, a tolerância ou mesmo a anergia clonal, mas certamente as moléculas co-estimulatórias e as citocinas (contexto) estão envolvidas em vários destes mecanismos.
ResponderExcluirPor outro lado, também não podemos com base nisso assumir que o peptídeo é irrelevante paro o reconhecimento, muito pelo contrário. Toda a especificidade da imunização se dá justamente pelo reconhecimento do complexo pMHC, o que nos permite vacinar indivíduos e induzir neles a formação de células de memória específicas contra o alvo vacinal.
Nós sabemos, por exemplo, que a troca de um único aminoácido em um peptídeo viral imunogênico pode abolir a resposta citotóxica de uma população específica contra o peptídeo selvagem (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18582999). E isso foi observado in vitro, mantendo-se controladas todas as demais condições experimentais. Ainda assim, não podemos dizer que quem "decide" se haverá ou não resposta é o peptídeo, e não o contexto.
Na verdade, o que fica claro a medida que avançamos no estudo desta área é que a resposta imunológica adaptativa é muito mais complexa do que imaginávamos. O número de variáveis envolvidas na estimulação de uma resposta e na geração de memória é absurdo, sobretudo se tentarmos considerar os fatores em nível populacional. Não basta pensarmos nas moléculas co-estimulatórias, nem tampouco na variabilidade do peptídeo (variabilidade viral, por exemplo). Conforme discutirei no próximo Post, um mesmo peptídeo pode adotar conformações distintas dependendo do MHC que o está apresentando, alterando completamente o desfecho da resposta (e existem mais de 8 mil alelos em humanos - http://www.ebi.ac.uk/ipd/imgt/hla/stats.html). Como se toda esta variabilidade não fosse suficiente, observamos que não somos capazes de explicar os desfechos observando apenas o complexo pMHC, precisamos considerar qual população de linfócitos CD8+ está envolvida no reconhecimento. Por exemplo, dois epitopos descritos como "cross-reativos" (são reconhecidos por uma mesma população de linfócitos) podem não ser reconhecidos por uma outra população de linfócitos (mesmo quando apresentando pelo mesmo MHC, nas mesmas condições).
Pensar em vacinação em termos moleculares, para o desenho de alvos que potencialmente imunizarão a maior parte de uma dada população, estimulando tanto a resposta celular quanto a humoral, é um desafio fabuloso!!
Muito interessante esta discussão, Dinler!
ResponderExcluirDe fato, esta é uma situação imunológica muito complexa... espero pelos próximos capítulos!
Novamente, parabéns pelo trabalho!